Capítulo 4

O sono foi uma amante inconstante naquela noite. Toda vez que eu fechava os olhos, fragmentos do passado piscavam atrás das minhas pálpebras - um clarão ofuscante, o cantar de pneus, o cheiro de borracha queimada, o som nauseante de metal se contorcendo. As memórias eram uma maré implacável, me puxando de volta para o abismo. E a cada onda de recordação, o nó frio e duro de ódio no meu peito ficava mais apertado, mais sufocante.

Para escapar do tormento, comecei a me mover, arrumando meu pequeno e dilapidado quarto. Era um esforço fútil, uma tentativa desesperada de impor ordem a uma vida que não tinha nenhuma. Em um canto esquecido, sob uma fina camada de poeira, havia uma caixa de papelão. Estava fechada com fita adesiva, proclamando em caneta desbotada: "Lembranças". Uma piada cruel.

Eu levantei a caixa, seu conteúdo se movendo com um baque surdo. Ao colocá-la no chão, algo mais pesado lá dentro bateu na lateral e rolou para fora. Um porta-retrato. Ele atingiu o chão de cimento com um estalo agudo e doentio. O vidro se quebrou, estilhaçando-se em mil cacos, cada um refletindo a luz fraca do meu quarto como uma promessa quebrada.

Era uma foto de família. Eu, Caio e Arthur. Meu Arthur. Estávamos sorrindo, posando sem jeito na frente de uma árvore de Natal brilhantemente iluminada. Uma relíquia de uma vida que parecia um sonho, ou um pesadelo.

Arthur não era meu filho biológico. Caio e eu estávamos casados há dois anos quando ele decidiu que não queria filhos, alegando ser "sensível demais à dor" para testemunhar um parto. Eu respeitei sua escolha, até fiz uma laqueadura para mostrar meu compromisso. Deveríamos ser uma família, apenas nós dois. Até aquela véspera de Natal nevada.

Encontrei Arthur em uma caçamba de lixo atrás do hospital. Um recém-nascido, com o cordão umbilical ainda preso, chorando com um gemido fraco e desesperado que arranhou minha alma. Caio recuou, me puxando para longe, resmungando sobre "não se envolver". Mas eu não podia deixá-lo. Não um ser vivo, respirando, descartado como lixo.

Enrolei o pequeno e trêmulo embrulho no meu casaco, segurando-o perto, tentando transferir o calor do meu corpo para sua forma frágil. Corri pela neve cortante, de volta ao hospital, implorando por ajuda. Eles o salvaram, por pouco. Mas suas pernas eram tortas, um defeito congênito que o marcaria para sempre.

Eu o trouxe para casa, o chamei de Arthur. Eu disse a Caio, disse a mim mesma, que este era nosso filho. Nosso único filho.

Caio nunca se afeiçoou a ele de verdade. Ele via a deficiência de Arthur como um fardo, uma mancha social. Ele se preocupava com o que as pessoas diriam. Mas eu amava aquele menino com cada fibra do meu ser. Vasculhei todos os hospitais da cidade, procurando uma cura, um tratamento para suas pernas. Tudo o que os médicos podiam oferecer era fisioterapia dolorosa e cara, sem garantia de recuperação total. À noite, quando a dor fazia Arthur chorar, eu andava pelo chão, segurando-o perto, cantando canções de ninar até que ele finalmente adormecesse. Eu o ensinei o ABC, o carreguei nos ombros para ver as estrelas, sussurrei para ele todos os dias que ele era o melhor, o menino mais corajoso do mundo, para garantir que ele nunca se sentisse inferior por causa de suas pernas.

E então, um dia, ele me chamou de "Mãe". Aquela única palavra trouxe uma alegria ao meu coração que eu não sabia ser possível. Uma felicidade pura e inalterada. Eu derramei tudo em Arthur, cada grama do meu amor, meu tempo, minhas economias escassas. Ele era o meu mundo.

            
            

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