"Ela está apagada, certo?" A voz de Keyla, leve e arejada, soou claramente. "Você se certificou de que ela não acordaria?"
"Não se preocupe, meu amor", a voz de Guilherme estava tingida de uma ternura que ele não me mostrava há meses. "Ela não vai se mexer. Ela é pesada o suficiente para dormir através de qualquer coisa." Uma pausa. "Além disso, ela é tão patética quando está assim. Tão fraca."
Fraca? Patética? Meus olhos, ainda fechados, ardiam com lágrimas não derramadas. A dor de suas palavras era um eco surdo em meu estado dopado.
"Bom", Keyla ronronou. "Porque você é meu, Guilherme. Só meu. Você promete?"
"Sempre", ele suspirou, um som de devoção absoluta. "Você é meu único e verdadeiro amor, Keyla. Ela não significa nada para mim. Apenas uma distração conveniente."
Uma distração conveniente. As palavras me atingiram como um golpe físico, mesmo através da névoa. Minha última gota de esperança, de que talvez houvesse algum mal-entendido, alguma explicação para sua crueldade, evaporou. Tinha ido embora. Substituída por um vazio vasto e ecoante.
Senti um tremor na cama, um farfalhar suave de lençóis. Uma onda de náusea me invadiu. Meu corpo, apesar de seu estado dopado, reconheceu a intimidade familiar que começava a se desenrolar ao meu lado. Os sons, os movimentos, o cheiro opressivo. Meu coração martelava, mas era uma batida fria e distante. Eu estava entorpecida. Totalmente, completamente entorpecida.
Lentamente, agonizantemente devagar, a névoa em meu cérebro começou a se dissipar. Meus membros pareciam menos pesados. Eu podia sentir a textura áspera dos lençóis contra minha pele. Eu podia ouvir mais claramente agora, as vozes mais distintas.
"Tem certeza de que ela não tem nada no celular dela?" Keyla perguntou, sua voz tingida de uma ansiedade súbita. "Aquela gravação de mais cedo... se ela pegou alguma coisa, pode me arruinar. Nosso contrato é blindado, Guilherme. Se minha reputação for atingida, é uma penalidade financeira enorme."
Guilherme riu, um som desdenhoso. "Relaxe, Keyla. Eu peguei o celular dela. E ela é estúpida demais para fazer algo inteligente com ele de qualquer maneira. Ela é apenas uma estudante de pós-graduação ingênua. O que ela poderia ter que importasse?"
Minha respiração falhou. Meu celular. Meu velho celular pré-pago. Estava enfiado entre o colchão e a cabeceira, onde eu o escondi antes que ele voltasse para o quarto. Mas meu celular do trabalho... aquele com todos os dados da pesquisa... ainda estava no meu bolso. Eu tinha que protegê-lo. Ele continha a cura. A cura dele. O trabalho da minha vida.
Movi-me ligeiramente, testando minhas habilidades motoras. Ainda lento, mas melhorando. A voz de Keyla estava mais perto agora. Ouvi o farfalhar de seu vestido. Ela estava saindo da cama.
"Onde está?" Keyla exigiu, seu tom afiado. "O celular do trabalho dela. Ela estava segurando mais cedo. Dê para mim."
"Keyla, relaxe", Guilherme murmurou, ainda meio adormecido. "Provavelmente está na bolsa dela ou algo assim. Não importa."
"Importa sim!" ela sibilou, sua voz subindo em pânico. "E se ela gravou algo importante? O instituto pode estar envolvido! Não posso arcar com mais escândalos!"
Senti uma mão tateando ao meu lado, sondando meus bolsos. Meu coração saltou para a garganta. Eu tinha que agir. Com uma onda de adrenalina, apertei a mão sobre o bolso, protegendo o aparelho.
"O que você está fazendo?" eu disse, minha voz rouca, surpreendentemente alta.
Keyla gritou, pulando para trás. "Ela está acordada!"
Guilherme se levantou de um salto, seus olhos arregalados de choque. "Elisa? Como... como você está acordada?"
Eu o ignorei, meu olhar fixo em Keyla. Ela se lançou novamente, seus olhos selvagens, desesperados. "Dê para mim! Dê-me esse celular!"
Virei-me, rolando para fora da cama. Minha cabeça girou, mas segurei o celular com um aperto mortal. Keyla agarrou meu braço, suas unhas cravando, tentando abrir meus dedos. Tropeçamos, uma dança caótica de pânico e desespero. O quarto inclinou. Ouvi um estalo doentio.
Atravessamos o parapeito da varanda do segundo andar.
Uma sensação aterrorizante de queda livre. O ar passou zunindo por meus ouvidos. Minha mente, mesmo em seu estado dopado, moveu-se instintivamente para proteger. Meus braços voaram para o meu abdômen, protegendo a vida frágil que crescia dentro de mim.
Um baque chocante, de quebrar os ossos. A dor explodiu em meu corpo, uma agonia branca e quente que consumiu tudo. Arfei, um som irregular e desesperado.
Através da névoa de dor, vi Guilherme. Ele estava se arrastando, não em minha direção, mas em direção a Keyla, que gemia a alguns metros de distância, segurando o braço. "Keyla! Você está ferida? Minha querida, você está bem?"
Ele nem olhou para mim. Nenhuma vez. Eu era um monte amassado de dor e desespero, sangrando no pátio de pedra fria, e ele olhou através de mim. O abandono, a indiferença total, foi um golpe final e esmagador.
Meu mundo escureceu.
Quando abri os olhos novamente, o cheiro estéril de antisséptico encheu minhas narinas. Eu estava em uma cama de hospital, os lençóis brancos e impecáveis um contraste gritante com a dor latejante em meu baixo-ventre. O relógio digital na parede marcava 3:47 da manhã.
Guilherme estava sentado em uma cadeira de visitante, a cabeça baixa, o rosto pálido e abatido. Ele olhou para cima, seus olhos encontrando os meus. Um lampejo de algo - arrependimento? culpa? - cruzou seu rosto.
"Elisa", ele sussurrou, sua voz rouca. "Graças a Deus você está acordada. Você me deu um susto tão grande." Ele se levantou, vindo para o meu lado da cama. "Você caiu. Foi um acidente. Keyla... ela acidentalmente te derrubou."
Um acidente. Suas palavras eram uma mentira doentia. "Não", eu murmurei, minha voz fraca. "Não minta para mim."
Ele se encolheu. "Elisa, por favor. Não vamos fazer um grande alarde sobre isso. Você vai ficar bem. Apenas alguns hematomas, uma concussão leve. Os médicos disseram que você vai se recuperar completamente." Suas palavras foram apressadas, desdenhosas, encobrindo o horror do que havia acontecido.
Meu olhar endureceu. Eu não o deixaria controlar essa narrativa. Eu não o deixaria descartar minha dor. Eu me recuperaria. E então, eu o destruiria. Eu protegeria meus bens, cada centavo do legado Morton que ele tão descuidadamente descartou. Eu iniciaria uma separação estratégica, depois me divorciaria dele, cortando-o da minha vida, total e completamente.
Guilherme suspirou, passando a mão pelo cabelo. Ele caminhou até a porta, pegando o celular. "Preciso fazer uma ligação", ele murmurou, saindo para o corredor.
Sua voz era baixa, mas eu a ouvi. "Não, não, querida, não se preocupe. A Elisa está bem. Ela está apenas... sendo dramática. Ela queria algo, algum tipo de acordo. Mas eu vou resolver isso. Ela não vai receber um centavo."
Ele estava me oferecendo dinheiro para amenizar as coisas. Para descartar a violência, a traição, a perda. Cerrei os dentes. Ele achava que podia comprar meu silêncio, meu perdão. Ele estava errado.
"Meu celular", eu disse, minha voz mais forte agora, quando ele voltou ao quarto. "Onde está?"
Ele hesitou, evitando meu olhar. "Seu... celular? Ah, provavelmente foi danificado na queda. Não se preocupe, eu compro um novo para você. O último modelo."
"O conteúdo", insisti, minha voz uma lâmina de aço frio. "Os dados do meu celular do trabalho. Se algo acontecer com isso, Guilherme, eu o responsabilizarei pessoalmente. Não é apenas minha reputação que está em jogo. É algo muito mais importante."
Sua expressão mudou, de preocupação fingida para suspeita fria. "Do que você está falando? O que poderia ser tão importante no seu celular de estudante de pós-graduação?"
"Você vai descobrir", prometi, minha voz desprovida de emoção. "Você vai descobrir exatamente o que tem nele."
Ele me encarou, seus olhos se estreitando. "Você está me ameaçando, Elisa? Depois de tudo que eu fiz por você?"
"Estou afirmando um fato", contrapus, encontrando seu olhar de frente. "E se você continuar a dificultar as coisas, vai se arrepender."
"Dificultar?" ele zombou. "Você é quem está sendo difícil! Você é uma interesseira, Elisa, fingindo ser uma acadêmica inocente. Eu vejo você agora. Você está apenas tentando me extorquir dinheiro!"
Fechei os olhos, uma onda de exaustão me invadindo. "Quero ter alta", eu disse, minha voz mal passando de um sussurro. "Agora."
Ele hesitou, depois assentiu com relutância. "Tudo bem. Mas não pense por um segundo que você vai sair impune."
Ele saiu, murmurando algo em voz baixa. Uma enfermeira entrou, seu rosto sério. Ela segurava uma prancheta, seus olhos cheios de uma pena profunda e perturbadora.
"Sra. Harvey", ela começou, sua voz suave. "Nós... nós fizemos tudo o que podíamos. Mas a queda... e o impacto... você sofreu um aborto espontâneo."
O mundo inclinou novamente. Aborto espontâneo. A palavra ecoou no quarto estéril, crua e devastadora. Meu bebê. Nosso bebê. Se foi. A vida que eu instintivamente protegi, a pequena centelha de esperança que eu, sem saber, abrigara em minha hora mais sombria, extinta.
Uma lágrima escorreu do canto do meu olho, traçando um caminho pela minha têmpora. Mas não foi um choro de desespero. Foi uma lágrima de resolução sombria. Não havia mais volta agora. Nenhum compromisso. Nenhuma segunda chance.
Alcancei debaixo do meu travesseiro, pegando meu velho celular pré-pago. Com os dedos trêmulos, apaguei a mensagem condenatória de Caio, aquela que confirmava a identidade de Keyla. Aquela que provava a traição de Guilherme. Ninguém jamais teria isso. Ninguém jamais entenderia verdadeiramente a profundidade de sua crueldade.
Um conforto cruel e sombrio se apoderou de mim. Não havia mais nada a perder. Nenhuma vida inocente para proteger em segredo. Apenas o caminho frio e duro da retribuição.