Uma risada amarga e histérica borbulhou da minha garganta. Era o som de um coração se partindo, ecoando na rua silenciosa. As lágrimas queimavam, mas eu não as deixaria cair. Não aqui. Não na frente deles. Meu orgulho, a última coisa que me restava, exigia isso.
Endireitei a coluna, forçando um sorriso que parecia vidro quebrado cortando meus lábios. "Ah, querido, é isso que você acha que isso foi?", minha voz era leve, desdenhosa, uma paródia cruel do meu eu charmoso habitual. "Amor? Entre nós?" Zombei. "Por favor. Eu sou Alana Cordeiro. Eu não 'amo' facilmente. Você era apenas um rosto bonito, um desafio. Um jogo."
Os olhos escuros de Heitor se estreitaram, um brilho de algo indecifrável em suas profundezas. "Um jogo?", sua voz era baixa, perigosa. "Então me diga, Senhorita Cordeiro. Por que você me perguntou naquele dia? Três anos atrás. Sobre o relógio da minha mãe? Por que você fez parecer que era mais?"
A pergunta me pegou de surpresa. A memória brilhou - um momento fugaz de ternura que havia desencadeado toda essa perseguição agonizante. Minha compostura cuidadosamente construída vacilou. "Do que você está falando?", exigi, minha voz mais afiada do que eu pretendia. "Que relógio?"
Ele se aproximou, seu olhar intenso, me prendendo. "O relógio. Aquele que eu usava quando costurei sua mão pela primeira vez. Aquele sobre o qual você comentou. Você perguntou se tinha valor sentimental. Você notou a inscrição."
Minha mente correu, procurando uma explicação, uma resposta que não revelasse a verdade crua e vulnerável. "Ah, aquela coisa velha?", forcei outra risada. "Eu só... achei que parecia vintage. Eu coleciono peças únicas, sabe. Nada mais. Você está se elogiando, Doutor."
Ele balançou a cabeça lentamente, uma certeza sombria em seus olhos. "Não. Você olhou para ele de forma diferente. Você falou comigo de forma diferente naquele dia. Por quê, Alana?"
Minha respiração falhou. A verdade estava crua, exposta. Naquele dia, ele usava um relógio gasto e antiquado. Enquanto cuidava do meu ferimento, ele murmurou sobre seu significado, um presente de sua mãe moribunda. Um raro e desprotegido momento de vulnerabilidade. Eu, uma mestra da observação, tinha visto e sentido uma estranha atração. Eu tinha visto o homem por trás da máscara. Ele parecia tão humano então, tão dolorosamente triste. Aquele foi o momento em que meu coração realmente tropeçou.
Mas eu não lhe daria essa satisfação. Não agora. Nunca.
"Olha, Dr. Magalhães", eu disse, minha voz endurecendo, "eu flerto com todo mundo. É a minha 'marca', querido. Você só... não é muito bom em receber um elogio, aparentemente." Fiz menção de me virar.
"Mais uma pergunta, Alana", disse ele, sua voz cortando o ar, me parando no lugar. "Aquele colar que você vivia usando. O simples de prata. Aquele que eu te dei depois que você quebrou a mão naquela manobra estúpida. Você o usava constantemente. Por quê?"
Meu sangue congelou. O simples colar de prata. Ele me dera, um pequeno e impessoal presente da loja de presentes do hospital, depois que eu quebrei a mão durante uma manobra particularmente perigosa. "Para dar sorte", ele dissera, sua voz plana. "Pode prevenir mais ferimentos desnecessários." Eu o havia estimado. Usado todos os dias, acreditando que era um sinal, uma pequena ponte entre nós. Era um pedaço tangível dele que eu podia segurar.
"Aquilo?", zombei, forçando um encolher de ombros casual. "Ah, aquilo era apenas um adereço. A Kaila que escolheu para mim. Ela disse que era 'simples o suficiente para o meu gosto'." Kaila. Era sempre Kaila. Senti uma nova onda de náusea.
O rosto de Heitor escureceu ainda mais. As palavras pareciam lixa, raspando contra minha alma em carne viva. Ele se virou, seu olhar varrendo Kaila, que agora observava com olhos grandes e inocentes, um sorriso fraco e satisfeito brincando em seus lábios. Ele então olhou de volta para mim, seus olhos desprovidos de qualquer emoção. Ele se virou e caminhou para o carro, sua forma rígida, uma demissão silenciosa. Ele nem sequer olhou para Kaila, que o observava ir com um sorriso presunçoso e possessivo.
Fiquei ali, paralisada, sentindo os últimos vestígios de calor se esvaírem do meu corpo. Meus membros pareciam pesados, frios, como se o sangue em minhas veias tivesse se transformado em gelo. Aquele simples colar de prata, meu símbolo de esperança, um pedaço dele que eu havia estimado, era apenas um item de segunda mão da Kaila. Um adereço. Um descarte. Algo que ele não queria, então simplesmente passou para mim.
Três anos da minha vida. Três anos de perseguição implacável, de expor minha alma, de acreditar naquele brilho de calor, naquela profundidade oculta. Tudo isso, uma mentira. Um jogo orquestrado pela minha meia-irmã. E eu fui a tola que jogou junto, pensando que estava ganhando. Meu coração parecia oco, substituído por uma ferida aberta e sangrando. A humilhação era uma marca em brasa na minha pele. Ele me via como nada. Menos que nada. Uma receptora conveniente para os descartes de Kaila.
Fechei os olhos, uma única lágrima finalmente escapando, traçando um caminho através da poeira dos meus sonhos quebrados. Eu não me despedaçaria. Não aqui. Não em frente à casa onde duas pessoas conspiraram para me quebrar.
Voltei para o meu carro, cada passo um esforço, uma luta contra o desejo avassalador de desabar. Entrei, minhas mãos tremendo enquanto ligava o motor. Assim que me afastei, meu celular vibrou novamente. Uma mensagem de texto. Da minha mãe.
"Alana, acabei de saber da clínica. Honestamente. Que rainha do drama. Enfim, seu pai e eu decidimos. Você vai voltar para casa. Kaila precisa do seu apoio agora. E está na hora de você abandonar essa carreira ridícula de atriz e encontrar um marido adequado. Marcamos um encontro na próxima semana com os Beaumont. O filho deles, Ricardo, é um partidão. Estável, rico. Perfeito para você. Você estará com a vida ganha. Já começamos a transferir alguns dos bens da família para o nome da Kaila, só para garantir que ela esteja segura agora que o Heitor está oficialmente na jogada. Nem pense em atrapalhar isso, Alana. Sua irmã merece felicidade."
Ricardo Beaumont. O playboy notório, conhecido por seu olho errante e mãos ainda mais errantes. Um homem que via as mulheres como troféus, não como parceiras. E "bens da família"? Os mesmos bens que meu avô destinara ao meu futuro, antes que as manipulações de Kaila distorcessem tudo. Minha mãe, minha própria mãe, estava ativamente me deserdando, tudo em nome de sua preciosa Kaila.
Uma determinação fria e dura se cristalizou em meu coração. Isso não era mais sobre amor. Era sobre sobrevivência. Sobre reivindicar o que era meu. Eles queriam me casar, controlar minha vida, roubar meu legado? Tudo bem. Mas eles pagariam um preço.
Digitei uma resposta, meus dedos firmes agora, frios e precisos. "Mãe, Ricardo Beaumont é um mulherengo conhecido. Vou considerar a proposta dos Beaumont com uma condição. Metade dos 'bens da família' que você está tão generosamente transferindo para a Kaila. Em meu nome. Agora."
A resposta dela foi instantânea, afiada de indignação. "Alana! Você está louca? Você espera que a gente simplesmente te entregue dinheiro? Depois de tudo que você nos fez passar?"
"Metade, mãe. Agora. Ou eu pessoalmente me encarregarei de que Ricardo Beaumont saiba exatamente em que tipo de família 'estável e rica' ele está se casando. E eu prometo a você, posso ser muito persuasiva." Fiz uma pausa e acrescentei: "E vou garantir que a mídia saiba sobre o histórico 'frágil' da Kaila e como ela adora criar problemas. Você sabe como o mundo dos famosos adora um bom escândalo."
Um longo silêncio. Então, a voz tensa dela, mal um sussurro. "Alana... você não faria isso."
"Tente me impedir", digitei, um sorriso arrepiante tocando meus lábios. "Considere minha herança. Aquela que você tentou roubar. Você tem vinte e quatro horas."
Outra espera agonizante. Então, uma única palavra. "Certo."
"Fechado", respondi, apertando enviar. O celular parecia pesado na minha mão. Joguei-o no banco do passageiro, a vitória com gosto de cinzas.
Dirigi até a butique mais cara da Barra da Tijuca, meu cartão de crédito um borrão. Roupas, joias, sapatos - qualquer coisa para preencher o vazio em meu peito. Minhas amigas, sempre prontas para uma farra de compras improvisada, se juntaram a mim.
"Alana! O que há com essa loucura de compras?", perguntou minha melhor amiga, Sofia, olhando para a montanha de sacolas de grife.
"Vingança, querida", eu disse, uma risada frágil escapando de mim. "E um presentinho para mim. Minha querida família decidiu jogar pesado. Eu joguei mais pesado ainda." Expliquei o noivado forçado, a herança roubada e minha contraproposta brutal.
Sofia e Clara trocaram olhares preocupados. "Mas Alana, Ricardo Beaumont? Ele é um pesadelo. E seus pais... eles vão transformar sua vida em um inferno por isso."
Eu me recostei, um brilho perigoso em meus olhos. "Ah, eles vão. Mas não vão conseguir. Porque eu não vou me casar com ele de verdade." Meu sorriso se alargou, frio e predatório. "Estou usando ele para escapar deles. Vou pegar o dinheiro deles, os 'bens da família', e depois vou desaparecer."
Minhas amigas me encararam, de boca aberta. "Você vai... fugir?", sussurrou Clara, seus olhos arregalados.
"Não", corrigi, minha voz firme. "Vou reivindicar minha vida. E vou garantir que eles saibam exatamente o que perderam." Um novo fogo se acendeu dentro de mim, frio e implacável. Este não era o fim. Era o começo. O meu começo.