O deck dos fundos era um espaço estreito de madeira tratada, com uma mesa de ferro e duas cadeiras, encostado à pequena encosta que descia até as rochas e o mar. Era seu lugar favorito para pensar.
Quando deslizou a porta de vidro e saiu, o encontrou de costas para ela, as mãos nos bolsos do sobretudo, contemplando o vasto oceano salpicado pelo reflexo da lua minguante. O vento noturno brincava com as pontas de seu cabelo escuro. A silhueta dele, cortada contra o céu estrelado, era absurdamente magnética e ameaçadora.
Fechou a porta suavemente, mas ainda assim o ruído a dedurou e o fez se voltar.
Novamente, Lysandra sentiu o impacto. Não era apenas a estatura ou a beleza. Era a aura. O espaço ao redor dele parecia curvar-se à sua presença. Seus sentidos, que normalmente eram falhos, desde a primeira vida vibravam em alarme sempre que estavam no mesmo ambiente.
- O que o senhor deseja falar que não poderia ser dito ali dentro? - perguntou, mantendo-se junto à porta, criando uma barreira de alguns metros entre eles.
- Mandei que me chame de Logan - ele a recordou antes de responder: - Odeio plateia quando tenho algo importante a definir.
- Se teme perder sua privacidade por causa da minha avó...
- Não ligo que leve sua parente - ele a cortou, acrescentando com pouco caso: - O penhasco não é o melhor lugar para uma senhora de saúde delicada, mas se cuidará dela, não me oponho. - O anúncio encheu Lysandra de alívio. Sensação substituída por confusão quando ele questionou: - Porque me escolheu?
- O senhor é um partido excelente...
- Tão "excelente" que nem consegue me chamar pelo nome - ele zombou andando até ela.
- É falta de costume - explicou, forjando uma serenidade que não sentia.
- Não acredito - ele retrucou, acabando com a distância entre eles.
- Você, segundo boatos, é apaixonada por Hunter Renaud, o outro pretendente, desde que saiu do berço. E, tendo a chance de escolhê-lo, de repente, me elegeu? - Um sorriso sem humor tocou seus lábios. - Desculpe, pequena ômega, mas não compro narrativas de conto de fadas. Então repito: por quê?
Lysandra cruzou os braços, esfregando as mãos neles. A noite estava fresca, mas o frio que sentia vinha de dentro.
- Talvez eu tenha amadurecido - retrucou, erguendo o queixo, notando que ele continuava descrente. -
- Você é poderoso. Precisa de uma esposa. E eu... preciso de proteção.
- Proteção de que? - Os olhos dele estreitaram.
- Do mundo - ela respondeu evasiva. - Da minha própria natureza. Como ômega recessiva, sou considerada inferior - elaborou esperando que isso enchesse a vaidade dele e o fizesse aceitá-la, junto da avó, na mansão.
- Quer mesmo que acredite nessa justificativa? - Soltou um riso breve e desprovido de humor. - Hunter Renaud é capitão do exército da ilha. É mais indicado na proteção que eu.
Lysandra inspirou fundo. A sinceridade, decidiu, era a melhor arma.
- Dyana fez a escolha antes - contou, esperando que fosse suficiente para acabar com os questionamentos. - E vi nisso uma oportunidade. O senhor é poderoso, inteligente, tem maioria na empresa que é o sustento da ilha. Talvez a felicidade não seja sobre paixão adolescente, mas sobre parceria e respeito. - Ela fitou-o diretamente. - É um bom começo, não acha?
Ele a observou em silêncio por longos segundos. Seus olhos escuros eram como scanners, vasculhando cada microexpressão. Lysandra sentiu-se nua, desprotegida. Ele não acredita, pensou. Mas também não estava recusando-a.
Logan lembrou-se das palavras de Kael, sobre o premonição dele não se concretizar, pois, a noiva era outra. A lógica era sólida. Se suas memórias eram de um casamento com Dyana e uma traição com a gêmea ao fundo, então o fato de Lysandra ser a noiva mudava tudo. Desfazia a "premonição".
- Parceria - ele repetiu a palavra, como se a experimentasse. Foi então que se moveu. Menos de meio metro separava-os agora e Lysandra conteve a vontade de recuar. - Respeito. Acha que uma criaturinha frágil aguentaria ser minha esposa?
O instinto de autopreservação e o orgulho ferido colidiram dentro dela ao encontrar semelhanças no que ele falava e Hunter disse ao matá-la. A raiva, genuína e quente, superou o medo.
- Não sou frágil - revidou, carregada de uma ferocidade que ela mesma não sabia ter. - Sou mais forte do que pareço. E posso provar.
Um brilho estranho acendeu nas profundezas dos olhos de Logan. Não era mais apenas análise. Era... Predatório.
- Pode? - o sussurro dele foi áspero, íntimo. Ele inclinou-se ligeiramente, e o cheiro dele inundou seus sentidos. Esmagador, primitivo. - E como exatamente uma ômega pretende provar sua força para um alfa como eu?
- Não subestime o que não conhece - sussurrou de volta, desafiante.
Foi quando ela viu a mudança. As pupilas dele dilataram e, por uma fração de segundo, pareceram cintilar num tom avermelhado. Ele inspirou fundo, como se estivesse tentando capturar seu cheiro no ar salgado.
Lysandra sentiu as faces corarem. Inclinou-se para frente, um movimento imperceptível, uma resposta biológica ao alfa dominante a centímetros de distância. Ele era magnético. E ela odiava o quanto a afetava.
O espaço entre eles era uma corrente elétrica. Lysandra sentia o calor emanando dele, uma força vital bruta que fazia o corpo dela vibrar.
Logan sentiu a Fera dentro se remexer, querendo agarrá-la, desembrulhar aquelas roupas e provar quem subestimava quem ali. E ele próprio queria descobrir se aquela boca atrevida era tão macia quanto parecia.
Mas então, como se um interruptor tivesse sido desligado, Logan recuou. Foi um movimento brusco, quase violento. Virou o rosto para o mar, os músculos da mandíbula tensionados. Quando falou novamente, sua voz estava fria, impessoal, o oposto do calor animal que emanara segundos antes.
- Sua mudança e a de sua avó. O prazo é uma semana. Quinta-feira que vem, ao meio-dia, um carro virá buscá-las. - O alívio que inundou Lysandra foi tão intenso que suas pernas quase falharam. Ele aceitara. Aceitara tudo. - Casaremos no mesmo dia.
A informação não a surpreendeu. Era o mesmo prazo que Dyana tivera na primeira vida.
- Entendido - disse, a voz um pouco trêmula, ainda sob o efeito do quase... Nem sabia ao certo como descrever.
Ele não olhou para ela novamente. Apenas assentiu, um gesto curto e seco. E, sem nenhuma palavra, sem um olhar, sem uma despedida, atravessou o deck com passadas largas, abriu a porta de correr e desapareceu dentro de casa. Segundos depois, Lysandra ouviu a porta da frente se fechar, e o ronco abafado de um motor potente se afastando na noite.
Sentindo as pernas fracas, sentou-se em uma cadeira próxima e inspirou e expirou devagar repetidas vezes. O cheiro dele ainda estava no ar, podia sentir acariciando sua pele, desnudando sua alma.
Balançou a cabeça, afastando essas sensações incomuns, necessitando de foco. Precisava que ele caísse aos seus pés, não o contrário.
Tinha uma semana. Uma semana para se preparar para se mudar para o covil do lobo, seu futuro marido.
- Irmã, podemos conversar?