Depois do que pareceu uma eternidade, Célia apareceu na porta do meu quarto, sua expressão tensa de aborrecimento. "O que é agora, Sra. Almeida? O Sr. Almeida já saiu. A senhora precisa de algo?" Seu tom implicava que eu era uma criança mimada fazendo exigências.
"Acho que estou com febre", sussurrei, minha cabeça latejando. "Você poderia... chamar um médico?"
Ela revirou os olhos levemente, um gesto que não ousaria fazer na presença de Heitor. "Febre? Ah, por favor. Você provavelmente está só fazendo drama. Mulheres ricas sempre têm alguma doença ou outra." Ela estalou a língua. "Vou pedir à cozinheira para mandar um mingau simples. Isso deve resolver."
"Mas... eu realmente me sinto péssima", insisti, uma onda de tontura fazendo o quarto girar.
"Você vai sobreviver", ela retrucou, virando-se para sair. "E da próxima vez, tente não ficar doente. Atrapalha a programação da casa." Ela parou na porta, um sorriso venenoso no rosto. "Ao contrário de algumas, nós realmente temos trabalho a fazer."
Eu a vi sair, um gosto amargo na boca. Até os funcionários me tratavam com desdém, sabendo da minha posição impotente. O mingau chegou mais tarde, uma mistura aguada e sem gosto, uma mensagem clara do meu status diminuído. Eu comi, entorpecida, acostumada a ser um pensamento secundário.
Os dias se transformaram em uma névoa de febre e dor. Fui deixada principalmente sozinha, me recuperando lentamente. Quando a febre finalmente cedeu, deixando-me fraca, mas com a cabeça limpa, vi uma nova mensagem do Campos Elíseos.
Jasmim, surgiu uma nova oportunidade. Um cliente exclusivo, extremamente generoso, está solicitando sua presença. A remuneração é substancialmente maior do que os encontros padrão.
Meu coração acelerou. "Substancialmente maior." Isso significava liberdade, mais cedo do que eu ousava esperar.
Um lampejo de medo, um aperto familiar no peito, ameaçou ressurgir. E se Heitor descobrisse? O pensamento era aterrorizante. Mas a alternativa, permanecer nesta gaiola dourada, sufocando lentamente, era pior. Esta era a minha chance. Minha única chance.
Assim que eu estava prestes a confirmar, a campainha tocou. Passos ecoaram no corredor. Uma voz familiar e melodiosa chegou aos meus ouvidos.
"Heitor! Querido, há quanto tempo!"
Letícia.
Eu congelei. Meu sangue gelou, depois ferveu com uma certeza doentia. Ela estava aqui.
Ouvi a voz de Heitor, calorosa e solícita, um tom que eu nunca tinha ouvido dirigido a mim. "Letícia, minha querida. Você está radiante. Entre, entre! Que surpresa maravilhosa."
Meu estômago despencou. Fui sorrateiramente até o topo da escada, espiando para baixo. Letícia, envolta em um luxuoso casaco de pele, ria, a cabeça jogada para trás. Heitor estava ao lado dela, a mão repousando suavemente em suas costas, um gesto possessivo e terno.
"Acabei de finalizar o divórcio", anunciou Letícia, sua voz doce e triunfante. "Foi bem complicado, mas consegui garantir uma pensão bem generosa." Ela piscou para Heitor. "Embora, claro, nada comparado à mesada que você tem me fornecido tão generosamente todos esses anos."
Um nó frio e duro se formou no meu peito. Mesada. Generosa. Quão generosa?
"Besteira", Heitor riu, apertando o ombro dela. "É o mínimo que eu poderia fazer, meu amor. Por todos os anos que te devo."
"Ah, Heitor", Letícia ronronou, encostando-se nele. "Você sempre foi bom demais para mim. Aquele milhão por mês que você manda, realmente me ajudou a lidar com aqueles tempos difíceis."
Milhão. Um milhão por mês. Minha audição devia estar falhando. Um milhão por mês para ela, e eu lutava por sapatos de cem reais. Senti uma risada histérica borbulhar na minha garganta. Fiquei ali, paralisada, uma tola silenciosa e invisível.
Heitor devia a ela? Devia pelo quê? Por tê-lo deixado anos atrás? E eu... eu fui comprada por cinco milhões, um pagamento único pela dívida da minha família, forçada a um casamento com um homem que publicamente cobria sua ex-amante com dinheiro suficiente para financiar um pequeno país.
Senti-me como um autômato, uma marionete cujas cordas finalmente se romperam. Cada pingo de dignidade que eu pensei possuir, cada grama de autoestima, se desfez em pó. Eu era uma piada. A piada final em uma comédia luxuosa e cruel.
Ele me notou então, parada no topo da escada. Seu rosto, iluminado por um calor que eu nunca tinha visto, esfriou imediatamente. Ele franziu a testa, um lampejo de aborrecimento em seus olhos, como se minha mera presença tivesse manchado a reunião perfeita.
"Flora", ele disse, sua voz seca, desprovida da ternura anterior. "O que você está fazendo aí em cima?"
Letícia olhou para mim, seu sorriso se alargando em um sorriso predatório. "Ah, essa é a Flora? Querido, não me diga que você esqueceu de avisá-la que eu estava visitando. Que falta de educação da sua parte!" Seu tom era açucarado, misturado com desprezo.
"Eu já ia", disse Heitor, seu olhar fixo em mim, um aviso silencioso em seus olhos. Ele se virou para Letícia, sua mão apertando a dela. "Letícia e eu temos muito o que conversar. Ela vai ficar conosco por um tempo."
Não. Não "conosco". Com ele. Eu era apenas um móvel.
"Na verdade", continuou Heitor, seus olhos se voltando para mim, a raiva clara agora. "Flora, por que você não tira um tempo? Vá visitar seus pais. Limpe a cabeça." Não era uma sugestão. Era uma expulsão.
Uma estranha calma se instalou sobre mim. A dor ainda estava lá, uma dor surda, mas foi ofuscada por uma clareza súbita e feroz. Eu estava farta. Farta da humilhação, farta da pretensão.
"Não, obrigada", eu disse, minha voz surpreendentemente firme. "Eu tenho outros planos." Virei-me e voltei para o meu quarto. Chega de discussões. Chega de implorar. Chega de esperar por migalhas de afeto. Algo dentro de mim, algo macio e complacente, finalmente endureceu. Parecia que uma parte da minha alma tinha sido extirpada, deixando para trás um espaço frio e vazio.
Peguei meu celular, meus dedos voando pela tela. Confirmei o encontro com o Campos Elíseos. Sim, estarei lá.
Vesti meu vestido preto favorito, o único que eu possuía que me fazia sentir remotamente poderosa. Um vestido que eu comprei com minha própria mesada miserável, não a dele.
Quando saí do meu quarto, Heitor ainda estava no hall de entrada, agora abraçando abertamente Letícia. Ele olhou para cima, um sorriso triunfante no rosto. "Saindo tão cedo?" ele perguntou, sua voz pingando condescendência. "Não deixe a porta bater em você na saída, Flora."
Eu não respondi. Apenas passei por eles, de cabeça erguida. Pela primeira vez em anos, o pensamento de deixar esta casa não me encheu de pavor, mas de uma estranha e emocionante sensação de leveza. Eu estava finalmente, verdadeiramente livre.
Chamei um táxi, dando ao motorista o endereço do Campos Elíseos. Enquanto o carro se afastava, olhei para trás, para a mansão, um símbolo da minha prisão dourada. Estava banhada pelo brilho do pôr do sol, uma fachada bonita e traiçoeira. Eu a estava deixando para trás, e não senti um único pingo de arrependimento. Minha nova vida, por mais incerta que fosse, me chamava.