Não acho que o passarinho tenha algum namorado, mas pode
ter algum pretendente.
Hoje, mesmo, senti que deveria sair do meu escritório só para
buscar por uma pessoa que eu nem sabia quem era.
É loucura. Estou ficando louco.
O pior de tudo é que sempre quero mais dela: mais
informações e mais uma mensagem.
Ela foi a primeira mulher que me fez dizer tudo aquilo sobre
mim, porque a maioria que sai comigo só fala banalidades, enche o
saco e me faz desejar que as horas passem rápido. Diferentemente
do que a estranha causa em mim.
Em qual departamento ela trabalha? RH? É uma secretária?
Assistente pessoal? Técnica de manutenção? É um mistério.
Hoje terei uma visitação com um dos nossos novos clientes. O
homem é daqueles que não acredita nas novas tecnologias, mas,
ironicamente, precisa de proteção virtual para os seus dados. Tudo
hoje em dia gira em torno delas, como a internet. Se não se sabe
guardar adequadamente os dados da sua empresa, seja banco,
construtora, etc., corre-se o risco de ser roubado pelos hackers ou,
como os antigos os chamam, "piratas virtuais". Essa gente rouba
tudo que você tem para ganhar.
Apesar de ser difícil gerir números e dados de outras
empresas, meu pai foi um homem muito cuidadoso e sabia que, para
não errar, teria que sempre inovar e buscar novas maneiras de
proteger tais informações.
Minha cabeça oscila entre o trabalho, o novo cliente e a
estranha do celular. Passei a frequentar espaços onde os
funcionários frequentam e a observar tudo e todos. Até agora, dentro
do elevador social, procuro por respostas.
As mulheres lindas com seus terninhos e vestidos justos estão
caladas. Eu não sou o único homem aqui, mas ninguém, nem
mesmo o cara de óculos estranhos, diz um "pio".
Segundo a estranha, todos me acham um vilão. E ela tem
razão. Desde que pus os pés neste lugar, tenho sido um bundão. Fui
muito bem educado com os melhores princípios, e tudo mais, porém
quando estou estressado ou de saco cheio, estouro e não penso
muito nas pessoas ao meu redor.
Agora, eu não quero ser um tarado que está tentando ver uma
parte do corpo de alguma mulher. Sendo assim, impeço meus olhos
de procurarem por um pulso com uma tatuagem de pássaros
voando. É difícil.
Você é um tarado, Ian!
Ela diria isso. Rio do meu próprio pensamento e do da mulher
que, ultimamente, está tirando o meu juízo.
Dou graças a Deus quando chego ao meu andar. O clima no
elevador estava estranho. As pessoas ficam assim quando estão
perto de mim. O que só comprova que sou um homem odiável.
- Bom dia, senhor Novack! - Mia me cumprimentou,
entregando-me meu café antes mesmo de eu entrar no escritório. -
A visita com o senhor Phil está marcada para daqui a dez minutos.
Ele insiste para que o senhor o acompanhe.
"Ótimo!" Como se eu não tivesse outras coisas para fazer!
Phil é o dono de uma das maiores empresas de publicidade
do país, e já fazia um tempo que ele e meu pai estavam conversando
sobre um acordo. O homem demorou para aceitar que uma empresa
como a TEC Corporation poderia proteger o seu dinheiro. Até parece
que ainda vive no século passado, onde tudo era armazenado em
gavetas e escrito em papéis que só juntavam poeira. No novo século,
tudo que fazemos, até mesmo criação de projetos, é colocado em
HD's ou em bancos de dados. Empresas como a dele dependem de
servidores modernos para que nada seja perdido.
Contudo, o que é facilitado, também pode ser uma porta para
roubos. Antes alguém tinha que passar por um segurança armado
para pegar a papelada que poderia arruinar um negócio, como
contratos e muito mais, porém, para isso hoje em dia, é necessário
apenas um bom conhecimento e ferramentas capazes de alcançar
computadores até do outro lado do mundo. Ninguém está seguro de
ser roubado, no entanto dificultamos os idiotas de conseguir esse
feito.
- Ok, Mia. Prepare tudo para mais tarde! - avisei, tentando
não ficar de mau humor só porque um velho amigo de meu pai
precisa da minha presença para acreditar que a TEC Corporation é
capaz de fazer o seu trabalho: cuidar do patrimônio virtual de um
bilionário qualquer. - Remarque a reunião das 10 horas para às 14
horas! Farei o possível para que isso acabe logo.
***
- É muita tecnologia. - O homem está abismado com a sala
onde é armazenada milhares de combinações numéricas que
representam os dados de cada empresa para a qual trabalhamos. -
Nunca vi algo igual.
- Todos os anos essa ala cresce para acompanhar o número
de empresas com quem temos parcerias. - Observo atentamente o
senhor Phil, que se estica, tentando ver até onde vão os
equipamentos da sala. - Tudo é monitorado vinte e quatro horas por
dia e temos um sistema de climatização para que os servidores não
se danifiquem. Além do mais, nossos funcionários são capacitados
para resolver qualquer problema.
- E vocês cobrem qualquer prejuízo se isso acontecer? -
Levanta as sobrancelhas grossas ao me olhar.
- Claro. - Coloco um sorriso no rosto, sendo que não estou
nada feliz. - Sabemos como é importante manter tudo em ordem,
para que nada dê errado, Phil. As manutenções são constantes, e
não é só na sede que temos este extenso equipamento que está
vendo. - Eu o acompanho para fora do local, indo em direção à sala
onde os engenheiros e técnicos trabalham. - Em Los Angeles está
o que meu pai chama de "cérebro". É parecido com o que acabou de
ver, só que cinco vezes maior; e os servidores se comunicam entre
si, permitindo que saibamos de tudo em tempo real, tanto em Nova
York, quanto em Los Angeles.
Sua expressão de surpresa me alegra. Ele é tão difícil quanto
convencer um certo passarinho a me encontrar pessoalmente. Mas,
diferentemente de como é com ela, vou conseguir fechar o negócio
com esse homem.
- Seu pai tinha razão. - chamou minha atenção. - Você é
bom nos negócios e um ótimo negociador.
- Nunca ouvi meu pai falar essas coisas sobre mim. -
Lembro-me da nossa última briga, antes de ele sair irritado do meu
apartamento e ir à festa que eu devia ter ido.
- Ele sempre reconheceu a sua capacidade. Mas, não pode
mentir, dizendo que não era um imprudente com as mulheres. As
notícias saíam sobre você nos noticiários de fofoca. - brincou.
- É. Eu não posso. - Sinto-me ainda mais culpado.
Entramos na sala onde todos trabalham para manter tudo em
ordem. Sem os engenheiros, não somos nada. Ainda não sei como
funciona essa parte, mas também não preciso. Eu cuido da
administração e deixo essa área para os que amam as coisas
confusas que estão nas telas dos computadores agora. O local não é
tão fechado e todos estão em seus lugares, com vários monitores,
fios, e com uma climatização especial. Eu nunca tinha entrado aqui.
Milton é o chefe desse setor, e é ele quem nos explicará tudo.
- Bem... É aqui onde tudo acontece, Phil. Este é Milton,
chefe do setor, e quem realmente sabe o que acontece nessa sala.
O homem baixinho, quase careca e de sorriso que vai de
orelha a orelha, cumprimenta o nosso visitante e logo começa a sua
palestra sobre todo o processo. Eu deveria prestar atenção nisso
também. Não porque iria me ajudar a convencer Phil a nos contratar,
e sim porque gostaria de saber mais sobre tudo, já que agora sou eu
quem administro a TEC Corporation. O problema é que passo o
tempo inteiro tentando achar alguém que não quer ser achada.
Poderia deixar isso de lado e respeitar o anonimato dela, porém é
impossível impedir os meus olhos de buscar por ela, mesmo não
sabendo como achá-la.
Está difícil parar de pensar nessa mulher ou na possibilidade
de estar sendo enganado e, na verdade, estar conversando com um
estranho que sente a necessidade de brincar comigo. Apesar da foto
que recebi do seu pulso, pode ser isso.
Milton e Phil estão andando pelo espaço em minha frente
enquanto eu nem escuto o que eles dizem. Até que uma coisa no
meio do caminho chama a minha atenção. Embora não tenha
inspecionado este lugar, sei que aqui dentro não há tantas mulheres.
Milton me disse uma vez que dentre todos os engenheiros diurnos,
só há uma delas, a melhor entre todos. E estou a uns passos dela
agora. O mais interessante de tudo é que sua nuca, a cor dos seus
cabelos e sua pele clara não me são estranhos.
Eu posso estar ficando louco, já que pareço fantasiar
ultimamente. O passarinho que me perturba é anônimo, portanto
minha cabeça tenta, a todo custo, moldar uma pessoa física para ele.
Mas devo confessar que, em algum momento, já vi tais
características.
Tudo está começando a ficar estranho, pois ela parece
perceber que eu a encaro; toca na nuca com desconforto. Um de
seus colegas me olha com estranheza.
Quando percebo o quão ridículo estou demonstrando ser,
afasto-me, indo de encontro aos dois homens que passeiam pelo
setor de monitoramento.
Pego o meu celular e digito uma mensagem à mulher que está
me deixando louco.
"Você é culpada por estar me deixando louco, passarinho.
Passei a manhã toda andando pela empresa e foi impossível não a
procurar em cada canto. Deve, pelo menos, dizer para mim em qual
setor trabalha, só para me libertar dessa loucura."
É obvio que ela não me dirá, mas, mesmo assim, pedi. O mais
interessante é ouvir o som de uma notificação chegar em um celular
de dentro da sala. É um barulho sutil e breve que esquenta meus
miolos.
Acho que estou ficando louco.
- Devo confessar que não entendi muito bem o que disse,
mas me passou muita segurança. - falou Phil, trazendo-me de volta
à realidade.
A verdade é que a história com a estranha está me deixando
tão fora de mim, que me irrita. Assim, decido que o melhor para a
minha sanidade mental é esquecê-la. Nunca nos encontraremos e
ela continuará brincando com minha cabeça. Já estou cheio.
- Podemos terminar o nosso tour agora. Estou convencido
de que a melhor coisa a se fazer é contratar os serviços daqui.
Confirmo com a cabeça. Preciso voltar ao meu trabalho, às
reuniões intermináveis e à minha breve paz. A última opção sei que
não durará, pois são muitas as questões que me levam ao estresse;
e a tal desconhecida está se tornando uma delas.
Ao passar novamente pela mulher em frente ao computador,
que parece concentrada na tela, sinto outra vez aquela sensação de
semelhança.
- Isso já está indo longe demais. - falei a mim mesmo,
condenando-me.
***
A reunião foi mais do que chata, foi quase insuportável. Já
estive em muitos lugares onde o assunto me desse muito sono ou
onde o palestrante que estava me passando a sua ideia, não
parecesse bom no que fazia.
Mesmo dizendo que me esquecei da mulher, minha mente
idiota me trai. Na verdade, não para de pensar na funcionária que vi
mais cedo, na sala dos computadores. Eu devia ter falado algo e,
pelo menos, visto o seu rosto.
Ao pegar o meu telefone, que havia deixado de lado, vejo uma
única mensagem. É da anônima.
"Acho que isso passou dos limites. Nós dois não podemos ser
amigos e você ainda insiste em me conhecer. E, mesmo eu sabendo
que não é tudo aquilo que os outros falam, ainda me sinto confiante
em apenas conversarmos por mensagens. Acredite: não sou nada
interessante. E você é meu patrão. Querendo ou não, é melhor que
as coisas continuem como estão: relação de chefe e funcionária. Foi
culpa minha começarmos, e até gosto de conversar com você, mas o
problema é que isso esteja atrapalhando o meu e o seu trabalho.
Então, creio que o melhor a fazermos é parar de escrever um para o
outro."
Tenho que reler a mensagem várias vezes para acreditar no
que está escrito. Não era para ser nada de mais, pois ela é uma
pessoa anônima com quem me esbarrei há alguns dias. Não sei
como vive ou quais são os seus princípios, portanto deveria levar
tudo na maior tranquilidade.
Como se, em um passe de mágica, eu fosse me esquecer de
tudo! E, olha que nem foi grande coisa.
Olho as horas e constato que já deveria estar saindo do
escritório. Mas, infelizmente, meu corpo demora a reagir e o silêncio
se torna estranho.
Uma nova mensagem chega em meu celular, que está sobre a
mesa, e corro para ver quem é o remetente. Decepciono-me por não
ser de quem eu esperava que fosse.
"Já faz um tempo que não nos vemos. Que tal aproveitarmos que
estou na cidade e conversarmos um pouco?"
Já estou farto de apenas conversar. Eloísa não é a pessoa
que eu escolheria para uma conversa. Minha intenção com ela é
outra.