A Fuga da Garota da Gaiola Dourada
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Capítulo 4

Ponto de Vista de Ayla Thompson:

Meu rosto deve ter ficado pálido. O St. Regis. Eu sabia o que isso significava. Significava que eu estava sendo mandada embora, removida, apagada de sua vista. Meu apartamento, meu santuário temporário, não era mais meu. Era um lembrete brutal da minha posição precária, da frágil pretensão de lar que eu havia construído. Eu só consegui dizer um fraco "Claro, Anderson". As palavras pareciam lixa contra minha língua.

Virei-me e me afastei, cada passo pesado, a música de Chopin da sala de estar agora um acompanhamento zombeteiro para minha humilhação. Não ousei olhar para trás. Eu só precisava desaparecer. A pesada porta da frente, pela qual eu acabara de entrar, de repente bateu atrás de mim, sacudida por uma rajada de vento, um ponto final definitivo na sentença da minha demissão. O som ecoou no corredor silencioso, uma interrupção alta e grosseira ao delicado piano de Esperança.

Lá dentro, calor, luz e música. Lá dentro, Anderson e Esperança, uma imagem de intimidade reconfortante. Lá fora, frio, úmido e escuro. O contraste era gritante, um espelho brutal refletindo minha realidade. Fiquei ali por um momento, agarrando minha pequena mochila com meus livros didáticos, sentindo-me totalmente exposta e totalmente sozinha. A chuva, persistente e gelada, começou a encharcar minha jaqueta fina.

Eu tolamente comecei a pensar neste apartamento como meu, como um lar. Eu o enchi com meus livros, minhas pequenas rotinas, minhas esperanças silenciosas. Eu me permiti acreditar, mesmo que por um momento fugaz, que eu pertencia. Mas um lar é construído sobre algo mais do que móveis caros e um cartão-chave. É construído sobre pertencimento. E eu nunca pertenci de verdade.

Inclinei a cabeça para trás, deixando a chuva fria picar meu rosto, uma tentativa desesperada de abafar a humilhação ardente. A água escorria por minhas bochechas, misturando-se com o que parecia suspeitosamente com lágrimas. Abracei-me, tremendo. O frio penetrou diretamente em meus ossos, uma manifestação física do frio em meu coração.

Finalmente peguei meu guarda-chuva, lutando para abri-lo contra o vento, e saí para a noite cortante de São Paulo. O guarda-chuva era velho, esfarrapado, um pequeno escudo desafiador contra a cidade indiferente.

Meu celular tocou, me assustando. Kaila. "Ayla? Você recebeu minha mensagem sobre a festa de aniversário do Anderson? É na próxima semana. Você ainda vai?"

Meu estômago se contraiu. O aniversário de Anderson. Eu quase tinha esquecido. Eu havia planejado uma pequena e íntima celebração para ele, um jantar tranquilo, só nós dois. Uma fantasia tola, talvez, uma esperança persistente de que um dia ele pudesse realmente me ver. Mas agora, com Esperança no apartamento, comigo trancada do lado de fora, a ideia parecia ridícula, patética.

"Não", eu disse, minha voz monótona. "Estou indo embora agora. Esta noite. Meu contrato acabou oficialmente." As palavras pareciam pesadas, finais. Uma ruptura.

"O quê? Já?" Kaila parecia surpresa. "Mas... o aniversário dele..."

"Não importa", interrompi, minha voz afiada. "Eu quero que isso acabe antes disso. Eu quero que meu último dia com ele seja agora. Não no aniversário dele. Não com ela lá." Eu precisava de um rompimento limpo, um final definitivo. Eu queria ter ido embora, realmente ido embora, antes que mais danos emocionais pudessem ser infligidos. O cordão umbilical metafórico tinha que ser cortado, limpo e rápido.

Fiz o check-in no St. Regis, o quarto opulento um contraste gritante com meu humor desolado. A noite passou lentamente, minutos intermináveis se arrastando. Esperei por uma ligação, uma mensagem, qualquer coisa de Anderson. Mas nada veio. Nem uma única palavra. Ele provavelmente estava muito ocupado com Esperança, muito consumido por seu 'único amor verdadeiro' para sequer se lembrar que eu existia.

Olhei para o meu celular, a tela escura, apenas um espelho vazio refletindo meu quarto vazio. Ele realmente não se importava.

Pela manhã, tomei banho, a água quente fazendo pouco para descongelar o frio dentro de mim. Rolei meu feed de notícias enquanto secava o cabelo. Uma enxurrada de artigos de blogs de entretenimento e colunas sociais. "Esperança Vasquez, a célebre pianista de concerto, vista em uma residência particular na Vila Madalena." Uma foto borrada dela, elegante e radiante, saindo de um carro preto. Meu carro preto.

Cliquei em um link para sua página na Wikipédia. Esperança Vasquez. Pianista de concerto de renome mundial. Amiga de infância da família Vasconcellos. Casada com o irmão mais velho de Anderson, Roberto. Uma história detalhada de suas realizações, suas performances deslumbrantes, sua linhagem impecável. E então, uma citação de uma entrevista antiga: "Anderson e eu sempre fomos muito próximos. Ele é como o irmão que eu nunca tive. Nosso vínculo é puramente platônico, uma amizade profunda e para toda a vida."

Eu bufei, um som amargo e sem humor. "Platônico." Lembrei-me do desespero cru no beijo de Anderson no vídeo, do anseio nu em seus olhos. Platônico. A palavra tinha gosto de veneno. Ela sabia exatamente o que estava fazendo, o poder que tinha sobre ele. Ela se deleitava com isso, essa manipuladora de aparência inocente.

Eu sabia que ele não me contataria. Não com ela lá. Ele simplesmente esqueceria. Eu era apenas uma substituta conveniente, facilmente substituída, facilmente dispensada.

Meu celular vibrou. Uma mensagem de texto. Não de Anderson, mas de seu assistente, Marcos. "O Sr. Vasconcellos solicita seu retorno imediato ao apartamento."

Meu coração deu um baque estranho e indesejado. Ele me queria de volta? Depois de tudo aquilo? Minha mente girou. O que ele queria? Hesitei por apenas um segundo, depois me vesti rapidamente. Eu ainda estava sob contrato por mais alguns dias. Eu tinha que ir.

O táxi parou em frente ao prédio do apartamento. Ao sair, um caminhão de mudanças estava estacionado do lado de fora, homens de macacão carregando caixas. Meu estômago se contraiu. O que estava acontecendo?

Ouvi um dos homens da mudança resmungar: "Outra? Esse cara muda de ideia mais do que eu troco de meias. Primeiro ele quer tudo fora, depois quer tudo de volta. Decida-se, riquinho."

Meu sangue gelou. Outra? O que ele quis dizer? Minha mente voltou ao pássaro de madeira antigo, aquele que ele valorizava, aquele que eu não tinha permissão para tocar, aquele que Esperança havia admirado tão casualmente. Ele o jogou fora só porque ela o mencionou? O pensamento enviou uma nova onda de humilhação me invadindo. Ele era uma força volátil e imprevisível, suas emoções um jogo perigoso.

Então eu o vi. Anderson. Ele estava parado na entrada, alto e imponente, as mãos nos bolsos, o olhar varrendo a cena com um ar de fria indiferença. Ele não estava olhando para mim, ainda não.

"Ei, chefe!" um dos homens da mudança gritou, interrompendo meus pensamentos frenéticos. "Esta bonequinha feia, você ainda quer que vá embora? Ou vai ficar com esta também?" Ele ergueu uma pequena boneca de porcelana pintada à mão, suas cores desbotadas, seu rosto lascado.

Minha respiração ficou presa na garganta. Eu conhecia aquela boneca. Tinha sido da minha avó. A única coisa que me restava dela. Eu a mantinha escondida, guardada no fundo do meu armário, um pequeno e secreto pedaço do meu passado. Como ele a encontrou? Como ela foi parar na caixa de mudança? Minha mente disparou, tentando encontrar uma explicação.

Eu queria gritar, correr e arrancá-la das mãos do homem. Mas não podia. Eu era Ayla Thompson, a sugar baby obediente. Eu tinha que manter a fachada.

Os olhos de Anderson, frios e indiferentes, finalmente pousaram na boneca. "Livre-se disso", disse ele, sua voz monótona, desprovida de qualquer emoção. "E certifique-se de que nada mais dela seja deixado para trás."

Meu coração se contraiu, uma torção aguda e dolorosa. Ele estava me expurgando. Apagando todos os vestígios da minha existência de sua vida.

            
            

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