Encolho as pernas abraçando os joelhos, apoio minhas costas contra o
azulejo frio da parede. Fecho os olhos sentindo a ardência das lágrimas que
descem por meu rosto. Só peço que pare, por favor. Mais, socos na porta me
fazem pular assustada, amedrontada.
- Por favor, por favor, pare Spencer - imploro.
- Vadia desgraçada. Abre essa porta Cindy. - Socos, e mais socos.
Sinto algo pingando, abaixo a cabeça e vejo as gotas de sangue
manchando o chão de vermelho. Deslizo a mão limpando minha boca, e a
vejo suja com as evidências de mais uma maldita noite.
- Spencer, por favor - suplico, em meio às lágrimas.
- Eu vou te matar, sua puta - grita alto.
Com um último pontapé a porta se abre. Alucinado e fora de controle,
ele entra no banheiro vindo diretamente em mim. Seus dedos enrolam em
meus cabelos e os puxam me levantando do chão. Posso ver em seus olhos
a fúria cega, e tenho certeza de que hoje será meu fim. Grito por socorro,
enquanto sou arrastada como um animal nosso quarto. Os vizinhos não se
intrometem em brigas de casais, não importa para eles se serei morta.
Debato-me tentando fugir de suas mãos, mas é inútil. Além do mais fugir
para onde? Não tenho ninguém, e ele nunca me deixaria partir com vida.
Sou suspensa no ar, e jogada na cama. Seu grande corpo por cima do
meu, me segurando presa entre ele e o colchão. Usando as pernas como
reforço, abre as minhas pernas rasgando em seguida minha calcinha.
Suplico encarando dentro dos olhos verdes, e o sorriso que nasce nos seus
lábios ao enfiar seu pau, me traz a realidade de que ele é um monstro frio e
sem coração.
Suas mãos seguram meu pescoço com força, e a cada arremetida na
minha boceta seus dedos apertam mais forte, me sufocando. Desisto de
lutar, simplesmente aceito o destino.
- Gosta assim, não é? Admite. Eu vi você olhando para o homem que
coleta o lixo. Quer ser fodida igual uma piranha. - Uma mão solta o
pescoço, e desce em direção ao rosto me esbofeteando.
Deus, por favor, acabe com isso. Acabe com isso, por favor. Sem ar,
sufocando aos poucos, pouco a pouco vou perdendo a consciência.
Quando saio na rua, ando sempre de cabeça baixa, ele que escolhe
minhas roupas, só posso sair em sua companhia, sair é quase um milagre.
Quando o conheci na faculdade, gentil, amoroso, bondoso, não fazia
ideia do tipo de pessoa que ele se tornaria. Às vezes acho que o amor me
cegou para enxergar os sinais. Ciúmes, discussões, suas mãos quando
seguravam firme meu braço, mas sempre em seguida um pedido de
desculpas com flores, e lágrimas.
E como uma tola apaixonada, aceitei seu pedido de casamento. Sempre
fui sozinha criada em lares adotivos e ter alguém cuidando de mim desse
jeito era algo maravilhoso, não podia perdê-lo. Os primeiros dias de recém-
casados foram inesquecíveis. Mas quando engravidei tudo mudou. Do dia
para noite meu príncipe encantado se tornou meu carrasco.
Em sua primeira crise me espancou a ponto de perder o bebê.
Sangrando e com fortes dores abdominais fui levada para a emergência e
como uma boa esposa devotada, contei aos médicos como tinha caído da
escada arrumando o sótão. Depois daquele dia as coisas só pioraram.
Violência sexual, agressão física, humilhação verbal.
Perdida em pensamentos, sou pega de surpresa quando Spencer gira
meu corpo me colocando de bruços e monta por cima da minha bunda.
Mordo os lábios a ponto de sangrá-los. Algo duro é enrolado em meu
pescoço e sou montada como se fosse uma égua.
Minha visão vai ficando turva, embaçada. É o meu fim.
Fecho os olhos sentindo alívio, porém uma voz ao fundo sussurra no
meu ouvido que mereço mais, que não posso acabar assim. Reúno forças
que não sabia que tinha, e decido lutar pela minha vida. O ar fugindo dos
pulmões dificultando respirar, me contorço. Distraído com seu ato de
violência, não percebe quando estico o braço até criado mudo e pego a
caneta. Tento mover o abdômen e com um momento de coragem enfio no
seu joelho.
Gritando, Spencer solta a cinta que prendia meu pescoço e rola para o
lado levando as mãos até o ferimento. Respirando fundo, pulo da cama.
- Eu vou te matar, Cindy.
Em pé, nua e sangrando. Procuro a arma que ele esconde em um
compartimento secreto atrás do nosso retrato de casamento. Por vezes fingi
estar dormindo e o vi mexendo. Talvez estivesse só esperando o momento
certo para descarregá-la em mim.
Levanto a arma em punho e miro em sua direção. Olhos que antes
tinham fúria, agora tem medo. Está com medo de mim, querido?
- Você não tem coragem de fazer isso. É só uma puta interesseira. Se
me matar, minha família vai acabar com você.
Engatilho a arma.
- Está com medo?
- Não, e quando eu te pegar. Vai se arrepender - berra entre dentes.
- Quatro anos, Spencer. Aguentei por quatro anos - grito
respondendo de volta.
- Sua vad... - Não deixo que complete a frase.
- CALA A BOCA - berro, apertando o gatilho e disparando três
vezes contra seu corpo.
Solto a arma e ouço o som do baque no chão. Minhas mãos estão
trêmulas, uma onda de pânico percorre meu corpo junto com a dor física.
Fraquejando, me ajoelho balançando o corpo para frente e para trás.
O que vou fazer? O que vou fazer?
Coragem Cindy, coragem.
- Preciso fugir - sussurro.
Levanto arrastando o que sobrou de força, abro a gaveta e pego um
moletom. Não tenho coragem de verificar se está morto mesmo, mais com
três tiros impossível estar vivo. Junto uma mochila com mais algumas
peças, meus documentos pessoais e um pouco de dinheiro que consegui
roubar de sua carteira e guardar ao longo dos anos.
Empurro os cacos da porta do banheiro, e me aproximo da pia. Encaro
meu reflexo no espelho, os hematomas, o sangue, são tudo que vejo. Abro a
torneira e encho as mãos com água, e jogo no rosto limpando os resquícios
do que aconteceu essa noite. Amarro os cabelos em um rabo alto, encaixo a
mochila no ombro. Desviando do corpo desfalecido, saio do quarto indo em
direção à rua.
Ergo o capuz do moletom cobrindo meu rosto, enquanto caminho pela
noite. Não sei como, onde e quando, mas terei uma nova vida. E ninguém
nunca mais irá tocar em mim.
Em frente ao espelho ajeito mais uma vez a gravata borboleta. Porra,
Dylan. Quem se casa usando gravatinha igual de pet shop? Noção zero, sua
sorte que gosto de você. Porque isso é pior que levar um tiro na bunda. Não
é como se já tivesse levado, mas conheço alguns policiais que já levaram e
dizem ser o inferno.
E para piorar a situação, me colocaram com aquela Camilly. Sinto até
calafrios só de pensar naquela mulher. Claramente não nos suportamos, ela
é abusada, depravada e sem educação. O estereotipo feminino que não me
agrada nem um pouco. Mas, prometi para Dylan e Alyssa que não iria
discutir com aquela modelo de Dercy Gonçalves. Sim, não é porque sou
americano que não conheço celebridade famosa internacional. Sou culto,
educado, cavalheiro à moda antiga.
Aquela... Criatura de saia, fode meu psicológico. Ela tem o poder de
acabar com meu dia, só por hoje irei ter paciência. Depois não preciso mais
ver a cara dela e nem seu sorriso largo, os lábios carnudos e rosados.
Caralho, foco Brian. Não faz seu tipo, lembra? Esborrifo mais uma vez o
perfume. Ajeito o casaco do terno e sigo em direção a saída para a garagem.
No parafuso da parede, pego a chave pendurada.
Sento-me atrás do volante, e sigo em direção à igreja. O rádio
instalado com a frequência da polícia anuncia várias ocorrências. Hoje
estou de folga, mas não consigo desligar. Preciso saber o que está
acontecendo na minha área, e o que me aguardará no outro dia.
"Assalto armado com vítima no local. Rua: Barrow street, West
village. Q.A.P?"
Ah qual é? Meu amigo vai casar preciso de um tempo. Sinto muito,
mas não vou atender nenhuma ocorrência. Desligo o aparelho e o silêncio
reina dentro do automóvel.
Conforme me aproximo da igreja, noto a movimentação de carros,
pessoas com trajes de festas. Isso porque seria uma pequena cerimônia para
os mais chegados. É meu chapa, nossa percepção de pequeno e íntimo é
totalmente diferente.
Procuro um local para estacionar, mas não encontro. E como se fosse
um milagre divino, vejo quando um carro acende à seta indicando que está
saindo. Imediatamente giro o volante direcionando na entrada, quando um
híbrido branco entra com tudo na vaga, e pior não se deu o trabalho de dar
seta, roubando meu lugar. Anoto mentalmente a placa.
Ah mas isso não vai ficar assim, eu vou pegar esse desgraçado e ele...
Calo-me na mesma hora que a porta se abre.
Seus cabelos negros e soltos caem sobre os ombros criando uma
cortina sedosa sobre a pele. O vestido vermelho justo ao corpo, marcando
cada curva como se fosse uma segunda pele em contraste com a obra
perfeita, bem diante dos meus olhos.
Meus olhos percorrem da ponta do pé até o último fio de cabelo.
Remexo-me inquieto no banco, mas não consigo desviar o olhar daquela
mistura de deusa com filha do capiroto. Por algum motivo desconhecido,
sinto minha calça ficar apertada ou seria a porra do meu pau inchado e
duro?