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O mar rugia embaixo de mim, como uma fera selvagem e incontrolável, enquanto eu permanecia no convés, sentindo o vento gelado chicotear meu rosto e meu pijama de cetim vermelho. A cada balanço do navio, eu me agarrava a qualquer coisa que pudesse para não cair. Não eram só as ondas que me desestabilizavam, mas também o caos absoluto dentro da minha cabeça.
Minha mão ainda repousava no colar em volta do meu pescoço, como se o toque dele pudesse me trazer respostas. A pedra da lua, agora brilhando levemente sob a luz difusa do céu nublado, parecia pulsar ao ritmo do meu coração. Os detalhes no metal prateado que o envolvia, pequenos símbolos e runas, pareciam quase... vivos. Olhando para ele, era como se eu pudesse ouvir ecos de vozes distantes, murmúrios incompreensíveis, mas carregados de uma força antiga que eu não sabia decifrar.
Enquanto eu me perdia no fascínio estranho do colar, fui abruptamente trazida de volta à realidade pela voz do capitão.
- "Você vai ficar aí parada, senhora, ou vai dizer de onde diabos veio?" - Sua voz era um misto de irritação e autoridade, mas havia algo mais, algo que ele escondia sob sua postura rígida: curiosidade.
Ergui os olhos para ele, ainda tentando processar o que ele havia perguntado. O capitão era a própria imagem da disciplina e comando. Seu uniforme azul marinho, com bordados dourados desbotados, estava impecavelmente ajustado, apesar do desgaste visível nas bordas. As botas de couro polidas brilhavam, mesmo cobertas de sal. Mas o que mais me impressionava era a maneira como ele me olhava. Seus olhos azuis, intensos como o oceano, pareciam atravessar minha alma, buscando respostas que eu mesma não tinha.
- "Eu... Eu não sei," gaguejei. "Eu estava em casa e... algo aconteceu. Não faço ideia de como vim parar aqui."
Ele franziu a testa, seu olhar pairando no colar em meu pescoço. Por um momento, achei que ele fosse perguntar sobre isso, mas então ele desviou o olhar para o mar, onde os ecos de tiros de canhão ainda podiam ser ouvidos à distância.
- "Certo. Vamos resolver isso mais tarde," disse ele, com um aceno brusco. "Por agora, você fica aqui e não faz nada que me obrigue a jogar você ao mar."
Eu não sabia se ele estava brincando ou não, mas não tive tempo de responder. Antes que pudesse processar o que ele havia dito, uma voz familiar e provocadora soou atrás de mim.
- "Ora, ora, parece que a dama perdida conseguiu chamar a atenção do capitão. Isso deve ser um recorde."
Virei-me e vi James. Ele estava encostado em uma pilha de barris, os braços cruzados sobre o peito. Seu sorriso de canto era tão irritante quanto atraente, um contraste perfeito com os olhos castanhos escuros que pareciam sempre observar demais. Ele não era tão imponente quanto o capitão, mas sua presença era impossível de ignorar. Havia algo nele que me deixava inquieta - talvez fosse o fato de que ele parecia sempre um passo à frente, como se soubesse exatamente como me desarmar.
- "James," murmurei, o nome saindo dos meus lábios antes que eu pudesse evitar.
- "Ah, ela sabe meu nome," ele respondeu, com um sorriso ainda mais largo. "E aqui estava eu pensando que você só tinha olhos para o nosso querido capitão."
- "Eu não tenho paciência para suas brincadeiras agora," retruquei, cruzando os braços, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.
Ele arqueou uma sobrancelha e se aproximou, seus passos leves, mas cheios de propósito. A cada passo, senti meu desconforto crescer.
- "Brincadeiras? Quem disse que estou brincando? Você caiu literalmente do céu, com esse colar brilhante no pescoço e roupas que..." Ele fez uma pausa, olhando para o meu pijama de cetim. "Bem, digamos que são um tanto... inadequadas para o século XVIII."
- "Eu não escolhi estar aqui!" explodi, minha voz saindo mais alta do que eu pretendia.
James parou, a poucos centímetros de mim, e inclinou a cabeça, como se estivesse me estudando. Ele não parecia incomodado com minha explosão; na verdade, parecia quase... satisfeito.
- "Interessante," ele murmurou. "Você realmente não tem ideia do que está acontecendo, não é?"
Antes que eu pudesse responder, ele estendeu a mão e, com um movimento rápido, segurou o colar em volta do meu pescoço. Seus dedos roçaram a pedra, e eu quase gritei de susto. Assim que ele tocou a superfície lisa, o colar brilhou mais forte, e um som baixo, como o de uma batida de tambor distante, preencheu o ar.
James deu um passo para trás, seus olhos arregalados de surpresa.
- "Isso... Isso não é normal," ele disse, sua voz mais séria agora.
- "Você acha?" retruquei, minha mão indo imediatamente para o colar, cobrindo-o.
O capitão, que havia observado a interação à distância, agora se aproximava. Ele olhou para mim e depois para James, sua expressão mais severa do que nunca.
- "Chega," disse ele, sua voz cortando o ar como uma lâmina. "James, volte ao seu posto. E você..." Ele olhou para mim, seus olhos azuis brilhando com algo que eu não conseguia identificar. "Venha comigo. Temos muito a conversar."
Enquanto o capitão se afastava, eu olhei para James, que ainda estava parado, me observando com aquela mistura irritante de curiosidade e diversão.
- "Boa sorte com ele," disse James, um sorriso travesso nos lábios. "Você vai precisar."
Eu o ignorei e segui o capitão, sentindo o peso do colar em meu pescoço e o olhar de James queimando nas minhas costas. Algo me dizia que isso era apenas o começo.
Segui o capitão pelo convés, sentindo o olhar de James ainda fixo em mim. Cada passo que eu dava parecia mais pesado, como se o peso do colar e do olhar avaliador de todos à minha volta estivesse me puxando para baixo. O céu cinzento continuava ameaçador, e o cheiro salgado do mar misturava-se com o de madeira molhada e pólvora.
O capitão me levou até sua cabine, que era tão imponente quanto ele. A porta rangeu ao ser aberta, revelando um espaço que parecia uma combinação de austeridade militar e refinamento inesperado. Um grande mapa marítimo cobria a mesa central, com marcadores em lugares que eu não reconhecia. As paredes eram decoradas com espadas, instrumentos náuticos e um retrato de um homem idoso que parecia carregar o mesmo ar de autoridade que o capitão.
Ele fechou a porta atrás de mim e cruzou os braços, encostando-se na mesa. Pela primeira vez, percebi algo além da rigidez: um cansaço oculto, como se ele carregasse mais do que o peso de um navio nos ombros.
- "Agora que estamos longe dos olhos curiosos da tripulação, talvez você possa me explicar o que é isso." - Ele apontou para o colar em meu pescoço, sua voz mais baixa, mas não menos firme.
- "Eu já disse que não sei," respondi, tentando manter minha voz estável, embora meu coração estivesse disparado.
- "Difícil de acreditar," ele disse, estreitando os olhos. "Você aparece do nada, no meio de um ataque, usando algo que parece... importante."
- "Eu não pedi para estar aqui," rebati, meu tom mais afiado do que eu pretendia. "E você acha que isso é importante? Porque tudo o que está me trazendo é problema."
Ele ficou em silêncio por um momento, seus olhos fixos nos meus. Então, para minha surpresa, ele suspirou e descruzou os braços, caminhando até uma pequena prateleira onde repousava uma garrafa de rum e dois copos de vidro. Ele serviu uma dose para si mesmo e outra para mim, mas não ofereceu diretamente - apenas deixou sobre a mesa, como se quisesse testar minha reação.
- "Qual é o seu nome?" - perguntou ele, finalmente.
- "Sofia," respondi, pegando o copo mais por impulso do que por vontade de beber.
Ele assentiu, como se quisesse gravar meu nome.
- "Sou o capitão Edward Drake," disse ele, inclinando levemente a cabeça, um gesto que quase parecia uma saudação. "E este é meu navio, o Vento do Norte. Se você quiser sobreviver por aqui, é melhor entender uma coisa: todos têm um papel. Então, até que eu descubra o que fazer com você, quero que fique fora do caminho."
Eu não sabia se era a firmeza na voz dele ou o fato de que, apesar de tudo, ele parecia genuíno em sua preocupação com o bem-estar do navio, mas algo me fez assentir em silêncio.
Antes que pudesse responder, a porta se abriu de repente, e James entrou sem cerimônia.
- "Capitão, precisamos... Ah, parece que interrompi algo." - Ele parou, um sorriso malicioso se formando em seus lábios enquanto olhava de mim para Edward e depois para o copo na minha mão.
- "James," disse Edward, o tom de voz mais frio que nunca. "Eu disse para você bater antes de entrar."
- "Sim, claro, mas pensei que talvez fosse algo urgente, sabe, considerando que temos uma dama misteriosa a bordo," respondeu James, recostando-se casualmente contra a porta.
- "O que você quer?" Edward perguntou, claramente sem paciência.
- "Só queria informar que os homens estão ficando inquietos," disse James, seu olhar fixo em mim. "Parece que nossa nova passageira virou o assunto do momento. Quer que eu os acalme, ou prefere que ela o faça?"
Minha boca caiu aberta com a insinuação, mas antes que eu pudesse responder, Edward avançou um passo, ficando perigosamente perto de James.
- "Você está passando dos limites," disse ele, sua voz baixa, mas carregada de ameaça.
James ergueu as mãos em um gesto de rendição, mas o sorriso nunca desapareceu.
- "Apenas fazendo minha parte para manter o moral, capitão," disse ele, antes de me lançar um olhar que parecia dizer divirta-se.
Assim que ele saiu, Edward passou a mão pelos cabelos, claramente frustrado.
- "Ele sempre é assim?" perguntei, ainda tentando recuperar o fôlego.
Edward me olhou por um momento, e algo em seus olhos suavizou.
- "Sempre," respondeu ele, com um pequeno sorriso cansado.
Eu me sentei, deixando o copo intocado sobre a mesa, enquanto tentava processar tudo. O capitão voltou ao mapa, mas sua presença parecia preencher a sala inteira. Ele era um contraste vivo com James: onde este era provocador e imprevisível, Edward era firme, quase implacável.
E ainda assim, ambos pareciam ligados a mim de maneiras que eu ainda não conseguia entender.