As caixas estavam empilhadas perto da porta, evidências escassas de sete anos gastos construindo uma vida que nunca foi verdadeiramente minha. Léo, agarrado ao seu ursinho de pelúcia gasto, estava ao meu lado, uma pequena mala aos pés. O silêncio na casa era pesado, quebrado apenas pelo farfalhar suave da fita adesiva. Era isso. Nossa fuga.
Assim que alcancei a maçaneta, a porta da frente se abriu por fora. Heitor estava lá, segurando a mala de grife ridiculamente grande de Karina. Ele tinha um ar triunfante, quase real, como se estivesse liderando um desfile. Karina, deslumbrante em um vestido vermelho justo, agarrava-se ao braço dele, o sorriso largo e artificial. Ele estava interpretando o papel de namorado atencioso com perfeição, os olhos brilhando com um entusiasmo que eu não via dirigido a mim há anos.
Ele me viu, depois Léo, depois as caixas. Sua expressão vitoriosa vacilou, um lampejo de pânico nos olhos. A cena perfeitamente coreografada se estilhaçou.
- Adriana? O que você está fazendo aqui? - Karina gorjeou, a voz excessivamente doce, os olhos arregalados com falsa surpresa. Ela olhou para as caixas, depois de volta para mim, uma pitada de acusação no olhar.
Instintivamente puxei Léo para trás de mim, protegendo-o do olhar sacarino dela.
- Estamos saindo, Karina. Conforme solicitado. - Minha voz era inexpressiva, desprovida de emoção.
Antes que eu pudesse elaborar, Heitor deu um passo à frente, um sorriso forçado estampado no rosto.
- Adriana estava apenas... arrumando algumas pontas soltas antes de sua partida. Ela é uma funcionária fantástica, sempre tão diligente. - Ele deu um tapinha no meu ombro em um gesto falsamente paternal, os dedos cravando levemente. - Certo, Adriana? Apenas terminando uma papelada.
A dispensa casual, a negação completa da nossa história compartilhada, me atingiu como um soco no estômago. Funcionária. Sete anos, um filho, um casamento secreto, e eu era apenas uma funcionária, arrumando pontas soltas. Meu estômago se revirou, uma dor amarga se espalhando pelo meu peito.
- Papai! - A voz pequena de Léo perfurou o silêncio tenso. Ele se contorceu por trás das minhas pernas, os olhos fixos em Heitor. - Você veio!
Heitor congelou. Seus olhos, arregalados de choque, saltaram de Léo para mim, depois de volta para Léo. Karina, com o sorriso congelado, parecia totalmente perplexa.
Olhei para Léo, meu coração martelando no peito. Ele raramente chamava Heitor de "Papai" quando ele estava perto de outras pessoas. Era um segredo também, um acordo doloroso que fiz para proteger a imagem de Heitor. Mas hoje, em sua excitação, ele havia esquecido. O rosto inocente do meu filho transbordava esperança, mas seus lábios pequenos tremiam levemente, uma única lágrima começando a traçar um caminho por sua bochecha. Ele tinha visto as caixas, visto Karina, e entendido mais do que deixava transparecer.
- Mamãe - sussurrou Léo, a voz quase inaudível, puxando minha saia. - Podemos ir? Por favor? - Seus olhos esperançosos, momentos atrás brilhando para o pai, agora imploravam para mim.
Minha garganta apertou. Forcei um sorriso, uma caricatura grotesca de felicidade.
- Claro, meu amor. Vamos.
Abaixei-me, peguei-o no colo e comecei a caminhar em direção à porta aberta.
Ao passar por Heitor, a mão dele disparou, agarrando meu braço.
- Espere - disse ele, a voz rouca, o olhar fixo em Léo. - Do que ele acabou de me chamar?
Parei, virando a cabeça lentamente para encontrar o olhar dele. Um sorriso pequeno e sardônico tocou meus lábios.
- Papai, Heitor. Ele te chamou de Papai. - Puxei meu braço, mas o aperto dele aumentou. - Ou você esqueceu que tinha um filho? - Joguei as palavras nele, a raiva reprimida finalmente borbulhando para a superfície. Ele sempre proibiu explicitamente Léo de chamá-lo de "Papai" em público, ou mesmo quando Karina estava por perto. Ele dizia que era muito arriscado, muito revelador. Agora, estava agindo surpreso.
Lutei para me libertar, mas ele segurou firme, os olhos, de repente escuros e pesados, fixos no meu rosto.
- Adriana, preciso falar com ele. Eu... eu preciso explicar.
- Explicar o quê, Heitor? - zombei, gesticulando sutilmente com a cabeça em direção a Karina, que agora assistia à cena com curiosidade de olhos arregalados, uma leve pitada de triunfo na expressão. - Explicar que ele é um segredo? Ou que você está ocupado demais brincando de casinha com sua publicitária para ser pai?
O aperto dele afrouxou, os olhos ainda travados nos meus, cheios de uma mistura complexa de arrependimento e acusação.
- Apenas me dê uma chance, Adriana. Por favor. Eu vou falar com ele. Vou consertar as coisas.
- Você tem uma chance, Heitor - disse eu, minha voz fria e dura. - Ela está esperando por você. - Acenei em direção a Karina, que parecia confusa, mas ainda mantinha sua posição.
A mão dele caiu do meu braço. Não esperei. Virei-me, com um escárnio frio no rosto, e saí pela porta, Léo agarrado firmemente contra meu peito.