risco de topar com ele e ser reconhecida de alguma forma.
O pior é que assim que virei o quarteirão, eu o vi. Ele estava
lindo, trajando um terno cinza. Sua bunda fica maravilhosa na roupa
mais justa e seus cabelos estavam sendo levados pelo vento,
mesmo não sendo tão longos. O homem é lindo, quase um deus. Se
não fosse tão arrogante...
Fiquei feliz quando o vi entrar no prédio. E, para disfarçar,
esperei alguns minutos do lado de fora.
Quando trabalho, as horas se passam e eu nem percebo.
Gosto muito do que faço e de onde trabalho. Sou a única mulher no
meu setor e uma das melhores no ramo, assim como Victor, que
agora está me pedindo ajuda com o olhar.
Depois de ser um cavalheiro ao ajudar Ágatha e Mia, ele se
tornou o queridinho delas. É sempre bem-educado, um bom ouvinte,
nunca é desrespeitoso com ninguém, e todas o acham fofo.
Só o observo de onde estou. Geralmente, nós nos vemos no
restaurante, na hora do almoço. Só não quando estou com preguiça,
pouca fome, e opto por comer algo na lanchonete da empresa.
Mas hoje, em uma tentativa inútil de fugir dos meus
pensamentos, escolho ir com ele e suas novas amigas para lá. É
estranho estar no mesmo lugar que as secretárias. Elas são
simpáticas e nunca me olharam estranhamente, nem nada, mas
compará-las a mim neste exato momento seria um crime. Enquanto
estou com uma camiseta simples, uma calça jeans surrada e sapatos
de adolescente do segundo grau, elas estão usando um vestido
bonito, saltos altos, e estão com os cabelos bem feitos, além de
maquiagens elegantes. Até parecem madames, pela forma de agir.
- Vocês não sabem como está sendo estranho o meu
trabalho hoje. - Falou Mia. Está empolgada com o que vai contar.
Ela é a secretária de Ian. Portanto, querendo ou não,
infelizmente, fico curiosa para saber a notícia.
- Por quê? - Perguntou Ágatha. - O idiota do seu chefe fez
alguma coisa? Quero dizer... mais alguma coisa?
- Ele está de bom humor. - Comentou surpresa, com um
sorriso nos lábios pintados de vermelho. - Desejou um bom dia
para mim, pediu "por favor" quando quis um café e não estava tão
grosso como sempre. Será que o pai dele morreu?
- Credo, Mia! Talvez ele só esteja revendo como trata os
funcionários ou tenha transado com alguém ontem. - Disse Ágatha,
fazendo-me engasgar com o suco que bebia.
Todas olham para mim, e Victor ri da minha cara. Nenhum
deles sabe realmente o que aconteceu.
- Seria alguma namorada? - Questionou Mia, pensativa.
- Não mesmo. - Respondi sem pensar, vendo-as lançar
um olhar estranho para mim novamente. - Vocês mesmas dizem
que o homem é um arrogante. Como arranjaria uma namorada que o
suportasse? - Argumentei após minha gafe.
- Pode até ter razão, Emma. Mas, já viu o homem? -
Perguntou o óbvio. - Ele é lindo de morrer e tem muito dinheiro.
Aposto que seu telefone está repleto de número de mulheres.
Ontem, por exemplo, uma delas foi ao seu escritório. Estava tão
irritada que nem esperou que eu anunciasse sua chegada. - A
mulher do telefone, talvez?
- Então, essa está descartada como candidata. - Ironizou
Ágatha.
- Ele ficou chateado e nem sabia do que ela estava falando.
- Mia continua pensativa.
Eu poderia deixar essa passar, mas meus dedos e a burrice
da minha cabeça falam mais alto. Pego o meu celular e digito uma
mensagem para ele, antes de sair do restaurante.
"Deve ter sido divertido lidar com a loira oxigenada ontem."
Surpreendendo-me, Ian responde rápido, como se já
esperasse pela minha mensagem.
"Então, foi você mesmo. Saiba que ela ainda está me irritando.
Por que disse que é minha namorada? Todos sabem que não
namoro."
"Foi exatamente por isso que eu disse. Gostaria de ter visto as
caras dos dois."
"Não foi nada engraçado ter que aturar as bobagens dela quando
me procurou."
Não sei se está irritado ou simplesmente comentando o fato.
"Quem sabe, na próxima, eu esteja por perto para ver como
vai reagir à outra mulher irritada por alguma coisa que eu tenha dito
sobre você?"
"Um momento..."
Os três pontinhos no final de sua mensagem me irritaram, pois
o restante está demorando uma eternidade para chegar.
"Como sabe que ela esteve ontem no meu escritório? Está me
espionando, comprando informações ou...? "
Só agora reflito sobre o que fiz. Antes Ian achava que eu era
uma estranha da rua, mas agora sabe que estou mais próxima dele
do que imaginava. Fico puta comigo mesma e desejo me bater.
"Acho que falei demais."
Desejo apagar as mensagens, achando que assim ele se
esquecerá, porém o estrago já foi feito.
"Você trabalha para mim, não é, passarinho?"
"Você ainda não sabe quem sou, então espero que isso não
me traga problemas, bundão. Além do mais, não estou cometendo
um crime, não é?"
"Se sou seu chefe, não admito que fale comigo dessa forma e
exijo vê-la agora."
Já fiz muita merda na vida e gosto de achar que sou
inteligente, só que isso foi demais. Agora estou quase ferrada.
Tomara que ele não me procure na empresa só para me demitir.
"Acho que está convencido demais, Ian. Não pode me exigir
isso. Apesar de ser meu chefe, não sabe quem sou, e não vou dar a
você a oportunidade de me demitir."
"Não quero demitir você, só saber, finalmente, qual é o rosto da
mulher que está me deixando louco."
"Eu estou te deixando louco? Não me conte piadas! É você
quem está se importando muito com esse mistério. Além do mais,
não vou acreditar que não me demitirá, já que até o momento o que
sei sobre você é que não se permite ser desafiado por um
funcionário. O que quer dizer que não vou dizê-lo quem sou,
bundão."
O momento de silêncio só me deixa ainda mais nervosa. Não
gosto de situações como essa, onde estou sendo pressionada, mas
admito que a culpa é minha.
"Tudo bem, passarinho. Mas saiba que vou descobrir quem é,
querendo ou não, e provarei que sou de confiança, que não vou
demiti-la."
"Boa sorte, então! Não sou fácil de ser achada. E, mesmo se
estiver no mesmo lugar que eu, nunca imaginará quem sou."
"É um desafio?"
"Não, Ian. Não é um desafio. Agora, deixe-me voltar ao
trabalho!"
Guardo o celular no bolso e retorno ao prédio sozinha. Não
quero que, de alguma forma, ele tenha tempo de me achar. Antes de
passar pela recepção, vejo-o encostado na parede de mármore,
olhando para todas as pessoas que passam pelo hall.
Filho da mãe!
Respiro fundo, enfio-me no meio de um grupo de funcionários
que trabalha nos escritórios do andar de cima e tento, a todo custo,
não o olhar. Sinto um frio na barriga incomum quando passo ao seu
lado, mas, como já sei, ele nunca olhará para mim. Nem me nota
quando passo.
Lá no fundo tenho dois sentimentos conflitantes, e um deles é
bem idiota. Queria ser o tipo de mulher que ele notasse. Mas isso
nunca vai acontecer.
Vou direto para o meu setor. Talvez possamos conversar
quando ele me mandar mais mensagens, pois eu não tomarei mais
essa iniciativa. Não quero mais brincar de provocar o chefe. Se, por
algum azar, Ian me achasse, tenho total certeza de que me demitiria.
***
Hoje, correr com Bia tagarelando sem parar no meu ouvindo,
salvou-me de ficar pensando em Ian Novack, meu chefe arrogante.
Ele é como um parasita em meu cérebro, que perturba até os meus
sonhos.
No entanto, agora estou na frente da televisão, olhando para
algo que passa, e não paro de pensar nele. Estou exausta, e nem
mesmo o banho me relaxou depois daquele episódio no trabalho. O
que nem foi grande coisa.
Uma parte de mim deseja ser notada, aparecer em seu
escritório e dizer na sua cara linda tudo que penso, mas a outra,
medrosa e tímida, grita ao meu ouvido, dizendo o quanto seria
ridículo e errado chamar a atenção do chefe depois de tudo que já
fiz. Não é uma boa ideia.
Não me importo se o bundão disse que não me demitiria e
que não foi grande coisa o que falei a ele durante todo este tempo.
Sei que se me visse pessoalmente e concluísse que a Birdpink não é
grande coisa, com certeza se enfureceria e me mandaria embora.
Meu coração vai à boca quando o celular vibra ao meu lado. É
ele, seu nome. Ou melhor, o apelido que o dei. Está grande e claro
na tela.
Luto para não deixar a curiosidade me tomar, só que é
impossível resistir quando a segunda mensagem chega.
"O que está fazendo, passarinho?"
"Se estiver de acordo, podemos sair e conversar pessoalmente."
Ótimo! Ele quer conversar. Mas sabe qual será a minha
resposta.
"Ian, não vai conseguir me convencer a mudar de ideia. Então,
NÃO!"
"Odeio mulheres difíceis. Deve saber que nossa amizade pode
acabar se não me der mais do que pistas. Não sou de gostar quando
não sei das coisas ou com quem estou falando."
Amizade?
"Primeiro: somos amigos? Segundo: como está acostumado a
sempre estar no comando, deve saber que o mundo não gira em
torno de você, bundão. Acho que vai ter que lidar com isso ou,
simplesmente, pararemos de nos falar."
A ideia é boa. Não poderíamos ser amigos porque não faço
amizades com tanta facilidade. Por isso fiquei surpresa ao ver que
ele me considera uma amiga. Acima de tudo, não posso me
esquecer de quem é Ian Novack. Apesar de ser um cara que vive,
aparentemente, estressado com tudo e que pode ser um homem
legal, não é um qualquer, e sim meu chefe.
Na prática, não sou muito de falar e não gosto quando brigo
com as pessoas. Portanto, eu me sinto confortável apenas em falar
com ele por mensagens. Dizer na cara dele tudo que penso é algo
que nunca aconteceria.
"É o que você quer? Porque não quero forçá-la a nada. E, sim,
estou curioso. Mas não pense que estou exigindo nada! Todos
pensam que Ian Novack é só mais um cara babaca que usa as
pessoas, mas não sou sempre um idiota, passarinho. Se acha isso
demais, posso simplesmente me esquecer de tudo, e nunca mais
terá que se preocupar comigo."
Merda! Não é o que quero, mesmo. Na verdade, não sei o que
quero.
"Não quero ser a pessoa que te julga, Ian. Não sei como agir
em relação a isso. Você não é tão babaca quanto pensei ser, mas
ainda é meu chefe. E nem nos conhecemos."
O que estou falando?! Ele não é um futuro pretendente.
"Quero dizer... Não faço amigos com facilidade e não costumo
confiar nas pessoas."
Não obtenho uma resposta rápida. Acho que ele desistiu e
acabo pensando que é melhor assim. Eu não devia ter começado
com essa brincadeira. Teria evitado toda essa confusão.
Quando desligo a tela do celular, sua mensagem chega.
"Também tenho dificuldade em confiar, passarinho, e entendo o
que pode estar sentindo. Você é a única pessoa que realmente fala o
que deseja, sem medo de ser rude ou me irritar. Gosto disso e não
quero perder nossa interação interessante."
Interessante?! Achei que ele odiasse.
"Não fica chateado quando falo essas coisas? Achei que não
gostasse."
"Se fosse com qualquer outra pessoa, eu odiaria, mas você,
passarinho, tem algo que muda isso em mim. Faz eu gostar de
conversar e de ouvi-la dizer o quanto sou errado."
E, novamente, ele me surpreende.
"Então... Somos amigos?"
"É estranho, porque você é meu chefe. Então..."
"Sabe o que é mais estranho? Esbarrar em alguém, ela me achar
um escroto, depois me devolver o celular que deixei cair,
conversarmos um com o outro como se fôssemos íntimos e nem a
conhecer."
Estranho também é gostar de falar com você ou sorrir como
uma idiota só porque quer seu meu amigo.
Tudo fica estranho a cada dia ou a cada mensagem. Ian é
meu chefe e, mesmo dizendo que quer minha amizade, nada
mudaria esse fato. Portanto, para que eu não seja punida
futuramente por algo que venha a fazer, é melhor me esquecer disso.
"Deve estar entediado. Conversar com uma estranha em plena
sexta-feira é algo quase deprimente. Quando se pensa em alguém
como você, mesmo sendo um bundão, imagina-se que não estaria
sentado em um sofá digitando mensagens para alguém que nem
conhece."
E, mais uma vez, fico sem uma resposta imediata. O pior é
que não quero parar de conversar com ele, embora saiba quão
estranho é esse desejo.
"Já faz um tempo que não saio para me divertir, passarinho. Com
meu pai em coma e com todas as responsabilidades em cima de
mim, é difícil achar um momento só meu. É difícil até ir ao escritório,
porque sempre espero uma ligação me dizendo que ele não resistiu."
"Sinto muito, Ian. Sei sobre o acidente, só que de nada além
disso."
"Eu deveria estar no lugar dele agora, mas me recusei a ir ao
evento. E, como ele não poderia deixar de comparecer lá, foi. Mas
queria tanto que eu tivesse ido. Agora, por minha causa, meu pai
pode não resistir."
Eu não faço ideia do porquê Ian está me contando essas
coisas, mas ver um pouco mais do homem arrogante e descobrir que
ele não é isso tudo, está sendo bom, mesmo que no meio dessa
história toda haja algo tão terrível.
"Aposto que ele não pensará assim quando acordar. Você não
queria que aquele acidente tivesse acontecido. Ninguém poderia
adivinhar. Então, deve parar de se culpar. Coisas assim acontecem."
"Por que está me falando essas coisas? Mal me conhece. Acha
que sou a pior das pessoas e, mesmo assim, está dizendo algo para
fazer eu me sentir melhor?"
Não sei se esse é o Ian arrogante ou o que não acredita no
que falei, por não se achar merecedor daquelas palavras. Fico em
cima do muro, sem saber o que responder com exatidão.
"Apesar de não confiar muito nas pessoas, sempre tento dar a
melhor parte de mim. E não acho que alguma força superior tenha
causado tal acidente para lhe punir. Espero que possa acreditar em
minhas palavras."
"Não se ofenda, passarinho! Só não estou acostumado a ouvir
alguém dizer algo ao meu favor. Não sou a melhor pessoa do
mundo, e muitos que estão ao meu redor só querem se aproveitar. É
por isso que estou gostando de você: não é assim."
Acho que ele não soube se expressar. Sim! Quis dizer que
gosta da minha sinceridade.
"Gosto de conversar com você."
Claro. Agora sim.
"Ok, Ian. Já está tarde e ainda tenho que trabalhar."
"Trabalhar? É sexta à noite. Como vai trabalhar?"
Um sorriso sai da minha boca ao ler sua mensagem, que
chegou em poucos segundos. Se eu falar o que irei fazer,
logicamente ele ligará os pontos. E eu não darei tudo de mão beijada
ao meu chefe bundão.
"É um projeto pessoal. Nada de tão importante."
"Sabe, passarinho? Esse seu mistério só me deixa ainda mais
curioso e motivado a te achar."
"Não entendo como não pode deixar isso para lá e seguirmos
com nossa "amizade" em anonimato. Sinto-me mais confiante para
dizer as verdades na sua cara se eu não correr o risco de você
aparecer do nada na minha porta ou me demitir no trabalho."
"Vou repetir mais uma vez, passarinho: não quero demiti-la,
somente acabar com a fantasia que minha cabeça insiste em criar.
Se eu não soubesse que a minha secretaria é tão medrosa, pensaria
que seria ela querendo me enlouquecer por tudo que já fiz."
"Não fantasie! E, eu não sou a Mia. A coitada morre de medo
de ser demitida quando você chega na empresa como um vilão da
Disney, buscando uma desculpa para ser grosso com todos."
"É o que todos pensam de mim? Ótimo! Já não bastava meu pai
me achando um idiota, os funcionários acham que sou um bosta."
"Bem... Confesso que também achei isso quando me derrubou
outro dia. Mas, fique tranquilo! Você é um bundão que não gosta de
ser tão bundão e tenta mudar quando as pessoas reclamam."
"Fico feliz que não me odeie totalmente, estranha. Mas, ainda
assim, sou uma péssima pessoa. E isso irrita a mim mesmo. Na
verdade, só percebi graças a você. E não acho que conseguirei a
confiança deles após meus ataques de fúria."
"Um dia de cada vez, Ian. Só precisa ser mais educado e
menos babaca."
Eu deveria desligar o celular e deixar para falar com ele em
outra hora, porém não consigo tirar os olhos da tela, esperando por
uma mensagem sua. Sinto essa necessidade como se o cara fosse
alguém importante ou algo do tipo.
"Boa noite, passarinho! Pode ir trabalhar no seu projeto pessoal
enquanto eu tento, de alguma forma, contentar-me com a ideia de
nunca saber quem é você."
"Boa noite, Ian!"
Foi difícil desligar o celular. Nas outras vezes em que
conversamos, terminamos as conversas com alguma provocação,
briga ou com ele ameaçando me achar de alguma maneira, mas sua
última mensagem de hoje me deixou pensativa.
Em um buraco escuro dentro do meu peito, sei que quero
dizê-lo quem sou, só para que ele olhe para mim sem ser como um
chefe bravo ou apressado, e sim como uma amiga.