Dyana fechou a porta e se aproximou. Vestia um macacão jeans e camiseta, o cabelo solto, emoldurando seu rosto de feições delicadas. Mesmo na penumbra, sua beleza era estonteante, algo que Lysandra, secretamente invejara. Apesar de gêmeas, eram distintas na aparência. Enquanto Lysandra parecia com a mãe, tendo olhos lilases, sendo baixa, curvilínea e de longo cabelo ondulado escuro; Dyana tinha características do pai, olhos dourados, alta, magra, de cabelo liso e em um tom mais claro. Agora Lysandra sabia que eram distintas também por dentro, pois, jamais sequer cogitou trair e matar sua irmã.
Dyana aproximou-se e pousou as mãos no espaldar da cadeira em frente a sua gêmea.
- Logan passou tão rápido pela sala. Só disse que o casamento seria em uma semana e foi embora com aquele guarda-costas assustador - comentou, questionando com ar de preocupado: - Está bem com isso, Lysa? Tudo aconteceu tão rápido...
- Estou bem - disse Lysandra se mantendo neutra e não querendo prolongar a conversa. Até respirar o mesmo ar que a irmã a sufocava.
- Que bom que você está sendo tão compreensiva - murmurou Dyana, mas em vez de ir embora, puxou a outra cadeira de ferro e sentou-se. - É só que... fico pensando em você lá em cima, naquela mansão fria, com aquele homem. Dizem tantas coisas...
- Dizem muitas coisas sobre todos dessa ilha - retrucou suavemente, controlando a vontade de levantar e ir embora.
Não queria se estender naquela conversa e não entendia por que Dyana estava ali, a não ser para bisbilhotar. A possibilidade de Dyana também ter retornado era uma faca de dois gumes. Se fosse verdade, era uma inimiga consciente. Se não, era uma traidora em potencial, uma ameaça adormecida. Lysandra não podia arriscar que a irmã desconfiasse que ela tivesse memórias de outra vida, que sabia a cobra que se escondia atrás do rosto angelical.
Foi então que Dyana se inclinou para frente e agarrou as mãos da irmã nas suas. Lysandra teve que conter o impulso violento de puxar as mãos para trás. O toque era um gatilho. Trouxe à tona, com força brutal, a memória daquelas mesmas mãos segurando o punhal contra seu estômago. A bile subiu em sua garganta, acre e quente e teve de inspirar fundo para não vomitar.
- Lysa, querida - Dyana apertou suas mãos, os olhos marejando. - Há algo que preciso pedir. Algo que só você pode fazer por mim.
Aqui vem, pensou Lysandra, endurecendo por dentro.
- O que seria? - questionou mantendo a voz gentil.
- É sobre a nossa herança... Digo a sua como primogênita da casa Dubois. - Dyana baixou o olhar, como se tivesse envergonhada e constrangida. - Sabe como isso sempre me pesou. Por ter nascido apenas cinco minutos depois não ter direito a herança da família...
Estudou o rosto da irmã. Os olhos dourados, amplos e límpidos. O lábio inferior levemente trêmulo. Era a expressão que sempre desarmava seu pai e a deixava com pena. Na primeira vida, aquela expressão abria portas, conquistava perdões, manipulava corações. Agora, ela sentia apenas um incômodo frio na base da espinha, como se visse uma serpente se enrolando em seu corpo.
Permaneceu em controlado silêncio, enquanto a irmã elaborava sua tentativa de cativar seu afeto e pena.
- Você vai se casar com Logan Montclair, um homem riquíssimo, dono de mais da metade da fábrica e, indiretamente, de tudo isso. - Ela fez um gesto vago, abrangendo a ilha. - Você, minha irmã, vai ter vida de rainha. Enquanto eu... - a voz embargou, como se o choro se acumulasse na garganta. - Hunter é um capitão admirável, mas é assalariado. Minha vida será confortável, mas nunca igual ao que estou acostumada...
Lysandra segurou-se para não zombar, ao imaginar que Dyana se referia as comodidades da primeira vida na mansão Montclair, pois no lar Dubois não havia nada que Hunter não pudesse garantir.
- Lysa, poderia abrir mão da primogenitura, da sua parte majoritária na herança - Dyana especificou. - Se você pedir ao pai, ele acatará. Ele faria qualquer coisa por você. Assim, ficaríamos iguais. Seria justo, não acha? Já que você terá tanto, e eu... tão pouco - finalizou em um lamento.
O discurso emocionado era perfeito, mas o efeito foi o contrário do planejado pro Dyana. Em vez de se comover, como ocorria no passado, Lysandra sentiu uma onda fria se espalhar por suas veias.
Na primeira vida, Dyana tinha feito algo parecido. Não sobre Lysandra abrir mão da herança – afinal, na ocasião, era a esposa de um milionário -, mas a tinha convencido a dar uma pequena parte de suas ações, para que Dyana não se sentisse excluída da família Dubois. O resultado? Dyana desperdiçara a oportunidade, mostrando desinteresse total pelo negócio que sustentava a ilha e a família. Nunca apareceu para trabalhar, faltava às reuniões do conselho, e quando questionada, culpava Logan. "Ele me proíbe de ir, Lysa. Me mantém trancada no penhasco" eram suas justificativas preferidas. Na época, fazia sentido. Até o próprio Logan só tinha ido à fábrica somente duas vezes em um ano inteiro.
Enxergava agora que Dyana nunca quisera a responsabilidade. Queria o poder, o status, o dinheiro, sem a parte do trabalho.
A decisão de Lysandra estava tomada: Não abriria mão de sua herança, nem mesmo de uma mísera ação que tinha direito por causa dos cinco minutos que Dyana tanto destacava.
Mas dizer isso agora? Era muito arriscado. Se Dyana também tivesse voltado, saberia que jamais abriria mão da herança em favor dela. A menos que estivesse testando o terreno, tentando ver se a irmã ingênua ainda existia. Precisava de tempo. Tempo para observar, para ter certeza se aquela era a Dyana ambiciosa e traiçoeira da primeira vida, ou apenas a irmã mimada e insegura de sempre. Uma palavra errada poderia soar o alarme e apressar qualquer plano da irmã para se livrar dela de novo.
Fez o que tinha de fazer.
- É... muita coisa para pensar de uma vez, Dy. A escolha... O casamento e a mudança... Você me pegou de surpresa... - disse, baixando o olhar para as mãos entrelaçadas, como se ponderasse o pedido com o coração benevolente.
- Oh, eu sei, Lysa! Não precisa decidir agora. - Apertou as mãos de Lysandra com mais força. - Pense. Pense no que seria mais justo para nós duas. Com Logan, você terá tudo.
Lysandra forçou um sorriso pequeno e cansado.
- Vou pensar. Prometo.
Foi o suficiente. O brilho de triunfo reluziu nos olhos de Dyana. Ela interpretou a hesitação como fraqueza, como a velha Lysandra bondosa e maleável se ajustando aos seus caprichos.
- Obrigada, Lysa! - disse ao envolver Lysandra em um abraço apertado. - Não imagina o que esse gesto de bondade significa para mim!
O corpo da irmã contra o seu, fez Lysandra enrijecer por um segundo. No automático levantou os braços e deu tapinhas mecânicos nas costas de Dyana.
Não satisfeita, Dyana beijou suas duas faces com alegria.
- Você é a melhor irmã do mundo! Bom, vou te deixar com seus pensamentos. Boa noite, minha irmã adorada!
E, com um último beijo radiante na testa de Lysandra, Dyana desapareceu dentro de casa, deixando a porta de vidro semiaberta.
Lysandra ficou parada, as mãos formigando do toque. Respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar salgado do mar, tentando expulsar o cheiro da irmã e a memória da traição que a atravessava em punhaladas.
Os movimentos de Dyana estavam claros: Primeiro obteve Hunter; agora ambicionava a herança dos Dubois. Pararia se tivesse esses dois ou buscaria a herança Montclair e a morte daqueles que estavam em seu caminho – Logan e Lysandra - como na primeira vida?
Não sabia e nem tinha garantias que abrir mão da herança acalmaria a ambição de Dyana. Portanto, estava fora de cogitação. Abriu mão de Hunter porque não suportaria sequer um toque dele. Mas o restante permaneceria sendo seu, incluindo a vida de luxo que Dyana deixou ao fazer sua escolha de companheiro.
E se Dyana tentasse feri-la novamente? Bem, para isso seu plano de seduzir o coração de Logan, e controlar a fera abrigada nele, tinha de ser bem sucedido, definiu erguendo-se pronta para a batalha.