Capítulo 5 5

MATEO

"Você notou algo estranho com a Gemma nas últimas semanas?"

Edric não está falando comigo, mas mesmo assim tem minha atenção. Tento não franzir a testa.

Eu fracassei miseravelmente.

Nas últimas semanas, têm circulado rumores pelo complexo, e é impossı́vel não ouvi-los. Rumores de que seu namorado idiota mandou rosas da cor errada. De novo. Que André a encontrou usando o vestido vermelho em uma boate. Que seu namorado babaca ainda não está lhe dando o tempo e a atenção que ela merece.

O babaca metido a besta.

Ela merece coisa melhor. E não só porque ela é uma de nós e nós cuidamos uns dos outros. E porque ela é a Gemma, e ela é incrı́vel, e provavelmente entrarı́amos em colapso sem ela para manter todos nós na linha.

Com certeza o Hank não teria roupa limpa. O Ben não estaria nem perto do ponto em que está hoje com a reabilitação. E eu, teimoso como sou, provavelmente já estaria de volta a uma liga europeia, onde atitudes de merda como a minha são mais comuns.

Se não fossem os Storms, eu já estaria de volta em casa, na Costa Rica, pois parece que não consigo icar longe de encrenca.

Dou um gole na minha cerveja enquanto pensamentos sobre nossa treinadora curvilı́nea me invadem a mente. Ela faz parte da equipe tanto quanto qualquer um de nós e está com o Storms praticamente desde o primeiro dia. E mesmo que nenhum de nós achasse que ela fosse passar da primeira semana, ela perseverou-e ajudou o técnico a nos colocar em forma também.

Não sei quanto ao resto da equipe, mas eu preferiria cortar meu testı́culo esquerdo a vê-la se machucar.

Talvez eu até abandonasse o time se o técnico tentasse se livrar dela. Porque, caramba, tem algo nela que me atrai.

Tudo nela é de outro mundo, até mesmo seu sorriso contagiante. E muito difı́cil não se deixar levar por Gemma em um bom dia, então quando o humor dela não está bom, a gente percebe. Essa energia negativa paira sobre o campo como uma nuvem negra.

Então, de initivamente não é difı́cil perceber quando nossa garota está de mau humor. E nas últimas semanas...

Aperto o copo de cerveja na minha mão com mais força. Inclino-me na direção de onde o inglês e Declan estão sentados, algumas mesas à minha frente, no nosso grupo de mesas perto do fundo do bar.

Eu entendo por que Edric perguntou ao Dec. Ele é muito mais quieto do que o resto de nós, e bem mais intuitivo também, então geralmente percebe as coisas muito antes de nós. Não duvido que ele saiba algo que eu não sei-ele quase sempre sabe.

Mas tudo o que ele faz é dar de ombros antes de passar a mão pelos seus curtos cabelos loiros, soltando um grunhido.

Sinto um frio na barriga. Isso é extremamente útil, penso comigo mesma enquanto reprimo um riso debochado. Ou está rolando alguma coisa com o Dec, ou eu tenho dado atenção demais à Gemma. E mesmo que o namorado dela seja um completo idiota, eles estão juntos há uma eternidade. E eu não vou me intrometer nisso.

Sei que sou melhor do que aquele idiota com quem ela está-aliás, qualquer um de nós é melhor do que ele-mas ela tem estado feliz na maior parte do tempo. Mesmo assim, tenho quase certeza de que não sou o único que deu uma olhada demorada demais na Gemma nos últimos dois anos.

O código de amizade é a única coisa que nos impede de tentar algo com ela. Quer dizer, além do fato de ela estar namorando um babaca. Se não fosse por isso, qualquer um de nós pularia na chance de icar com ela, e é por isso que mantemos distância. Somos muito unidos. Não seria justo com o resto do time se um de nós tomasse a iniciativa e prejudicasse os outros caras.

"Bastante perspicaz", diz Edric, revirando os olhos, e eu me afasto de pensamentos que sei que não me levarão a lugar nenhum.

Um grito de incentivo ecoa do outro lado do Midtown Brewhouse, e eu levanto os olhos o su iciente para ver alguns caras dando tapinhas nas costas uns dos outros enquanto assistem a algum jogo de hóquei que esteja passando nas telas planas. Resmungo, mas volto minha atenção para meus companheiros de equipe.

Os Storms fazem parte deste lugar tanto quanto qualquer uma das camisas penduradas nas paredes. Pode ser apenas um tı́pico bar esportivo comum, mas frequentamos este lugar desde que somos um time.

O bar ica literalmente no meio de tudo em Strudford. E perto do centro da cidade. E perto do campo. E perto da casa da Gemma...

Eu me inclino sobre a mesa, semicerrando os olhos na direção de Edric enquanto bato com o fundo do meu copo na mesa. "Eu também notei. Ela tem se comportado de forma estranha nas últimas semanas."

Edric ixa o olhar em mim enquanto um silêncio se instala entre os rapazes próximos o su iciente para ouvir o que acabei de dizer. Ben e Victor se inclinam sobre a mesa na minha direção, esquecendo-se das próprias cervejas. Edric responde com uma sobrancelha arqueada enquanto vira o copo, esvaziando o pint de uma só vez.

"Ela nunca costuma franzir a testa tanto quanto tem feito ultimamente."

Anthony me encara com desdém de algumas mesas de distância, e eu me inclino para trás na cadeira para poder fuzilá-lo com o olhar, em vez de ter a bunda enorme do Eli me bloqueando a visão. Não são muitos os que são pequenos-somos um time pro issional de rúgbi, fala sério!-mas nem todos somos tão musculosos quanto esse brutamontes. Eu também não sei como diabos ele consegue, já que ele quase nunca vai à academia fora do centro de treinamento.

O novato-Anthony-balança a cabeça para mim, e eu preciso me lembrar de que ele não só é jovem e estúpido, como também está no time há menos tempo. Ele passou um ano com a Gemma, mas o resto de nós passou dois. Ele não entende-não de verdade-ainda não.

"Vai se ferrar, moleque", resmunga Kyle. "Ela está sempre sorrindo. Mesmo quando tem que sentir o cheiro do traseiro sujo do Hank bem de perto."

Aponto para Kyle com um aceno de cabeça. Adoro o Hank-o desgraçado já consertou meu carro mais de uma vez-mas ele parece não conseguir se organizar em mais nada. E a Gemma deve ser uma espécie de santa surda, porque nunca o expulsa do escritório quando ele aparece antes do banho para importuná-la sobre comprar um carro novo, já que o dela é 'uma porcaria completa'. (Palavras dele, não minhas.)

Não é como se o Civic dela fosse parar de funcionar a qualquer momento, mas isso dá a ele algo para conversar com ela quando não estão treinando juntos. Pessoalmente, eu respeito demais o fato de ela ter priorizado a compra de uma casa em vez de um carro novo. Gosto de mulheres com a cabeça no lugar.

Me remexo na cadeira enquanto Anthony bufa e volta a beber sua cerveja. "Tanto faz, cara", diz ele antes de tomar um longo gole. "Acho que você só está obcecado por ela. Ela tem namorado, cara."

"Aquele cara é o pior de todos", Victor interrompe antes que eu consiga me afastar da mesa e dar uma sacudida no novato para ver se ele acorda para a vida.

E claro que estou por dentro de tudo o que ela diz. Ela é incrı́vel. Mas não são só as palavras do Victor que me prendem à cadeira. Não, há um brilho nos olhos castanhos do Anthony, algo que sugere que talvez o novato também esteja completamente por dentro de tudo o que ela diz, apesar do que ele parece querer que a gente pense.

"Quer dizer, que idiota", Victor continua a reclamar, passando a mão pelos cabelos curtos. "Não consegue comprar as lores certas para ela. Não consegue fazê-la feliz, porra."

"Um completo idiota", grita Jean-Luc, acompanhado de uma série de grunhidos. Ninguém se dá ao trabalho de confrontá-lo-de lembrálo de que ele trocava de mulheres como jogadores de hóquei idiotas trocam dentaduras. Provavelmente porque, assim como todos nós, ele parou de transar e de icar com outras mulheres em algum momento do último ano.

Toda a equipe está passando por uma péssima fase.

Alguns dos caras acenam com a cabeça, mas é Cyrus-nosso capitão durão-quem me chama a atenção. Ele está sentado à sua mesa no meio de todos nós, com uma expressão sombria no rosto enquanto sua mandı́bula se contrai. Como se tivesse algo a dizer, mas ainda não soubesse se está pronto para compartilhar.

"Ela merece alguém melhor que ele." Oliver cruza os braços sobre o peito largo enquanto diz isso, seus olhos percorrendo o resto da equipe enquanto outro coro de 'porra, sim!' ecoa pelo bar. "Tenho quase certeza de que ela janta com a gente mais do que com ele ultimamente.

Não estou dizendo que ele precise levar uma surra de vinte e cinco homens, mas também não estou dizendo que não."

"Talvez isso faça ele acordar para a realidade. Como é que ele não vê o que tem bem na frente dele? A Gemma é boa demais para ele, disso eu tenho certeza."

Cervejas são erguidas, goles longos são dados, e aı́ nós voltamos a falar sobre o quanto o namorado da Gemma é um merda mesmo.

E sobre o quanto melhor ela poderia se sair.

E sobre como precisamos garantir que nossa garota esteja bem cuidada.

Porque é isso que ela é: parte da nossa famı́lia Storms. Ela é a nossa garota para icarmos de olho.

"O cara é um completo idiota", murmura Edric, e eu rio.

Outra salva de palmas estrondosa da torcida do hóquei ecoa, e eu olho na direção deles. O riso morre nos meus lábios ao mesmo tempo que um silêncio se instala entre os outros caras. Porque agora Gemma está ali, abrindo caminho entre os caras barulhentos para chegar ao bar.

E aquela mesma carranca que ela vem exibindo de vez em quando nas últimas semanas continua lá. Ela se inclina sobre o balcão para falar com a bartender, Angeline, e meu maxilar se contrai quando uma profunda carranca se forma em seus lábios, seja lá o que Gemma esteja dizendo.

Empurro a cadeira para trás quando os ombros de Gemma enrijecem enquanto Angeline aponta para o nosso canto com um gesto brusco de cabeça. Gemma se vira para nós, com um copo de cerveja em cada mão, e tudo em que consigo me concentrar é em como seu rosto está manchado enquanto ela atravessa o bar em nossa direção.

Meus punhos se fecham ao redor da borda da mesa. Uma dor aguda lateja na minha mandı́bula cerrada. Que merda o namorado idiota dela fez dessa vez? Me afasto da mesa completamente, mas Cyrus se adianta.

Observo, com os olhos semicerrados, enquanto ele a puxa para o lado e se inclina para perto para conversar com ela. Sua testa se franze quando ela se afasta do abraço lateral para virar uma de suas cervejas e en iar o copo em sua mão antes de virar a segunda.

Que. Porra. É. Essa?

Cyrus coloca a mão no ombro dela e diz algo que não consigo entender. Ela franze a testa enquanto termina a segunda cerveja e afasta a mão dele.

Ela passa o canto dos lábios e seus ombros se erguem enquanto ela en ia o segundo copo nas mãos de Cyrus também. "Não, eu não quero falar sobre isso", ela exclama em voz alta antes de se jogar em uma cadeira espremida entre Andre e Kellin.

Mas basta Andre perguntar: "O que está acontecendo?" para Gemma suspirar e pegar a cerveja dele também.

"Terminei com o Colin", diz ela. E é um comentário tão conciso e objetivo que ninguém reage de imediato.

Seus ombros caem com o silêncio, e meu coração dispara como um bumbo no meu peito. Será que ela deveria parecer mais chateada?

Mas é aı́ que está o ponto. Ela não parece chateada. Parece resignada, como se o que quer que tenha acontecido já estivesse previsto há muito tempo.

Ela vira o copo de cerveja do André enquanto ele a envolve num abraço de um braço só.

Os minutos seguintes se transformam em caos, com ela cercada por abraços e palavras de conforto. Quando inalmente chega a minha vez, a abraço com toda a força que consigo. Ela se aconchega em meus braços da mesma forma que eu a observei fazer com os outros.

"Já estava na hora, Gemma", sussurro, e ela me aperta um pouco mais pela cintura. "Estou muito orgulhoso de você."