Olhou para Lucylle, calma e feliz, e decidiu que era o momento perfeito para contar sobre as novidades. Tirou as luvas antes de se ajoelhar ao lado da cadeira de rodas, segurando as mãos finas e nodosas da avó.
- Vovó, preciso te contar uma coisa - iniciou com doçura. - O senhor Logan Montclair veio ontem. Ele foi o meu escolhido como companheiro e nos casaremos em uma semana.
Os olhos lilases de Lucylle, quase idênticos aos da neta, se arregalaram.
- Você e o jovem Montclair...?!
- Sim. Sei que achavam que escolheria a outra opção... - Lysandra deu de ombros. Ninguém entenderia como acabou com Logan, mas estava satisfeita, por saber a tragédia que foi a primeira escolha. Gentilmente, estreitou as mãos da avó. - Pedi e ele aceitou que você more conosco. Cuidarei de você e estará segura, bem ao meu lado.
A palavra "segura" carregava um peso que apenas Lysandra entendia completamente. Era uma promessa contra o destino, contra a memória da avó morta na floresta, vitimada pela fera que residia em Logan.
Lucylle observou a neta por um longo momento. A sabedoria de seus setenta e cinco anos lia além das palavras, nas entrelinhas da determinação que endurecia os traços doces de Lysandra. Em vez de medo, um sorriso lento e cheio de confiança se abriu em seu rosto.
- Bom, se é você quem diz, eu confio. Sempre confiei no seu instinto, minha menina. - Piscou, maliciosa. - E um Montclair, hein? Espero que ele tenha herdado mais do que o nome e o dinheiro do avô, que tinha uma virilidade impressionante.
- Vovó! - Lysandra corou instantaneamente, o bom humor do comentário quebrando a tensão. Era típico de Lucylle, e naquele momento, foi um alívio.
A velha senhora riu, uma risada gostosa que ecoou na estufa.
- O que foi? Uma mulher pode apreciar a memória, não? - Seu olhar então tornou-se pensativo, percorrendo as prateleiras abarrotadas de vasos, as trepadeiras, as ervas medicinais raras. - Mas e as minhas plantas? Não posso deixar tudo para trás. São minhas companheiras e ouvintes.
O coração de Lysandra apertou. Era o ponto fraco. A estufa era o mundo de Lucylle, sua terapia, sua razão para levantar todas as manhãs.
- Não vai deixar - garantiu Lysandra com convicção. - Vou dar um jeito. Prometo.
Ela se levantou e começou a ajudar a avó, regando as plantas mais delicadas, podando um galho seco aqui e ali. O trabalho manual, o cheiro da terra molhada, o calor do sol através do vidro, tudo acalmou a tempestade dentro dela. Enquanto suas mãos trabalhavam, a mente traçava o próximo passo para cumprir a promessa feita para Lucylle.
~*~
No pátio de pedra atrás da mansão Montclair, com a floresta de um lado e o mar do outro, o ar da tarde carregava o som de impacto seco de corpos e o ritmo da luta entre os homens no local. Logan e Kael moviam-se em um fluxo contínuo de esquivas, chutes e giros. Era um diálogo físico, uma forma de Logan liberar a energia bestial que fervilha sob sua pele, e de Kael mantê-lo alerta, focado. O suor escorria pelos torsos musculosos, brilhando sob o sol.
Foi quando Seraphine surgiu na porta de que levava aos fundos da casa. Vestia seu uniforme impecável, o cabelo loiro-platinado preso em um coque baixo. Na mão carregava o telefone sem fio da residência.
- Senhor Montclair - chamou. - Uma ligação para o senhor. É a Senhorita Dubois.
Logan congelou no meio de um movimento, o pé suspenso no ar. Seus olhos escuros, antes concentrados no jogo, fixaram-se no aparelho. Uma tensão diferente, não relacionada ao exercício, percorreu seus músculos. Ele fez um gesto curto para Kael, que recuou imediatamente.
Logan pegou o telefone das mãos de Seraphine com um movimento brusco.
- Lysandra - atendeu, a voz ofegante e áspera.
- Senhor Montclair, espero não estar interrompendo.
- Está. Mas continue.
Kael e Seraphine trocaram um olhar rápido.
- É sobre minha avó. Lucylle. - Lysandra pareceu tomar fôlego. - Ela tem uma condição de saúde delicada, como você sabe. E ela vive pela sua estufa que meu pai montou aqui em casa. Pelas plantas que cultiva. É o que a mantém ancorada, feliz. Não posso simplesmente arrancá-la daqui e trazê-la para um lugar estranho sem que ela tenha um pedaço de seu mundo.
Logan ficou em silêncio, ouvindo. Seu olhar se perdeu na linha do horizonte, onde o mar encontrava o céu. A avó dela estivera em sua premonição...
- O que você quer, afinal? - perguntou, a voz mais contida.
- Precisamos de uma estufa. Um espaço adequado, com luz controlada, irrigação, prateleiras e todo o aparato da que temos aqui - explicou, acrescentando persuasiva: - Seria um gesto de boa vontade comigo, sua noiva, que agradecerei eternamente.
Logan sentiu um impulso estranho. Na sua premonição, aquela mulher havia sido cúmplice de seu assassinato. E agora, ela ligava para pedir uma estufa para a avó? Uma parte dele rosnou em desconfiança, amargurada pela armadilha que ela montou na premonição. A outra, que esteve com ela no deck ha poucas horas, que se impressionou com sua coragem em desafia-lo, se afastou dos empregados, para se isolar com aquela pequena e intrigante ômega.
- Onde imagina que construirei essa casinha de mato?
Ela não se deixou abalar pelo tom irritadiço.
- A mansão é enorme. Deve haver uma varanda ensolarada, um anexo subutilizado. Você é um homem de recursos, senhor Montclair. Se quiser, se tiver vontade, conseguirá dar um jeito.
A audácia dela deveria irritá-lo. Em vez disso, um calor estranho se espalhou em seu peito. Ela estava desafiando-o, testando seus limites, seu poder. Mas pedia algo para outra pessoa. Não para ela.
- Cuidarei disso - decidiu, a voz fria e plana, selando qualquer emoção até exigir entredentes - E me chame de Logan.
O suspiro de alívio foi audível do outro lado da linha.
- Obrigada! Até quinta-feira, Logan!
A ligação caiu. Logan ficou parado, o telefone pressionado contra o ouvido por um segundo a mais. Então, baixou o braço e virou-se para Kael e Seraphine, que aguardavam em silêncio.
- Por causa da saúde, a senhora Lucylle Sage precisa de uma estufa - anunciou, deixando claro que fazia um favor para a idosa. - Quero o espaço mais ensolarado e protegido desta propriedade identificado em uma hora. Contratem os melhores especialistas em estufas. Voem eles para cá no máximo ate amanhã para que elaborem o projeto que se adapte as necessidades dela.
Kael acenou com a cabeça, sem pestanejar.
- Entendido.
Seraphine abriu a boca, claramente surpresa.
- Uma estufa na mansão?
- Você ouviu - Logan cortou, o olhar fazendo-a recuar um passo. - Tratem disso imediatamente.
Sem esperar por mais reações, devolveu o parelho para Seraphine e virou-se para entrar em casa. O suor secava em sua pele, mas a inquietação permanecia. Ele não havia construído aquela mansão para abrigar estufas e avós doentes. Construíra para se isolar, proteger a ilha mundo e a si mesmo de sua maldição.
Agora, uma ômega de cheiro doce e olhos determinados estava reescrevendo as regras cuidadosamente cultivadas ao longo dos anos. E o pior: o lobo, em vez de rosnar de alerta, estava atraído pelo perigo que convidara para dentro de seu covil.