- O quê?- A interjeição veio de Dyana. - Lysa, a vovó está doente! O clima no penhasco é severo, a solidão...
- Exatamente por estar doente - contra-atacou Lysandra sem olhar para a irmã. Seu olhar permaneceu fixo em Maurice. - Eu sou quem cuida dela. Conheço cada um dos seus remédios, cada um dos seus humores. Separar-nos agora seria cruel com ela e irresponsável comigo. Além do mais, será bom para o senhor Montclair mostrar à ilha que aceita não apenas uma esposa, mas também a ligação familiar que ela carrega. Demonstra a humanidade que declaram que ele não possui.
O argumento foi astuto. Atingiu o senso de status e reputação de Maurice. Ele coçou a barba, ponderando.
- E se ele recusar?- questionou Dyana, a máscara de preocupação rachando levemente ao redor dos olhos. - Ele valoriza a privacidade, tendo somente duas companhias naquele mausoléu... Pelo que escutei falar - ela complementou desviando o olhar.
- Então não há casamento - declarou resoluta, com uma tranquilidade final que não admitia discussão. - Essa é minha única condição.
- E ficará sozinha? - Dyana perguntou parecendo angustiada.
Lysandra presumiu que a única preocupação dela era que, na falta de outro pretendente, o pai mantivesse Hunter como companheiro da primogênita para garantir o futuro da casa Dubois.
- Aparecerá outro pretendente. Nem que eu tenha de sair da ilha para encontrar um - elaborou, se voltando para o pai determinada. - Não importa a resposta do senhor Montclair. Não quero atrapalhar o casamento de Dyana e Hunter.
Maurice olhou para a filha mais velha como se a estivesse vendo pela primeira vez. Havia uma força nova nela, uma resolução que nunca testemunhara. Isso, mais do que qualquer coisa, pareceu convencê-lo.
- Está bem - murmurou resignado. - Vou enviar a mensagem ao senhor Montclair. A escolha de Dyana por Hunter e a sua por Logan, junto com sua condição.
~*~
O cheiro e gosto do sangue era a primeira coisa que voltava. Metálico, quente, inundando sua boca e garganta. Depois, a dor. Um frio lancinante, profundo, crescendo no peito, enquanto a força se esvaía de seus membros. Por fim, os rostos: a satisfação cruel de Dyana, a frieza de Hunter ao cravar a espada em seu coração... e os olhos lilases de Lysandra, arregalados, mas sem surpresa.
Logan acordou com um sobressalto, um rugido engasgado rasgando sua garganta. Seu corpo se projetou para frente na cadeira de couro do escritório, garras retráteis rasgando os braços do móvel maciço como se fossem manteiga. A respiração vinha em arfadas longas e velozes, o coração martelando nas costelas como um tambor. O escritório, seu refúgio, pareceu estranho por um instante. A luz do fim de tarde entrava pela janela alta. Era a mesma luz do dia em que ele morrera, mas... Estava Vivo. O peito doía como se a lâmina ainda estivesse cravada, mas não havia ferida...
A porta do escritório abriu-se, fazendo-se se erguer de um salto, pronto para se defender dos inimigos que abrigou em sua casa. Mas logo se acalmou ao farejar o aroma salgado e fresco de mar característico de Kael, sua sombra mais leal.
- A cerimônia de escolha terminou e a noiva fez uma exigência... - anunciou Kael, parando de falar ao notar a agonia e inquietação de Logan, fechou a porta e parou a uma distância respeitosa, os olhos acinzentados varrendo o ambiente: a cadeira destruída, a respiração ofegante do chefe, o brilho vermelho ainda não totalmente dissipado nos olhos dele. - Teve uma crise?
- Aqueles malditos tentaram me matar! - urrou áspero. Seus caninos estavam prolongadas, pressionando o lábio inferior. Uma raiva fervente, bestial, ameaçava fazer sua pele se romper e a fera emergir ali mesmo, em pleno dia.
- De quem está falando? - Kael questionou acompanhando Logan andar de um lado para o outro como um predador enjaulado.
- Da Dyana, aquela mulher traiçoeira que aceitei como esposa, da irmã e cunhado dela que deixei entrar no meu lar em consideração ao luto deles.
- Com todo o respeito, senhor, você não está casado com ninguém - Kael falou com a paciência de quem explica o óbvio. - O contrato de casamento com Lysandra Dubois só será assinado na próxima semana. Caso concorde com os termos dela - salientou.
- Enlouqueceu? Casei com Dyana ano passado... - disse, a voz enfraquecendo ao notar a falta de um corte no pescoço de Kael. - O que aconteceu com a ferida?
- Ferida? - estranhou Kael, se segurando para não recuar quando Logan, sempre avesso a aproximações, agarrou seus ombros e vistoriou seu rosto.
- A que causaram em você no começo da semana, quando visitamos a fábrica - explicou, falando mais para si mesmo que para o amigo e segurança pessoal. - Por isso não estava no almoço que a maldita da minha esposa me convenceu a participar - falou, olhando enfurecido para a porta. - Onde eles estão? Dyana e aqueles malditos que tentaram me matar.
Kael segurou o chefe antes que saísse sem rumo pela mansão.
- Senhor, não me machuquei na semana passada e não estivemos na fábrica - comentou calmo temendo que a maldição estivesse corroendo a sanidade do patrão. - Tampouco está casado, ainda. Estou aqui justamente para informar que o mensageiro de Maurice Dubois acabou de sair. Lysandra Dubois o escolheu como companheiro. Mas exigi que aceite a avó dela morando com vocês.
O ar saiu dos pulmões de Logan como se ele tivesse levado um soco. Piscou, confuso, as memórias colidindo com a informação.
- O quê? Não. Isso... não está certo - contestou, abanando a cabeça para afastar a informação que colidia com o que lembrava. - Me casei com Dyana... Estamos juntos há um ano... Lysandra... Ajudou no meu assassinato.
Kael permaneceu imóvel. Uma leve ruga apareceu entre suas sobrancelhas.
- Até ontem, você nem sabia qual das irmãs seria designada como sua companheira. Foi um pesadelo. Provavelmente o estresse do último pedido de seu avô e da sua condição.
- Não foi um pesadelo, Kael! - a voz de Logan explodiu. - Foi real. Vivi um ano inteiro! Dyana era minha esposa no papel, mas partilhava a cama com Hunter. Lysandra... estava sempre por perto, com aquele seu cheiro... - Respirou fundo, em busca de foco. - Eles me envenenaram. Colocaram algo na minha comida ou bebida. E Hunter cravou a espada no meu coração! Eu senti a vida se esvaindo... Ela me olhou nos olhos enquanto eu morria... E, de repente, estava aqui!
Kael observou a fúria agonizada de seu líder. Nenhum homem conseguia inventar tantos detalhes, tanta dor visceral. Mas a lógica era inflexível.
- Logan, pense. Se isso tivesse acontecido, estaria morto. Eu estaria cuidando do seu funeral, não do seu casamento. É impossível.
- Sei que é impossível! - rugiu Logan, as garras cravando-se nas palmas das mãos, enchendo o ar com o cheiro de sangue. - Mas foi real. Tão real quanto você diante de mim agora.
- Talvez sejam fragmentos da maldição. Pressentimentos. Alucinações induzidas pelo estresse do retorno e da obrigação do casamento - Kael começou, cauteloso. - O vínculo com a lua e com o ciclo da vida e da morte é profundo na sua linhagem. Pode ser um eco de um futuro que poderia ter sido, se as escolhas fossem outras. A noiva seria Dyana, mas é Lysandra.
Logan fechou os olhos, a tensão escapando de seus ombros em um fluxo lento.
- Pode ser - admitiu, a voz baixando e as garras recuando. - Pode ser isso. Mas o sentimento... a certeza da traição... não se dissipa.
- E o que pretende fazer com essa 'certeza'? - Kael perguntou pragmático. - Lysandra Dubois o escolheu. Não Dyana. Mas apresentou uma condição: a avó doente, Lucylle Sage, deve vir morar na mansão com ela. Vai aceitar essa noiva e a exigência dela?
Logan voltou-se para a janela. Lá embaixo, as luzes da vila começavam a cintilar, inocentes. Lysandra. A loba em pele de cordeirinha que, em seu "sonho" ou "premonição", estava no epicentro da sua queda. O rosto dela foi o último que vira antes da escuridão... e agora ela estava vindo para ser esposa dele?
Um sorriso lento, sem nenhum calor, ergueu um canto da boca de Logan. O brilho vermelho, que quase se apagara, reacendeu no fundo de seus olhos, não mais de raiva, mas predatório. A Fera dentro dele rosnava, alerta e sedenta.