Eu o observei sair, seu corpo tenso, pronto para a batalha. Mas sua calma habitual havia desaparecido, substituída por um desespero cru que revirou meu estômago. Ele se movia com um propósito brutal, um homem no limite. Ele estava lá por ela. Por Bianca.
Saí do meu carro, ignorando o olhar preocupado do meu motorista. O ar estava frio, metálico, com gosto de ferrugem e medo. Aproximei-me furtivamente, escondida atrás de uma pilha de contêineres enferrujados, meu coração martelando contra minhas costelas.
Através de uma janela suja, eu a vi. Bianca Valente. Ela estava amarrada a uma cadeira, pequena e frágil, seu rosto pálido manchado de lágrimas. Ela parecia exatamente a flor delicada que os sites de fofoca sempre pintaram. O "amor inesquecível" do meu marido.
Uma figura corpulenta estava sobre ela, seu rosto uma máscara de raiva. Este devia ser o rival de negócios. "Montenegro," o homem rosnou, sua voz gutural, "você finalmente dá as caras."
Caio entrou na luz, seus olhos fixos em Bianca. A agonia em seu rosto era inegável. Não era a preocupação distante de um amigo. Era a dor visceral de um homem vendo a mulher que amava sofrer. A cena abriu um buraco no meu peito. Ele a amava. Mais do que tudo. Ele realmente a amava.
"Solte-a, Davi," Caio disse, sua voz baixa, perigosa. "Isso não tem nada a ver com ela."
"Tudo tem a ver com ela!" Davi berrou, gesticulando descontroladamente para Bianca. "Ela é a chave, não é? A princesinha perfeita e doentia. Aquela por quem você venderia sua alma! E você vendeu, não foi? Você se casou com aquela artista maluca para ter acesso à empresa do pai dela, aos seus medicamentos experimentais! Tudo por ela!"
As palavras me atingiram como uma rajada de balas. A empresa farmacêutica do meu pai. O medicamento experimental. Tudo se encaixou com uma clareza doentia. A "doença" de Bianca. Anemia Aplástica. Não era apenas uma namorada de infância. Ela era a missão da vida dele. E eu era o meio para um fim.
Uma onda de náusea me invadiu. Todos os meus atos rebeldes, todas as minhas tentativas de afastá-lo, haviam sido inúteis. Ele nunca me viu. Ele só via o caminho para a sobrevivência de Bianca. Eu era uma ferramenta. Uma mercadoria. Assim como meu pai me tratava.
"Deixe a Alice fora disso," Caio rosnou, seus punhos cerrados. "Ela não sabe de nada."
"Ah, ela sabe, Montenegro," Davi zombou. "Ou saberá assim que seu passarinho cantar. Mas vamos voltar ao evento principal. Você quer a Bianca? Quer o amor da sua vida de volta?" Davi puxou uma faca, sua lâmina brilhando perversamente. "Você sempre foi tão abnegado, não é, herói? Esfaqueie-se. Aqui." Ele apontou para o ombro de Caio. "Fundo. E ela sai andando."
Meu coração parou. Esfaquear-se? Por ela? A ideia de sua dor, mesmo que por ela, me fez querer gritar.
"Não, Caio, não!" Bianca chorou, sua voz fraca, mas cheia de uma proteção feroz. "Não faça isso! Por favor!"
O olhar de Caio varreu Bianca, um olhar de profundo amor e resolução desesperada em seus olhos. Ele não hesitou. Nem por um segundo. Ele pegou a faca de Davi, sua mão firme.
Meu sangue gelou. Ele faria isso. Ele realmente faria isso. Por ela. O homem que havia gentilmente cuidado da minha mão arranhada, perguntando se doía. Aquela ternura tinha sido uma mentira. Uma performance calculada.
Com uma careta, ele cravou a faca em seu próprio ombro. Um suspiro escapou da minha garganta, mas se perdeu no vasto espaço vazio do armazém. Ele não gritou. Seu rosto se contorceu, um grito silencioso, mas seus olhos nunca deixaram Bianca. Ele girou a lâmina, como Davi havia instruído, garantindo que a ferida fosse profunda e agonizante. O sangue floresceu rapidamente em sua camisa branca, uma mancha gritante e horrível.
Ele caiu de joelhos, agarrando o ombro, seu corpo tremendo. Mas mesmo assim, seus olhos ainda estavam em Bianca. "Você está segura," ele ofegou, sua voz rouca de dor, "Bianca, você está segura agora."
Eu queria vomitar. A realidade pura e brutal de sua devoção a ela, justaposta ao vazio de suas promessas para mim, era insuportável. Minhas pernas pareciam chumbo. Eu não era nada. Absolutamente nada.
"Não tão rápido!" Davi riu, chutando o ombro ferido de Caio. Caio gritou, desabando completamente. "Eu disse que ela sai andando, não que ela vai livre!" Ele agarrou o braço de Bianca, puxando-a bruscamente.
De repente, sirenes soaram à distância. Carros de polícia pararam com um guincho do lado de fora. Davi praguejou, empurrando Bianca de volta para a cadeira, sacando sua própria faca. Mas era tarde demais. Policiais armados invadiram o armazém, subjugando Davi e seus homens em um piscar de olhos.
No momento em que Davi foi detido, Caio, sangrando profusamente, se levantou. Ele cambaleou em direção a Bianca, seu único foco nela. Ele a alcançou, desamarrou suas amarras com as mãos trêmulas.
"Caio!" Bianca soluçou, jogando-se em seus braços, sua cabeça descansando em seu ombro não ferido. "Você me salvou! Você sempre me salva!"
Ele a segurou com força, seus olhos se fechando no que parecia ser puro alívio e exaustão. "Sempre," ele sussurrou, pressionando um beijo em seu cabelo.
Meu mundo já estava em cacos, mas então Bianca se afastou, seus olhos arregalados, ainda marejados. Ela olhou para o ombro sangrando de Caio. "Não! Oh, Caio, você está ferido!" Ela pegou a faca que Davi havia usado, sua mão pequena surpreendentemente firme no cabo. Antes que alguém pudesse reagir, ela cravou a lâmina em seu próprio braço, um corte superficial, mas deliberado.
"Bianca! O que você está fazendo?" Caio gritou, seu rosto empalidecendo, tentando agarrá-la.
"Se você se machuca por mim, eu me machuco por você!" ela chorou, lágrimas escorrendo por seu rosto. "Não posso deixar você sentir dor sozinho!"
Caio olhou para ela, depois a puxou com força contra ele novamente. "Minha garota corajosa," ele murmurou, sua voz embargada de emoção. "Minha doce e corajosa Bianca." Ele embalou a cabeça dela, acariciando seu cabelo. O mundo ao redor deles, as sirenes, as prisões, o sangue, tudo desapareceu no fundo. Eles estavam em sua própria bolha, dois amantes desafortunados, unidos em seu sofrimento e devoção. Eles eram tudo que importava.
Eu fiquei ali, invisível, inaudível, um fantasma na minha própria vida. Eu os observei, agarrados um ao outro, seus corpos cobertos com o sangue um do outro, suas lágrimas se misturando. Ele não me lançou um único olhar. Ele não sabia que eu estava lá. Ele não se importava.
Ele foi levado às pressas para uma ambulância, Bianca agarrada a ele a cada passo, recusando-se a soltar. Ele nunca perguntou por mim. Nunca me procurou. Ele apenas a segurou, murmurando palavras de consolo.
Finalmente saí do armazém, o gosto metálico de sangue na minha boca. Não o meu, mas o dele. E o dela. O sangue deles, entrelaçado. Era uma manifestação física de seu vínculo, um vínculo que eu nunca poderia quebrar, um vínculo que havia consumido meu marido. Tudo que eu senti por ele, cada lampejo de esperança, cada ternura confusa, virou cinzas. Fui usada. E depois descartada. Meu coração parecia uma caverna oca, ecoando com um grito que não conseguia escapar.
Consegui entrar no meu carro, o interior de repente parecendo sufocante. Meu motorista ligou o motor, mas eu não disse para onde ir. Apenas olhei pela janela, observando as luzes da cidade se tornarem um borrão. A dor era tão profunda que era física, um peso esmagador no meu peito.
Alguns dias depois, enquanto Caio ainda se recuperava, Bianca apareceu na cobertura. Ela estava pálida, o braço enfaixado, mas irradiava uma satisfação presunçosa que me gelou até os ossos. Ela me encontrou no meu ateliê, tentando me perder em uma tela, mas as cores zombavam de mim, sem vida e opacas.
"Alice," ela disse, sua voz suave, frágil, mas com uma corrente de aço por baixo. "Precisamos conversar."
Eu me virei, meu pincel ainda na mão. "O que poderíamos ter para conversar, Bianca?" Minha voz estava calma, calma demais. A raiva era um nó frio e duro no meu estômago.
Ela deu um passo mais perto, seus olhos brilhando. "Caio me contou tudo. Sobre a fusão. Sobre o medicamento do seu pai." Ela fez uma pausa, deixando as palavras afundarem. "E sobre como ele se casou com você para ter acesso a ele. Por mim."
Minha mão se fechou em torno do pincel. A verdade, na boca dela, parecia veneno. "Ele te contou isso?"
"Ele me conta tudo," ela disse, um leve sorriso brincando em seus lábios. "Sempre contou." Ela deu outro passo, invadindo meu espaço. "Sabe, ele nunca te amou. Não de verdade. Você sempre foi apenas um meio para um fim. Uma maneira de me manter viva."
Minha mente correu, conectando os pontos. A ternura quando ele cuidou da minha ferida, suas limpezas pacientes, sua indulgência com meu caos artístico. Foi tudo uma performance, calibrada para me manter complacente, para manter a fusão viva, para manter o fluxo do medicamento para ela. Ele era um mestre manipulador. E eu, a "rebelde indomável", não passava de uma tola.
"E você," eu disse, minha voz mal um sussurro, "você sabia o tempo todo, não sabia?"
Seu sorriso se alargou. "Claro. Não sou tão frágil quanto pareço, Alice. Sou uma sobrevivente. E Caio... Caio me idolatra. Sempre idolatrou." Ela estendeu a mão, sua mão roçando meu braço, e sua voz baixou para um sussurro conspiratório. "Seu pai, ele é tão ruim quanto. Ele também não se importa com você. Ele te usou como alavanca para a empresa dele. Ele ficou feliz em trocar a própria filha por bilhões."
As palavras, embora esperadas, ainda doíam. Meu pai. Meu próprio sangue. Ele me via como uma coisa, intercambiável, descartável. Entre ele e Caio, eu era apenas um peão.
"Saia," eu disse, minha voz como gelo. "Saia da minha casa."
"Ah, não é sua casa, Alice," ela ronronou, seus olhos brilhando. "É do Caio. E em breve, será minha novamente. Ele só está esperando o momento certo para se livrar de você. Ele quase fez isso quando você estava no hospital. Os médicos quase te deixaram ir."
O hospital. A escolha. Ele a escolheu. Lembrei-me do zumbido em meus ouvidos, das vozes distantes, da decisão agonizante que foi tomada sobre meu corpo inconsciente. Ele a escolheu. E eu deveria morrer.
"Você não vai se safar dessa," eu disse, minha voz tremendo com uma raiva que ameaçava me consumir. Minha mão, ainda segurando o pincel, tremia.
Ela riu, um som delicado e tilintante que irritou meus nervos. "Ah, Alice, você é tão ingênua. Ele nunca vai te deixar ir. Não até eu estar completamente bem. E então... você simplesmente vai desaparecer. Ninguém vai se importar. Você não tem ninguém além daqueles artistas patéticos que você chama de amigos."
Meus amigos. Essa foi a gota d'água. A única coisa que eu considerava sagrada. O único relacionamento que era real.
"Você acha que me conhece?" eu sibilei. "Você acha que sabe do que sou capaz?" Deixei o pincel cair, o barulho ecoando na sala. "Você e Caio, e meu pai, vocês são todos iguais. Vocês me veem como uma coisa a ser manipulada. Mas vocês estão errados. Eu não sou uma vítima passiva. Eu sou uma força da natureza. E vou fazer vocês se arrependerem de cada mentira, de cada manipulação."
Ela apenas sorriu, um sorriso arrepiante e triunfante. "O que você vai fazer? Correr para o seu papai? Ele fez o acordo. Ele não vai te ajudar."
"Não," eu disse, minha voz de repente calma, uma calma perigosa. "Vou falar com meu pai. Não para pedir ajuda. Por justiça. E então, vou garantir que vocês dois paguem pelo que fizeram."
Passei por ela, meus olhos em chamas, e a deixei parada no meu ateliê, em meio às cores vibrantes e caóticas que de repente pareciam um campo de batalha. Meu carro estava esperando. Eu sabia exatamente para onde estava indo. A cobertura do meu pai. Era hora de acertar as contas. Hora de confrontar o homem que vendeu sua filha por lucro. Hora de fazer um acordo por conta própria. Um acordo que me libertaria.