UMA DOCE VINGANÇA
img img UMA DOCE VINGANÇA img Capítulo 4 HÓSPEDE parte 2
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Capítulo 8 O COMEÇO parte 2 img
Capítulo 9 NOVO img
Capítulo 10 VISLUMBRE DE PAZ img
Capítulo 11 PONTAS SOLTAS img
Capítulo 12 LIGAÇÃO img
Capítulo 13 13. ENTRELAÇADOS img
Capítulo 14 Recomeço img
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Capítulo 4 HÓSPEDE parte 2

O silêncio pairou em todo o caminho até a minha casa. Depois de estacionar Raquel me acompanhou até a porta da frente, a primeira coisa que vi ao abrir a porta foi mais uma almofada destruída no chão. Essa era a última, Holly tinha destruído todas as almofadas daquela casa, tinha espumas de enchimento espalhadas por todo lugar. Talvez eu devesse ter pensando em arrumar a sala antes de trazê-la, mas que se dane.

Uma casa bagunçada ainda era uma casa.

Holly veio até nós abanando o rabo quando entramos, ela passou direto por mim, fiquei pronto para segurá-la se fosse o caso. Holly não costumava ser receptiva com gente estranha, mas a cadela simplesmente se aproximou de Raquel e cheirou seus pés e joelhos. Raquel lhe ofereceu uma das mãos para que cheirasse e ela o fez, deixando uma lambida no local logo depois.

Franzi o espaço entre as sobrancelhas enquanto o observava Holly aceitar carinho na cabeça de uma pessoa estranha.

Cadela maluca.

Agora deu de tratar os estranhos melhor do que eu que cuido dela desde filhote.

- Essa é a Holly. – Pela primeira vez desde que conheci Raquel vi um sorriso tímido se formar em seu rosto enquanto ela acariciava o pelo da cadela traidora.

- Oi, Holly. – A cadela rodeou suas pernas e passou a seguí-la.

- O quarto de hóspedes é por aqui.

A guiei até o cômodo, se não fosse pela dona Janete, que limpava minha casa semanalmente, o lugar estaria mergulhado em poeira e teias de aranha. Não sabia dizer ao certo quanto tempo fazia desde a última vez que recebi alguém na minha casa.

O quarto estava limpo e arrumado, as cortinas presas permitiam que a luz do sol passasse entre o vidro transparente da janela, que até então estava fechada. Eu a abri para que o ar circulasse, Raquel observava tudo com curiosidade.

- A cama é confortável e tem água quente no chuveiro do banheiro da suíte. Há toalhas limpas no armário caso queira tomar banho antes de descansar. Saímos para comprar comida na hora do almoço. – Raquel assentiu, andando devagar até o centro do quarto. Eu a deixei com sua desconfiança e saí do cômodo sem dizer mais nada.

Eu estava intrigado.

Quando entrei no banho me perguntei que porcaria é essa que eu tinha acabado de fazer. Enquanto a água quente descia pelo meu corpo tive uma sensação estranha que eu não tinha há tempos, não conseguia me sentir cem por cento a vontade. Tinha uma mulher na minha casa, uma mulher estranha.

Não era como se eu pudesse circular pela casa sem roupas depois do banho ou agir como se estivesse sozinho. Imaginar a reação da minha família ao saber que tinha uma mulher na minha casa me fez bufar irritado, até explicar que as coisas não eram o que pareciam ser eu teria que aguentar a expectativa no olhar deles e a felicidade sem sentido no olhar de Alice, minha irmã mais nova.

Maldita hora que essa mulher entrou na frente do meu carro.

Depois do banho deitei na minha cama tentando relaxar as costas. Eu queria dormir, havia uma parte do meu cérebro que nunca desligava e que implorava por uma boa noite de descanso, como eu não conseguia ter há três anos. Puxei o ar pelos pulmões, três anos pareciam uma eternidade, eu me via cada dia mais distante da realidade que vivi um dia.

Aquele tempo e todo o sofrimento que atravessei, todas as injustiças me transformaram em uma versão de mim que eu gostaria que não existisse. Havia um buraco no meu peito onde já havia existido um coração um dia, só restou uma ferida que nunca criava casca e parecia longe de cicatrizar. Um vazio enorme que parecia ser maior do que eu e que latejava, não me deixando esquecer de que fui completo um dia e que hoje não tenho mais nada, nada além de dor, solidão, insônia e uma coleção de inúmeras consultas com psicólogos que nunca resultaram em nada.

Vingança era a única coisa que me movia, que me mantinha vivo e respirando. Talvez depois disso eu pudesse ter um pouco de paz, apenas talvez. Eu não tinha nenhuma garantia, mas em paz ou não eu iria fazer aquele maldito pagar por tudo que tinha feito.

Fechei os olhos, quase podendo enxergar o rosto de Lisa, eu sabia que ela jamais aprovaria minha atitude. Minha busca por vingança era desconhecida pela corporação, eu estava fazendo tudo por debaixo dos panos e não tinha mais medo das consequências. Eu já tinha perdido tudo, perder um pouco mais não faria diferença.

Eu queria poder dizer a Lisa que eu não seguiria os conselhos que ela havia me dado por tanto tempo porque eu não era mais o mesmo de antigamente. Agora eu era o que tinham feito de mim, dane-se a corporação. Se eu havia chegado ao extremo de buscar justiça por conta própria era porque a justiça não tinha servido para fazer o seu papel, ou porque a justiça brasileira tratava de permitir com que criminosos subissem ao poder e protegessem outros criminosos.

Tudo que consegui foi fechar os olhos por trinta minutos.

Já passava da uma da tarde quando me levantei, Raquel devia estar com fome e eu havia prometido ir comprar comida. Quando fui para sala a encontrei sentada na ponta no sofá, apesar de ainda vestir as mesmas roupas largas seus cabelos estavam úmidos e um aroma fresco exalava pelo lugar.

Holly, a traidora, descansava a cabeça em suas pernas.

Raquel levantou em um rompante ao me ver, como se tivesse acabado de ser pega fazendo uma coisa errada. Pela visão periférica notei que a sala estava limpa, os restos de almofadas destruídas haviam sido tiradas.

- Eu achei que podia esperar aqui. – Raquel se justificou.

- Tudo bem. – Peguei a chave no carro do chaveiro perto da porta. - Vamos.

- Nós vamos comer aqui? – Perguntou ela antes de sairmos.

- Você quer comer aqui? – Raquel piscou, hesitante. Assentiu confirmando. - Podemos voltar depois de comprar comida. Sabe cozinhar? Podemos ir ao mercado comprar algo para mais tarde assim não será preciso ir comer em outro lugar.

- Eu sei cozinhar qualquer coisa. Eu posso fazer isso. – Disse ela, parecendo aliviada por poder contribuir.

Ao entrarmos no carro eu me dei conta de que não tinha oferecido roupas a ela, talvez por isso Raquel tenha se preocupado em comer em casa e não em um restaurante.

- Antes de comer vamos comprar algumas roupas para você. – Resmunguei ao dar partida com o carro.

- Não. Não precisa, por favor. Não tem que gastar mais comigo.

- Você tem outras roupas? – Eu quis saber.

- Não, mas posso conseguir.

- E por que não comprar? – Argumentei.

- Porque perdi minha bolsa com o dinheiro que eu tinha. Você já comprou remédios, me ofereceu estadia e comida. Não quero que pareça que estou me aproveitando. Posso conseguir doações em igrejas e na vizinhança, não é difícil conseguir algumas roupas.

Eu havia me esquivado de pedir desculpas mais cedo mas julguei necessário fazê-lo agora.

- Me desculpe pelo que eu disse no pronto socorro, eu só estava irritado por ter perdido um... compromisso.

- Não fiz de propósito. – Eu a encarei rapidamente.

- Sei que não, desculpe por ter insinuado que atraía os homens com segundas intenções. Eu não devia ter dito aquilo e não é o que penso na verdade. Não se sinta ofendida, mas eu realmente acho que vai se sentir mais a vontade se comprarmos roupas antes de pararmos em algum lugar para comprar comida.

Eu vi que ela estava considerando aceitar quando falei sobre se sentir a vontade. Ela estava desconfortável com a forma como se parecia, qualquer mulher estaria. Eu tinha um armário cheio de roupas femininas em casa, roupas que eu não queria ver em mais ninguém mas que provavelmente serviriam nela.

Só que eu ainda não estava pronto.

- Só se eu puder pagar de alguma forma. – Ela soltou finalmente.

Dei de ombros.

- Vai cozinhar, não vai?

- Mas não é o bastante. Eu posso ajudar cuidando da casa e mantendo tudo limpo e arrumado.

- Já tenho uma pessoa que faz isso para mim há anos. Não há nenhuma chance de dispensá-la. Mas eu vi que Holly gostou de você, e ela não costuma gostar de estranhos, pode entretê-la enquanto eu estiver trabalhando, quem sabe passear com ela. Holly está com problemas de comportamento.

- Ela parece calma.

- Ela era. Mas ultimamente está protestando por causa do tempo que a deixo sozinha destruindo almofadas e outras coisas na casa.

A sombra de um sorriso apareceu no rosto dela.

- Ninguém gosta de ficar sozinho. Eu posso cozinhar e cuidar dela.

O silêncio pairou no restante do trajeto até pararmos em uma loja de roupas femininas, Raquel não aceitou mais do que três mudas de roupa. Pedi a uma atendente que pegasse algumas roupas íntimas e outros produtos que mulheres poderiam precisar sem que Raquel visse. Não me importava em gastar, eu ganhava razoavelmente bem e não gastava muito com quase nada ultimamente. Além de comprar refeições prontas não havia mais nada que eu sentisse vontade de comprar.

Raquel saiu do provador usando um vestido floral de cumprimento um pouco acima do joelho, a peça abraçava seu corpo até a cintura e tinha um caimento solto na parte da saia. Até aquele momento eu não tinha noção de como era seu corpo, visto que as peças que usou até então eram completamente largas.

Raquel era dona de curvas bem delineadas, seu corpo era farto, sem exageros. Me perguntei por que diabos eu estava olhando.

- Tudo certo? – Perguntei-lhe.

- Sim. – Disse ela, ainda tímida.

- Certo. – Quando a atendente apareceu com as sacolas eu a deixei conversando com Raquel enquanto fui pagar pelas compras.

Eu me sentia cada vez mais instigado a saber mais sobre aquela mulher. Depois de pagar pelas compras encontrei Raquel esperando na entrada da loja, depois de colocar as sacolas no porta malas seguimos para o restaurante mais próximo. Durante o trajeto reparei Raquel encarando um cartão nas mãos.

- O que é isso?

- A atendente pediu para que eu te dar o número dela. Eu... acho que ela gostou de você. – Só podia ser brincadeira, lancei um olhar para Raquel, havia hesitação e receio em seus olhos. - Eu não devia me meter nisso, me desculpa.

- Ela te deu o cartão. Não foi culpa sua. – Raquel piscou duas vezes, concordando. - Coloque no porta-luvas.

Raquel obedeceu, seus dedos delicados tocaram o botão que abria o compartimento, assim que a tampa se abriu Raquel paralisou. Seu peito subiu e desceu enquanto ela puxava o ar devagar, seus lábios se abriram um pouco. Ela estava pálida de novo.

- Tudo bem? – Perguntei-lhe. Raquel engoliu seco antes de me afirmar.

- Sim. – Raquel deixou o cartão no compartimento e o fechou rápido. Ela fez o resto do trajeto em silêncio, senti os olhares que me lançava vez ou outra e quando finalmente paramos no restaurante eu a deixei sair do carro primeiro e abri o porta-luvas procurando o que havia mexido tanto com ela.

Era uma arma. Obviamente eu tinha porte de armas e deixava algumas a postos caso precisasse usar. Uma delas havia acabado de assustá-la.

            
            

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