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Durante sete anos, fui a esposa secreta e a escritora fantasma do famoso autor Heitor Gusmão. Construí seu império literário com as minhas palavras, enquanto nosso casamento e nosso filho, Léo, eram mantidos escondidos para proteger sua imagem de "gênio solteiro".
Então, ele começou um caso público com sua nova publicitária, Karina. Quando finalmente pedi demissão, ele tentou expulsar a mim e ao nosso filho de casa para abrir espaço para ela.
A gota d'água veio no aniversário do Léo. Heitor apareceu com um bolo para "consertar as coisas".
Era um bolo de manga.
Ele tinha esquecido - ou nunca se importou em saber - que nosso filho tem uma alergia mortal a mangas. Ele quase matou o próprio filho por pura e egoísta negligência.
Naquele momento, eu soube que tinha acabado. Peguei nosso filho, desapareci e pedi o divórcio, cortando todo e qualquer contato.
Mas agora, meses depois, ele está parado do lado de fora da minha nova casa em Florianópolis, parecendo desesperado.
- Eu não concordo com esse divórcio - diz ele, com a voz rouca. - E nunca vou concordar.
Capítulo 1
Eu estava diante de Heitor Gusmão, o homem que havia roubado minha identidade e meu coração, e disse a ele que estava me demitindo. As palavras pareciam estranhas na minha língua, pesadas com sete anos de verdades não ditas. Ele recostou-se em sua cadeira de couro cara, um sorriso de escárnio brincando nos lábios, como se eu tivesse acabado de contar uma piada.
- Se demitindo? - ele repetiu, o tom carregado de diversão, não de preocupação. Seus olhos, geralmente afiados e calculistas, ficaram momentaneamente nublados pela surpresa. Ele ergueu uma sobrancelha, um gesto que antes me fascinava, mas agora apenas me irritava profundamente.
Assenti, mantendo o olhar firme.
- Sim. Decidi buscar outras oportunidades.
A mentira tinha um gosto amargo, mas era um roteiro que eu havia ensaiado mil vezes na minha cabeça. Uma saída segura e profissional.
Ele riu, um som grave em seu peito.
- Outras oportunidades? Adriana, o que poderia ser melhor do que ser meu braço direito? Nós somos uma equipe. - Ele gesticulou vagamente ao redor de seu escritório opulento, um reino construído sobre as minhas palavras, não as dele.
- Agradeço o sentimento, Heitor - disse eu, com a voz cuidadosamente modulada para esconder o tremor que sentia lá no fundo. - Mas é hora de seguir em frente. Aceitei uma posição em outro lugar.
Outra mentira, outro tijolo colocado no muro entre nós.
Ele me encarou por um longo momento, o sorriso desaparecendo.
- Isso não é por causa daquela editora, é? Aquela que vive tentando te roubar? Achei que já tínhamos resolvido isso. - Ele franziu a testa, claramente irritado por eu estar perturbando seu mundo perfeitamente ordenado.
- Não, não é - respondi, forçando um sorriso educado. - É uma decisão pessoal.
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo perfeitamente penteado.
- Adriana, você sabe que não posso simplesmente deixar você ir embora. Tenho o prazo do livro no mês que vem. E a sequência. Quem vai gerenciar tudo?
A voz dele estava tingida de irritação, não de tristeza. Ele estava preocupado com sua agenda, não com a minha partida.
- Preparei um documento de transição completo - disse eu, empurrando uma pasta grossa sobre sua mesa de mogno polido. - Tudo está delineado. Você vai ficar bem.
Meus dedos tremeram, querendo pegar a pasta de volta, querendo ficar, mas reprimi o impulso. Era isso.
Ele pegou a pasta, folheando-a distraidamente.
- Certo. Bem. Se você está realmente decidida... - Ele fez uma pausa, os olhos examinando algo na página. - É só que, sabe, as pessoas sempre assumem que você é mãe solteira. É um mundo difícil lá fora para as mulheres, especialmente com uma criança para criar.
Um golpe frio revirou meu estômago. Ele achava que estava sendo empático. Eu sabia a verdade. Ele estava me lembrando da minha vulnerabilidade, da vida secreta à qual me condenou. A verdade era que eu estava prestes a me tornar mãe solteira, em todos os sentidos da palavra. A ilusão de uma vida compartilhada, de um casamento oculto, estava desmoronando. E eu era quem estava segurando a marreta.
Afastei-me da mesa dele.
- Eu vou me virar.
Assim que me virei para sair do escritório, a porta se abriu e Karina Oliveira entrou, um furacão de cores vivas e perfume artificial. Seus olhos, arregalados e inocentes, pousaram em Heitor, depois oscilaram para mim com uma doçura ensaiada que nunca chegava a ser real.
- Heitor, querido! Acabei de finalizar os detalhes para o baile de gala na semana que vem. Vai ser fabuloso! - Ela praticamente ronronou, deslizando em direção à mesa dele.
Ela era a nova publicitária dele, um papel que um dia fora meu. E muito mais do que isso.
Ele sorriu para ela, um sorriso genuíno e caloroso que raramente, ou nunca, mostrava mais para mim.
- Isso é maravilhoso, Karina. Você sempre entrega resultados.
Meu estômago se contraiu. Ele era meu marido. O pai do meu filho, Léo. Por sete anos, fui a arquiteta invisível de sua fama, a escritora fantasma por trás de cada palavra best-seller, a sócia silenciosa em uma vida que ele se recusava a reconhecer. Nosso casamento era um segredo guardado a sete chaves, escondido nas sombras de sua imagem pública. Um segredo que protegia sua fachada de "gênio intelectual solteiro". Um segredo que protegia Karina de saber que estava dormindo com um homem casado.
Ele me prometeu, quando Léo nasceu, que um dia contaria ao mundo. Que um dia seríamos uma família. Mas esse dia nunca chegou. Em vez disso, o segredo cresceu, me sufocando, me apagando. E agora, Karina, sua nova publicitária, havia me substituído em todos os papéis, exceto um. Aquele que realmente importava.
Karina se inclinou sobre a mesa de Heitor, a mão descansando casualmente no ombro dele, sua risada tilintando no ar. Ele não se afastou. Ele nunca se afastava. Uma dor, aguda e familiar, me atravessou. Era uma pulsação surda, uma companheira constante no último ano.
Tentei engolir o nó na garganta. Eu não conseguia desviar o olhar. Os dedos dela, longos e perfeitamente manicurados, roçaram o colarinho da camisa dele. Um gesto pequeno e íntimo. Um gesto que gritava posse.
Meu peito parecia oco, como se alguém tivesse arrancado minhas entranhas. Um vazio frio onde minha esperança costumava residir. Não era apenas a traição; era a casualidade disso, o desrespeito flagrante pela minha presença ali mesmo.
- Heitor - ouvi a mim mesma dizer, minha voz surpreendentemente firme. - Posso ter uma palavra com você antes de sair?
Heitor se virou, sua expressão mudando para uma máscara de profissionalismo educado.
- Adriana, estou realmente muito ocupado agora. É urgente? Talvez você possa enviar um e-mail.
O tom dele era ríspido, empresarial. Era o tom que ele reservava para subordinados, para pessoas que queria manter à distância. Para mim.
As palavras dele me cortaram, mais afiadas do que qualquer lâmina. Ele estava estabelecendo limites, me lembrando do meu lugar. Meu lugar não era mais ao lado dele, mas nas notas de rodapé de sua vida, se é que isso. Ele estava deixando abundantemente claro que nossa vida pessoal, nossa história, não tinha lugar em seu mundo profissional, em seu mundo.
Cerrei a mandíbula, forçando-me a assentir.
- Claro, Sr. Gusmão. Minhas desculpas. Vou apenas recolher minhas coisas.
Usei seu título formal, espelhando sua frieza, enterrando a esposa, a mãe, a escritora fantasma bem fundo dentro de mim.
Ele deu um aceno curto, já se voltando para Karina, que agora se inclinava, sussurrando algo no ouvido dele. Ele riu, um som baixo e fácil.
Passei por eles, meu coração um peso de chumbo no peito. Ele não se importaria. Ele já estava seguindo em frente. Ele já estava seguindo em frente há muito tempo.
Meu celular vibrou no bolso. Léo. Uma mensagem de texto.
*O papai vem para o meu aniversário hoje?*
Parei estática na porta, minha mão congelando na maçaneta. Minha respiração ficou presa na garganta. Olhei para trás, meus olhos atraídos para Heitor e Karina. Ela agora acariciava abertamente o braço dele, a cabeça inclinada docemente. Ele sorria, completamente absorvido nela.
Meus dedos tremeram enquanto eu digitava uma mensagem rápida e desesperada para Heitor: *O Léo está perguntando sobre o aniversário dele. Você pode, por favor, vir para casa?*
Ele olhou para o celular enquanto vibrava, tirou-o do bolso, leu a mensagem e então, com um movimento desdenhoso do pulso, jogou-o sobre a mesa, com a tela para baixo. Ele não respondeu.
Uma risada amarga borbulhou na minha garganta, mas eu a sufoquei. O que eu esperava? Uma mudança repentina de coração? Uma percepção do que ele estava perdendo? Não. Ele nunca quis ser pai de qualquer maneira. Não de verdade. Ele via Léo como um inconveniente, um segredo que ameaçava sua fama cuidadosamente construída. Eu fui tola o suficiente para acreditar nele quando disse que tentaria.
Enfiei o celular de volta no bolso, endireitei os ombros e respirei fundo, trêmula. Mais uma vez. Uma última vez, pelo Léo. Então eu teria terminado.