A primeira anotação era um lembrete, não uma celebração, e tinha duas finalidades. Na primeira vida, foi durante as celebrações do casamento, transmitidas ao vivo para a ilha toda, que a avó Lucylle desapareceu. Seu corpo foi encontrado três dias depois nas margens da floresta, despedaçado. A alegria coletiva, a música alta e os celulares filmando os noivos e focados na festa, haviam sido o disfarce perfeito. Agora, as festividades seriam de Dyana. Mesmo com a troca de noivas, a oportunidade para a fera atacar continuava. Também a usava para iniciar seu plano de vingança, embora tivesse um grande problema em sua intenção.
Mordeu o lábio inferior, a caneta pairando sobre a página. A vingança era um bicho vivo e faminto dentro do peito, mas seus contornos eram nebulosos. Hunter e Dyana, casados, teriam o que queriam. A motivação para assassiná-la existiria? Talvez não. A lógica sussurrava que ela poderia ficar quieta, cuidar da avó, viver sua vida de pesquisadora na Essência Ísiflora. Mas a memória do frio do aço no ventre, primeiro desferido por Dyana e depois por Hunter, era mais forte. E eles tinham comemorado ficar com as fortunas dos Dubois e dos Montclair, algo que agora seria impossível.
- E se eles tentarem de novo por causa da herança? - sussurrou olhando fixamente para a data circulada.
A resposta era simples: ela não estaria despreparada. Mas a verdadeira proteção não estava em anotações. Estava no penhasco.
Logan Montclair. Escreveu o nome em letras de forma, e então, abaixo: 30 dias.
Precisava fazê-lo se apaixonar por ela. Ou, no mínimo, desenvolver um apego, uma proteção instintiva que se estendesse à avó, dentro do mês que antecedia o casamento de Dyana. Era tempo suficiente?
Na primeira vida, o casamento dele com Dyana aconteceu uma semana depois da cerimônia de escolha dos companheiros. No entanto, pelo que sua irmã dissera, Logan mal olhara ou tocara nela, mantendo-a a distância com indiferença.
Como conquistar um homem que era mais fera que humano, que vivia trancado em sua fortaleza com apenas dois servos? Uma governanta que, segundo os rumores da ilha – e confirmado por Dyana na primeira vida -, era também sua amante, e um chefe de segurança gigantesco e silencioso. Logan era um ser de hábitos fixos, e a solidão era um deles.
A incerteza era uma corda a apertar-lhe a garganta. Ele aceitaria a condição? Aceitaria levar uma velha doente para dentro de seu santuário impenetrável? Tudo dependia disso. Se recusasse a avó... Lysandra não permitiria que Lucylle ficasse vulnerável. Partiria da ilha e levaria a avó com sigo, definiu, escrevendo no papel a palavra "Partir com a vovó" e sublinhando várias vezes.
Mas se aceitasse... Teria o mesmo destino de Dyana, confinada bem longe dele? E queria ficar perto dele? Que escolha tinha? Sem conquistar Logan, seria impossível evitar as mortes que ele causou por meses na primeira vida.
Suspirou fundo e escreveu "como conseguir o coração da fera?".
Um tremor a atingiu diante do pensamento de que o lobo que pretendia domesticar poderia muito bem decidir devorar a domadora primeiro.
Uma batida firme na porta do quarto a fez saltar com o coração disparado.
- Senhorita Lysandra? - Ouviu a empregada da casa chamando-a. - Chegou visita do seu companheiro para a senhorita. Seu pai te aguarda na sala.
A visita era um fato incomum, mas não surpreendente. Na primeira vida, a resposta de Logan ocorreu no mesmo dia da cerimônia de escolha, embora tenha sido mais cedo e por uma ligação do funcionário dele indicando a data para o casamento. Como impôs sua avó ao trato, presumiu que levou mais tempo para se decidir e optou pela presença física de um empregado para mandar sua resposta - provavelmente o grandalhão - para pressioná-la a mudar os termos. Algo que não aconteceria.
Fechou a agenda e a empurrou para dentro de uma gaveta com chave. Deu um olhar rápido no espelho: o cabelo estava um pouco desalinhado, pelo hábito de passar as mãos neles quando concentrada, a camiseta oversized e a leggings não eram trajes informais, mas nada que horrorizasse o mensageiro que o senhor Montclair e o fizesse criar uma péssima imagem da futura esposa do chefe.
Ao descer as escadas de madeira clara, a primeira coisa que a atingiu foi o cheiro. Não o familiar do difusor de aroma de bergamota, mas algo selvagem e denso que dominava o ar e fez os pelos de seus braços se eriçarem, mesmo com sua percepção de feromônios sendo fraca. Sensações que só ocorriam na presença de uma pessoa...
E então, ela o viu.
Logan Montclair dominava a sala de estar minimalista dos Dubois. Não apenas com sua altura, que beirava os dois metros, mas com uma presença que sugava a atenção para seu olhar hipnotizante. Ele estava de pé, de costas para a lareira elétrica desligada, vestindo um sobretudo preto sobre um blazer e jeans escuros que pareciam feitos sob medida. Seu cabelo ébano caía em ondas desalinhadas sobre os ombros. Mas eram os olhos que sempre a fascinava. Cor de carvão, mas com um brilho subjacente, uma brasa ardente, que fixou-se nela desde que alcançou o primeiro piso.
Seu pai, Maurice, parecia pequeno e frágil ao lado dele, os dedos entrelaçados num gesto nervoso. Dyana estava sentada no sofá, muito ereta, um sorriso plástico e afiado estampado no rosto, mas seus olhos dourados faiscavam entre Lysandra e o visitante. Se estivesse certa sobre Dyana ter renascido, a irmã estava tão confusa quanto ela com a presença dele ali. Logan nunca pisou no lar dos Dubois na primeira vida.
Como esperado, flanqueando a porta, estava o guarda-costas de Logan, tão alto quanto ele, mas construído como um tanque de músculos, os olhos cinzentos fazendo a varredura da sala, parando nela por uma fração de segundo antes de seguir para as janelas e saídas.
- Lysandra - a voz do pai a puxou de volta. - O Senhor Montclair...
- Logan - ele pediu com um sorriso de canto que não chegava aos olhos ainda presos nos de Lysandra. - Podem me chamar apenas de Logan.
- Ah, sim... Claro... Logan... veio pessoalmente trazer sua resposta.
Lysandra engoliu seco, sentindo um nó de apreensão apertando o estômago, aproximou-se para cumprimenta-lo, mas Dyana tomou a frente.
- Logan, é uma honra inesperada recebê-lo.
Ignorando a presença de Dyana bem a sua frente, Logan não moveu um músculo e nem a atenção de seu alvo. Seu olhar era um peso físico, percorrendo cada detalhe de Lysandra, do cabelo desalinhado aos pés descalços que ela notou tarde demais.
- Inesperada? - a voz dele era baixa, rouca, com um risco de divertimento zombeteiro. - Uma proposta com cláusulas pessoais exige uma resposta pessoal, não acha, Lysandra?
Sem conseguir articular uma só palavra, ela assentiu com a cabeça.
O sorriso dele cresceu, mostrando a ponta de um canino.
Logan finalmente desviou o olhar de Lysandra para encarar Maurice.
- Se o senhor me permite - disse a Maurice, retornando o olhar para Lysandra. E pela primeira vez, ele se moveu, se aproximando de Lysandra até sobrar poucos centímetros. - Gostaria de conversar com minha noiva. Em privado.