Capítulo 4 3 Annie

Eu me arrasto pela calçada, apoiada na parede, meus pés descalços estão tão inchados que nem posso senti-los mais. Sem querer, eu esbarro em uma senhora bem vestida, que passa por mim na rua. Ela tampa o próprio nariz com uma das mãos e me olha com nojo. Todas as outras pessoas que estão passando ali tomam cuidado pra desviar de mim.

É algo humilhante, porém eu não consigo me importar. Não tenho condição psicológica pra isso. Nem tempo.

Estou quase chegando. É a única coisa que passa por minha cabeça. Repito a frase como um mantra.

Sei que eu estou com febre. Eu não como há muitos dias, nem mesmo posso me lembrar de quando foi que acabou minha água. Eu me lembro de ter ganhado a garrafa de um caminhoneiro, ao passar em frente a um posto de gasolina. Ela estava bem gelada quando ele me deu. O líquido queimou minha garganta quando tomei o último gole, muitas horas depois do primeiro.

Falta pouco agora, eu repito pra mim mesma ao sentir uma nova vertigem. A minha mente tenta me convencer a descansar, sentar por uns cinco minutos ou por uma hora talvez. Mas eu não o faço. Em algum lugar da minha mente, eu tenho conhecimento de que se eu parar, eu não terei mais condições de retomar a caminhada. Eu estou tão perto agora.

Não posso desistir.

Como eu queria que o sol não estivesse tão forte. Esta cidade nunca faz calor, nunca mesmo. Não me parece justo que entre todos os dias, logo hoje tinha que fazer.

Eu faço uma curva, virando em uma esquina e meu estômago se contorce gritando por causa da fome. Há muitos restaurantes no decorrer desta rua, pelo movimento que posso observar neles, eu imagino que seja hora do almoço.

Minha última refeição foi alguns palitos de batata frita que eu encontrei no banco de uma praça, por onde eu passei ontem durante à noite.

Lágrimas rolam pelo meu rosto, contudo sigo meu caminho. Não há espaço na minha mente pra me ocupar com mais de um pensamento ou com lamentações.

Eu preciso focar em chegar ao meu destino. Só então eu poderei dormir. E comer. Talvez eu até consiga algo pra fazer a dor parar.

Não sei se é por causa da febre que estou, ou se é por causa da falta de alimentação, mas eu vejo as pessoas e carros como se eles estivessem tremulando à minha frente e ao redor de mim. Eles se transformam em dois e depois voltam a ser um.

Eu posso ouvir algumas buzinas que incomodam o meu ouvido, também ouço pessoas que fazem comentários maldosos a meu respeito. No entanto, eu continuo andando. Um passo de cada vez. Eu sinto que a minha cabeça está tão pesada.

Eu viro em mais uma esquina. Então eu estou na avenida certa. Eu estou quase lá. Só preciso aguentar mais um pouco.

Meus olhos mal conseguem permanecer abertos. Os meus joelhos estão falhando. Eu me apoio na parede a meu lado, respiro fundo e ando. Quase lá . Mais alguns passos e eu já posso ver.

O prédio cinza. Ali está. Parece que é feito de aço inox, talvez seja, ou não. Ele brilha. E eu posso jurar que o prédio reflete o sol fazendo com que a temperatura suba ainda mais. Ou talvez, isso seja uma sensação causada por minha febre. As pessoas que vejo passarem por estão usando casacos. Não deve estar tão quente quanto eu sinto.

Atravesso a rua, estou quase na entrada do prédio. Já consigo imaginar o frescor do ar condicionado tocando meu corpo e aliviando a ardência em minha pele.

Mais um passo, dois passos, três, quatro, e uma parede. Hã? Não deveria ter uma parede na metade da calçada. Eu olho pra cima e enxergo uma gravata.

Eu não colidi com uma parede, isso é um homem. Desvio dele e tento dar outro passo na direção da entrada do prédio. Ele se coloca, novamente, na minha frente, me impedindo de avançar.

Estou tão fraca. Não consigo falar, eu apenas aponto pro lugar onde quero ir, levantando meu braço como consigo e esticando o dedo indicador. Espero ser o suficiente para que ele me entenda e saia da minha frente.

- Você não pode entrar aqui. Some!

Ele está me ameaçando. Eu acho. Não. Ele não pode me impedir agora que eu finalmente cheguei. Eu tenho que entrar.

- Dimitri. - Sussurro. Mas acho que as palavras ficam só na minha cabeça. Eu não sou capaz de emitir som algum. Estou tão fraca.

Outra vez tento desviar do homem. Um segurança, eu acho.

- Você não vai entrar! Não me obriga a usar a força, moça. Vá embora.

Passo a chorar convulsivamente. Eu preciso entrar, preciso do Dimitri. Soluço. Eu sinto que eu vou morrer se eu não chegar até ele. Me sento encostada na fachada do prédio vizinho. O segurança ainda me olha atravessado, mas ele parece satisfeito por eu ter saído da direção da porta.

Fico ali sentada, sem forças pra fazer nada. Sem condições sequer de pensar em uma forma de fazer Dimitri saber que estou aqui. Apenas fecho os olhos e faço uma quase prece. "Por favor, Deus".

Um carro para na entrada da empresa e vejo um careca descer e dar volta no carro indo pra calçada.

Aaron.

Por favor, olhe pra mim. Por favor, olhe pra mom.

Tudo fica escuro de repente.

            
            

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