A Ruiva do Tráfico
img img A Ruiva do Tráfico img Capítulo 5 A dor da despedida
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Capítulo 6 Uma dose de uísque img
Capítulo 7 Escolhas difíceis img
Capítulo 8 De onde vem o poder img
Capítulo 9 Nunca estaremos prontos para dizer adeus img
Capítulo 10 A missão img
Capítulo 11 Novas amizades img
Capítulo 12 Quanto mais você sabe, mais riscos você corre img
Capítulo 13 As vezes é só questão de olhar de fora img
Capítulo 14 Você é sua própria ponte img
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Capítulo 5 A dor da despedida

Já era quase final de expediente quando alguém bateu na porta do melhor neurologista do hospital Madrelinda. O médico olha para o relógio, suspira e fala "pode entrar".

A porta se abre e entra Anderson, com o olhar triste, abatido, parecendo estar no pior dia de sua vida.

- Boa tarde capitão, pode entrar. Como vai?

- Tem sido dias difíceis, doutor...

- Eu imagino.

- A enfermeira falou que o senhor queria falar comigo. Alguma novidade sobre a Sara?

- Ela não tem respondido a nenhum estímulo nos últimos quinze dias. As atividades cerebrais estão cada vez menores... temo que, esteja chegando o momento de você tomar uma decisão.

Anderson coloca as mãos na cabeça, sua dor é visível, algumas lágrimas caem de seus olhos e ele diz:

- Não há mais nada que possa ser feito, doutor? Nenhuma cirurgia mais?

- Fiz tudo que podia ser feito. Eu sinto muito. Esgotamos todas as possibilidades, você sabe... agora preciso que me autorize a realizar mais alguns exames.

- Pra decretar morte cerebral?

- Há um protocolo a ser aberto após esses exames, são processos, podem demorar alguns dias ainda... já conversamos sobre isso. Mas te prometo que Vou estar à frente de tudo, e que se houver 1% de chances eu te aviso imediatamente. Mas não quero que crie falsas expectativas, você sabe o quanto é difícil o quadro dela reverter.

- Sabe, doutor. As vezes acho que ela só não foi ainda por que eu venho aqui todos os dias pedir pra ela lutar mais. Eu falo que ela é forte, que ela vai vencer isso. Digo pra ela que preciso dela aqui, que ela não pode partir e me deixar assim. Falo todos os dias para ela que o tempo está acabando e ela precisa acordar. Mas no fundo, eu sei o quanto ela sofreria por acordar nessa nova realidade. Ela nunca gostou de depender de ninguém pra nada. Sempre correu atrás de tudo que queria, e agora, caso acordasse, seria um vegetal e dependeria totalmente de outras pessoas. Sei que ela não ia querer isso, mas meu egoísmo é tão grande que eu não deixo ela partir. Eu sofro vendo ela naquela cama, dói saber que ela nunca mais será a mesma, mas ela está ali, sabe? Eu vejo ela todo dia, falo com ela, mesmo sem respostas, mesmo sem saber se ela pode me ouvir. Eu toco nela, sinto sua pele... é muito difícil dizer adeus.

- Eu nem sei o que te dizer, é triste para mim também, eu queria muito ter salvo a vida dela, queria muito poder fazer algo ainda para que houvesse esperança. Mas tudo que cabia ser feito pela medicina, eu fiz. Me sinto derrotado, mas sei que o que sinto nem se compara a sua dor. (O médico se levanta da cadeira, vai até Anderson e coloca sua mão em seu ombro, lhe dando um leve aperto com os dedos, em um gesto de compaixão e generosidade, e continua a falar) Procure pensar nas coisas boas, fale com ela sobre os bons momentos. Deixe ela saber que está tudo bem se ela desistir. Você precisa libertar ela.

O capitão tão forte e corajoso, se desmancha em lágrimas diante do profissional, que o ampara, e que mesmo tendo passado por situações parecidas em todos os seus anos de profissão, se emociona e sente também a dor da perda de sua paciente. Anderson sai da sala do médico e caminha novamente pelos corredores do hospital, em direção ao quarto de Sara. Ele abre a porta, entra, fecha novamente. Se encosta na porta fechada, enquanto olha para Sara. A moça não é mais nem sombra do que um dia foi. Seus longos cabelos foram raspados devido a tantas cirurgias. Seu rosto está muito inchado, amarelo, e há aparelhos em sua boca, nariz e garganta. Seus olhos alegres e brilhantes nunca mais se abriram. Sua voz e risada escandalosa nunca mais foram ouvidas. Aquela mulher alegre e radiante não existe mais. Seu corpo, ao qual sempre teve muito cuidado, agora está magro, cheio de escaras e manchas roxas. Anderson sabe que precisa fazer isso. Então, com os olhos cheios de lágrimas se aproxima da esposa. Segura sua mão, com o mesmo carinho de sempre. Passa levemente os dedos por seus hematomas causados pelas inúmeras pulsões para medicação.

- Me perdoa, Sara. Me perdoa por não ser mais forte do que eu gostaria de ser. Me perdoa por te pedir tanto para ser forte, quando eu mesmo já não tenho mais forças. Me perdoa por ser egoísta e não conseguir imaginar minha vida sem você, e não pensar no que você diria se pudesse escolher. Eu sei que se você pudesse escolher, não escolheria ter passado todos esses meses aqui. E de certa forma, me sinto culpado pela sua situação. Você nunca quis ter filhos, você era feliz assim, e defendia a ideia de que mulheres podem sim ser realizadas sem ser mãe. Minha feminista meia boca, como eu costumava te chamar, pra te ver irritada. Eu, um romântico idiota, com o sonho de ser pai. Nossas vidas se cruzaram e depois de tantas idas e vindas por ter pensamentos diferentes, você finalmente cedeu e quis me dar a alegria de ser pai. Eu era tão idiota, que achava que não era possível você me amar como dizia, e não querer ter um filho comigo. Mas eu juro que se soubesse que tudo isso iria acontecer, nunca teria te pedido isso. Eu sempre fui egoísta em tudo, sempre pensei mais em mim, no que eu queria. E desde que você está aqui, tudo que tenho feito ainda é pensar em mim, por isso não te deixo partir, por que não sei o que fazer sem você aqui. Você era minha base, meu lado calmo. A pessoa que eu realmente ouvia quando estava fazendo algo estúpido e podia se dar mal, eram seus conselhos que sempre me pareciam os melhores, e você sempre estava certa. Era irritante a capacidade que você tinha de estar certa, e eu ficava com raiva disso as vezes, por que você era tão centrada, tão previsível, tão maluquinha e ao mesmo tempo, tão responsável. A garota que curtia a vida intensamente, mas que sempre fazia a coisa certa, que nunca saia da linha ou fazia besteiras. Você não gostava de se arrepender do que fazia. Era incrível o dom que você tinha de ver as coisas como elas realmente eram. Era um saco ser casado com a dona da razão, por que eu sabia que você estava sempre certa, e não queria te dar razão em todas as nossas discussões. Eu queria ganhar também as vezes. Embora, eu sempre soube que ganhei muito por ter você. E agora, eu não sei para qual direção andar, por que você não fala mais comigo, você não joga na minha cara o quanto estou sendo idiota em uma decisão ou atitude. Você não manda mais mensagens no meio do expediente me dizendo para ter cuidado, para não fazer coisas estúpidas, coisas que você não faria. Não me diz mais para voltar inteiro para casa. Nem sinto mais vontade de voltar para casa, pra falar a verdade. Está tudo lá, do jeitinho que você deixou. Tem você em cada canto daquele apartamento. Sabe aquele quadro que mandei fazer com sua dedicatória do meu último aniversário? Eu bati nele e quebrei quando soube que você não ia mais acordar, está no chão do corredor, quebrado, e sei que você ficaria muito brava comigo por isso. Não foi intencional, nunca seria. Eu apenas estava muito irritado com o universo e dei um murro na parede, então ele caiu e quebrou. Sei o que você me diria... sabe, Sara. Meus aniversários nunca mais serão os mesmos sem você. Por que nunca foram como eram antes de você. No início eu achava tudo uma grande bobagem quando você queria fazer festa, queria tirar o dia para passarmos juntos, me fazia surpresas e gastava tanto em presentes e comemorações "idiotas", como eu pensava. Mas depois de um tempo, fui vendo o quanto de amor existiam nessas pequenas atitudes, eram detalhes que me encantavam em você. Por que essa era você, e mesmo muitas vezes fazendo o que eu queria, apenas para me agradar, você nunca deixava de ser você, e eu amava isso. Agora estou aqui diante de você para me despedir e nem consigo achar as palavras certas para fazer isso. Eu não sei como fazer isso. Só quero que você saiba, que sou muito grato pelos anos que passamos juntos, por tudo que você foi pra mim, pelo tanto que me ensinou. Sou grato por todo amor que me dedicou, pelo que fez por mim. Por me permitir sentir como era ser pai, por me dar a chance de Segurar nosso filho nos braços, mesmo que tenha sido por um período tão curto. Eu tenho muito orgulho de você, sempre tive. E todos os nossos momentos vão ficar comigo pra sempre. Mas sei que você precisa ir, sei que está cansada de ser forte por mim. Então, meu amor, pode partir. Não precisa lutar mais. Está tudo bem. Eu vou ficar bem, eu prometo.

Anderson se levanta e entre as lágrimas que nesse momento são muitas, da um beijo na testa de sua amada, sabendo que essa será a última vez que a beija sentindo o calor de sua pele. A tristeza em seu semblante é avassaladora. Ele então da as costas, abre a porta e segue pelos corredores que já presenciaram tanto da sua fraqueza nos últimos meses.

                         

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