O barco chacoalhava conforme a velocidade alcançada graças ao motor potente nos fazia quase flutuar entre as ondas. Uma vez no mar podíamos tirar o capuz e foi isso que fiz. Arthur me encarou, me analisando. Eu sabia que ele estava checando minha condição mental, eu tinha esperado por aquele momento por três anos e talvez ele achasse que eu iria surtar agora que estava acontecendo.
- Achei que tinha dito que ela estaria em uma área de mata. – Argumentei.
- Mudança de planos. – Arthur deu de ombros. - Uma ilha é um lugar perfeito, não acha?
Eu tinha que admitir que ele tinha razão.
- Acho que sim.
Passamos os próximos vinte minutos em silêncio, navegando pelas águas escuras graças a falta de luz do sol.
Quando o barco atracou voltamos a cobrir o rosto com capuz e fomos em direção a casa de tamanho médio, era uma casa bonita que parecia de veraneio e fui informado que o local pertencia a um dos caras que estavam com a gente, pelo jeito era a única da ilha.
A vegetação era predominante na ilha, apesar de ficar razoavelmente afastada da casa. Usando lanternas, atravessei a areia com passos decididos, a casa só tinha iluminação porque o sistema era de captação de energia solar. Fui levado até um dos 2 quartos da casa no andar de cima. O cheiro de maresia era predominante no local, em outros tempos sentir aquele cheiro significava que eu estaria de férias, levando minha família para a praia...
Bem, eu tinha perdido tudo.
Assim que adentrei o cômodo vi a garota com as mãos e tornozelos amarrados no chão, em um canto do quarto. Havia um pedaço de tecido amarrando sua boca. Eu cheguei perto, ela se parecia com ele apesar de não ser muito. Seu rosto era fino, os traços delicado e o cabelo longo era castanho escuro, mas ela tinha os olhos dele.
O medo era evidente em seus rosto, ela tremia e os olhos lacrimejaram. Eu me lembrava que minha mulher e filha estiveram da mesma forma enquanto ainda estavam nas mãos do pai dela.
- É ela. – Arthur comentou atrás de mim. Hellen Montenegro finalmente havia sido capturada.
Seus olhos castanhos me acompanharam enquanto eu me abaixava para ficar em sua altura. Seu peito subia e descia em uma velocidade anormal. Eu não tinha sido burro de deixar meus olhos a amostra, seria facilitar para o caso dela tentar me identificar depois. Eu tinha óculos escuros na cor preta e enxergar tudo nesse tom de alguma forma me ajudava a não sentir qualquer tipo de empatia ou algo do tipo.
Tudo que me importava era o sofrimento das mulheres que foram tiradas de mim.
Eu peguei um pedaço de fio que estava caído no chão e o lancei contra seu rosto. A garota gritou com o susto, somente depois sentiu a dor e virou o rosto para mim. Eu tinha conseguido deixar uma marca vermelha em seu rosto, quando eu exibisse a imagem dela para seu pai precisava que ela parece mal.
Estendi a mão na direção dela, a garota recuou, impulsionando o corpo para trás e sendo impedida pela parede. Ela era jovem, devia ter no máximo 25 anos. Segurei seu rosto com firmeza, dando uma boa olhada na marca, duraria algum tempo. Mais dois homens entraram na sala.
- Seguimos com o plano? – Um deles perguntou, sua voz era distorcida por um dispositivo presente máscara, eu apenas assenti, evitando usar a minha voz.
Sem dizer nenhuma palavra eu saí do quarto, um turbilhão de sentimentos caindo em cima de mim como uma cachoeira violenta e impiedosa.
Eu queria entrar lá e matá-la de uma vez, descobrir se a dor que eu sentia iria se aplacar um pouco. Talvez matá-la da forma mais lenta e dolorosa possível me fizesse conseguir colocar uma pedra em cima daquele assunto. Eu queria fazer com aquela mulher o que fizeram com a minha pequena Júlia. O ódio ameaçava tomar conta do último fio de coerência que ainda havia em mim, eu estava desesperado para saciar a minha sede de vingança agora que a chance estava aqui em minhas mãos.
Arthur veio atrás de mim e me encontrou no corredor.
- Ainda não está na hora, vamos só seguir o plano. Em breve teremos o que procuramos.
Eu puxei o ar com urgência enquanto afundava os dedos na arma. Eu tinha que esperar, tinha que seguir o passo a passo que combinamos, afinal não tinha sido o único que tinha perdido alguém.
- Eu preciso ir embora daqui. Agora. – Arthur se apressou em me conduzir até a saída. Sabia que eu estava beirando o descontrole.
Só consegui me acalmar um pouco depois de já estar no barco, atravessando as águas no caminho de volta, mas ainda estava tenso.
Quando pisamos em terra firme eu pedi a Arthur para me deixar dirigir, nós entramos no carro mas eu não fiz nada além de colocar as mãos no volante. Ainda não era tão tarde da noite e por isso um carro ou outro passava pela estrada ao longe, fazendo com as luzes de faróis iluminassem o caminho por onde iríamos seguir em breve.
Arthur não me apressou ou me mandou ligar o carro, ele sabia que meus neurônios estavam fervilhando. Dois caras ficaram na ilha com a garota enquanto o restante veio conosco e já tinham pegado a estrada em outro carro, ao contrário deles, Arthur não tinha perdido nenhum parente. Ele não precisava estar metido nessa confusão, Arthur estava arriscando o próprio traseiro em uma operação paralela apenas para me apoiar.
Ele estava buscando vingança não por aí mesmo e sim por mim.
Ele, Nathan e minha família foram as únicas pessoas que insistiram em ficar na minha vida depois do acidente. Eu me tornei um cara amargo e insuportável, mas eles pareciam ver mais do que isso. Eu costumava ter muitos amigos quando Lisa e Júlia ainda estavam comigo, mas depois que elas se foram eu entendi que não eram meus amigos e sim delas.
Lisa era boa, ela tinha luz própria, era gentil, amorosa e caridosa, tinha um ótimo sendo de humor e era linda feito o primeiro raio de sol tocando o mar no início de uma nova manhã. É claro que ela tinha muitos amigos. Júlia também não ficava atrás, seu jeito espontâneo cativava até as pessoas mais ranzinzas.
Eu só queria elas de volta. Queria ser de novo o homem que eu era antes da minha vida virar de cabeça para baixo.
- Como se sente? – Sua voz grave interrompeu meus pensamentos.
Puxei o ar pacientemente e o soltei enquanto encarava meus dedos.
- Perdido. Sinto que devia meter uma bala na cabeça daquela garota e acabar logo com isso, por outro lado me pergunto se isso vai mesmo ser capaz de me trazer algum alívio porque nada vai mudar. Elas não vão voltar.
- Em partes você tem razão. – Arthur deu de ombros, seu cabelo estava preso em um coque baixo. - Escuta irmão, eu estou te apoiando nessa estrada há um tempo, mas você tem que entender que não pode se segurar nisso como uma desculpa esfarrapada para não seguir em frente. Sabe que é isso que elas iam querer.
Inclinei uma sobrancelha.
- Eu não quero me agarrar a nada. – Neguei.
- Ah, qual é. A quem você quer enganar? Pode até não ter percebido isso mas quando Nathan disse que você se agarra ao fato de não termos pegado o cara ainda para não deixar essa parte da sua vida para trás ele tinha razão.
- Ele não disse isso para mim. – Reclamei.
- Pois é, irmão. Mas é exatamente o que você tá fazendo agora. Talvez seja hora de ver uma coisa que Nathan guardou para você. Mas não conte a ele que eu te disse ou ele vai cortar meu cabelo enquanto eu estiver dormindo.
- É uma boa idéia. Devíamos ter feito isso antes.
- Cortem meu cabelo e eu corto as mãos de vocês. – Resmungou ele.
- O que o Nathan guardou para mim? – Perguntei.
- Vai ter que perguntar a ele para saber.
Girei a chave na ignição, dando partida no carro. Arthur colocou um MPB para tocar no rádio do veículo enquanto fazíamos o trajeto de volta. Eu neguei pensando em como um cara que acabou de voltar de um sequestro consegue voltar para casa ouvindo MPB e cantando junto com a Ana Carolina.
- Você já pode sair. – Quase chutei Arthur para fora do carro quando parei nas redondezas da residência dele. Nunca parar em frente os nossos endereços era uma questão de segurança.
A última coisa que menos queríamos agora era que nossas identidades fossem reveladas.
- A gente se vê amanhã. – Ele abriu a porta do carro. - Espero que ainda tenha todos os móveis no lugar quando chegar em casa.
Implicou ele.
- Tire o seu traseiro de dentro do meu carro porque da minha casa cuido eu.
Arthur saiu, batendo a porta e apoiando o braço na janela meio aberta.
- Olha só para ele, estressadinho. Está precisando relaxar, sabia? A estranha é gata?
Fitei os olhos acinzentados de Arthur.
Eu ia matá-lo.
- Não interessa. – Rebati.
- Ficou na defensiva, deve ser bonita.
Travei o maxilar enquanto estreitava os olhos, minhas narinas dilataram. Segurei a vontade de afundar o pé no acelerador e passar por cima dele.
- Já acabou de se despedir? Ou está me segurando porque quer me dar um beijo?
- Com certeza não. – Arthur riu, se afastando e batendo na lataria do carro. Maldito ogro miserável.
Afundei o pé no acelerador, passei perto da casa de Nathan, eu queria saber o que ele tinha para mim. Tinha algo a ver com a minha família e eu precisava descobrir o que era, mas a residência estava fechada e escura, Nathan e Evelyn não deviam estar lá então eu né confirmei em voltar para casa, não antes de devolver o carro e trocar de roupa.