Dirijo pelas ruas de Nova York escutando "Pyro – Kings of Leon". E
para completar a vergonha do dia, desafino cantando junto com o cantor,
com o braço apoiado na janela e uma mão no volante. Em vinte minutos
estaciono em frente do prédio. Sabe aquela música que faz parte da sua
playlist e você passaria o dia repetindo por várias e várias vezes? Essa é
uma delas. Então, contínuo sentada esperando que Kings of Leon termine
seu ícone musical. Fecho os olhos, e encosto a cabeça no banco.
Gritos femininos roubam minha atenção. Imediatamente coloco a
cabeça para fora e vejo Yasmim à vizinha de porta com seu namorado. Ele
está segurando-a pelos braços e chacoalhando o pequeno corpo
violentamente. Yasmim tenta se desvencilhar, mas é inútil. Ainda me
pergunto como uma jovem de dezessete anos pode perder tempo com um
traste. Ela súplica pedindo que ele pare. Lembranças nublam meus
pensamentos, me deixando paralisada. Quero sair do carro e ajudá-la, mas
não consigo me mexer. A mesma voz de cinco anos atrás sussurra que tenho
que reagir ser forte mais uma vez.
Buscando forças internamente, pego o celular dentro da bolsa e disco o
número da polícia relatando a agressão. E como sempre informam que iram
mandar uma viatura, mais em quanto tempo? Uma hora, meia hora? Tempo
suficiente para acontecer uma desgraça. Desligo a chamada, e cogito a
hipótese de descer do carro e ir até lá e esfregar a cara desse cretino no
chão.
Através do retrovisor consigo ter uma boa visão da situação, e sou
surpreendida quando o homem ergue sua grande mão descendo uma tapa no
rosto de Yasmim, fazendo a jovem recuar alguns passos para trás. Sem
pensar em nada e cega de raiva, abro a porta com força, e corro até o cretino
pulando nas suas costas. Assustado, ele cambaleia em seus próprios pés.
Com os braços em volta do seu pescoço aperto para sufocá-lo, infelizmente
não tenho força suficiente.
Desesperado, agarra em meus braços tentando me tirar de cima, nem
um guindaste me tira daqui. Grito vários palavrões em seu ouvido e
continuo pendurada. O agressor xinga, esbraveja, enquanto Yasmim assisti
a cena de longe sentada no chão. A luz vermelha e azul reflete na fachada
do prédio, e a sirene soa alto.
Até que enfim.
- Vou processar essa delegacia.
Ouço vozes alteradas vindo diretamente da recepção. Processar-nos
por qual motivo? Penso comigo mesmo enquanto termino o relatório da
promotora Suzana. Estou atrasado com o prazo de entrega, então, decido
que outros podem muito bem lidar com a situação.
- Eu não fiz nada, ele fez. Bateu nela, e a polícia demorou demais,
alguém podia ter morrido.
- A senhorita é testemunha da agressão. E senão ficar calma, irei
detê-la por desacato, entendeu?
OK. Acho que está na hora de intervir.
Clico em enviar o documento, fecho o notebook. Ajeito minha camisa
deslizando as mãos para tirar as marcas do tecido. Abro a porta da sala, e
quanto mais me aproximo da confusão tenho a ligeira impressão de que
conheço aquela voz.
PUTA QUE PARIU! Camilly?
Não consigo evitar que meus olhos percorram seu corpo. Cabelos
soltos, nos pés chinelos de tecido, e de pijama. Na, verdade não posso
considerar isso como pijama. O short é tão curto marcando a bunda que
tenho vontade de arrancá-lo com os dentes, e a parte de cima desperta meu
pau causando os efeitos de uma bomba atômica dentro da calça. Ela não
está usando sutiã? Seus bicos arrepiados marcando o cetim me faz salivar.
Merda. Merda. Merda. A visão de tê-la sobre a mesa com as pernas
abertas, rendida aos meus desejos me enlouquece.
Lembranças da sua boca chupando e engolindo meu pau dentro do
banheiro invadem meus pensamentos. Paralisado, observo de longe
tentando manter o controle para me aproximar. Sheron. Isso, prometi que
não iria ter outra mulher na minha vida e manterei a promessa. Abro dois
botões da camisa para refrescar o calor que está me consumindo. Respiro
fundo, e avanço os passos em direção à confusão.
- Camilly? - chamo por seu nome.
Lentamente ela se virá para trás ao ouvir minha voz. Seus olhos
castanhos se encontram com os meus, e posso ver que ficou tão surpresa
quanto eu. Engolindo em seco, noto que suas bochechas ficam coradas
instantemente. Ergo uma sobrancelha totalmente confuso. Nunca imaginei
que poderia vê-la com vergonha, nem sabia que ela sentia isso.
- Brian? Ah que ótimo você é o delegado, então? - Sua expressão
muda de surpresa para furiosa em fração de segundos.
- Sim, sou. O que está acontecendo? - direciono a pergunta ao
policial responsável.
- Senhor, essa moça é testemunha de uma agressão física. O casal
está prestando esclarecimentos. Mas, não entendo...
- Olha aqui. - Camilly ergue a mão interrompendo o policial. - Ele
bateu na namorada na rua, e eu bati nele. Ele não tem que prestar
depoimento e sim ser PRESO, entendeu? P.R.E.S.O - soletra a palavra
para o policial.
Caralho, como pode ficar ainda mais sexy?
Limpo a garganta atraindo sua atenção, e cruzo os braços fazendo
minha melhor cara de delegado mal.
- Por que está de pijama na rua?
Maldição que porra de pergunta é essa? Perdi a oportunidade de ficar
calado. Foco Brian, a questão aqui é a agressão e não as curvas da meliante.
Inquieto troco o peso do corpo de uma perna para a outra.
- Isso não é da sua conta, delegado - esbraveja entre dentes como
uma leoa furiosa.
Encaro os lábios carnudos, mas não entendo nenhuma palavra, só
consigo lembrar quando esteve envolta do meu membro. Então, tudo
acontece muito rápido. Camilly tem seu corpo girado contra o balcão com
os braços para trás, o policial recita o código penal enquanto pega as
algemas. Avanço sobre ele, seguro seu braço e o empurro para trás.
Cambaleando recua alguns passos e me encara surpreso com a atitude.
- Não toque nela, entendeu? - O som da minha voz em conjunto
com as palavras soa possessivamente. - Dispensado, vou cuidar
pessoalmente da senhorita.
Minhas mãos descem até a cintura de Camilly segurando firme, e
ajudo-a a se recompor, mas não consigo evitar o contato físico. Essa mulher
é como fogo, sempre pronta para incendiar tudo ao redor, o problema é o
estrago que causa no final. Subo suavemente às mãos por suas costas,
acariciando a pele por cima do tecido de cetim. Respirando fundo, seu peito
sobe e desce rapidamente. Sinto a maciez dos seus cabelos nas pontas dos
dedos misturando à fragrância deliciosa de morango. Distraído com a
situação, não notei que atraímos olhares curiosos.
Afasto-me rapidamente, devolvendo aos expectadores uma expressão
cortante e mortal. Camilly permanece calada e encarando o nada a sua
frente.
- Senhor posso registrar a ocorrência? - Catarine empurra a cadeira
e fica em pé atrás do balcão.
- Sim, e você - aponto para a senhorita encrenca. - Vem comigo.
- Limpo a garganta. - VOCÊS NÃO TÊM O QUE FAZER? - grito
dispersando os policiais.
Enfio as mãos nos bolsos da calça, viro de costas, e com passadas
largas entro na minha sala. Encosto no batente e a espero entrar também.
Assim que atravessa a porta, fecho e tranco passando a chave. Puxo a
cadeira e faço gesto para que se sente. Calada, muda, e sem reclamar, ela
senta cruzando as pernas sensualmente para me atormentar. Aposto que está
fazendo de propósito querendo me desestabilizar, mas dessa vez não.
Desvio o olhar, suando frio. Dou a volta por trás do seu corpo, indo até à
mesa e sento-me. Desconfortável, inquieto, e queimando por dentro apoio
os cotovelos na madeira maciça, e encaro seu rosto diabólico.
Algo está diferente. Por que não ergueu a cabeça ainda? Essa não é
uma atitude típica de Camilly Carter.
- O que está errado? Quer dizer, além do fato de se meter em uma
briga na rua, e estar em uma delegacia só de pijama.
- É só que me lembrei do meu... - Calando-se imediatamente não
termina a frase. - Não é da sua conta, delegado. Vai pegar meu
depoimento ou não? Tenho coisas para fazer. Pode ser?
Agora sim, essa é a Camilly que conheço. Ousada, agressiva,
determinada, gostosa. BRIAN. FOCO.
- Conte como aconteceu, quero detalhes. - Digito o código do
sistema, e anoto cada palavra minuciosamente.
Erguendo os braços, ela puxa seus cabelos para cima e faz um coque,
prendendo-os. Alguns fios escapam contornando o rosto, deixando-a ainda
mais sensual. Engulo em seco, observando seus movimentos. Como se
notasse o efeito que causa sobre mim, desliza as mãos pelo pescoço.
PALAVRAS, DEPOIMENTO, SISTEMA.
Tento ao máximo voltar minha atenção para a tela do computador, mas
meus olhos são traidores e não desviam dessa tentação. É isso, estou sendo
colocado a prova, só pode.
- Pronto isso é tudo pode ir - concluo o mais rápido possível.
- Já acabou?
- Sim - respondo.
- Então, vou indo. Obrigado Brian.
O som do meu nome saindo dos seus lábios arrepia os pelos da minha
nuca. Levanto da cadeira, e passo por ela para abrir a porta.
- Por favor, não entre em mais confusão.
- Olha aqui, você não manda em mim, ok? - responde nervosa.
Que caralho é esse? Só quero ajudar essa ingrata. Avanço alguns
passos em sua direção enquanto ela recua para trás até encostar-se à parede.
Espalmo uma mão de cada lado da parede, encurralando-a no meio dos
meus braços. Aproximo o rosto do seu para que possa sentir minha
respiração. Encaro dentro dos seus olhos, e agora quem está engolindo em
seco não sou eu.
- Você não vai se meter em encrenca de novo, senão te coloco em
uma cela e deixo dormir lá. Entendeu?
- Eu não...
Interrompo-a.
- Entendeu Camilly Carter? - digo entre dentes.
Como não reparei antes que suas irises têm rajadas de cor verde? E
assim de perto seu perfume é ainda mais gostoso. Mas essa demônia
consegue puxar a merda para fora do meu controle.
- Si... Sim... Entendi - gagueja.
Abro um sorriso de canto, e desço o nariz até a curva do seu pescoço,
roço suavemente contra a pele, inalando seu cheiro. Ofegante, sinto Camilly
se remexer.
PORRA! PORRA!
Subo os lábios até sua orelha, e sussurro.
- Ótimo. - Para brincar de gato e rato é preciso de dois indivíduos,
senhorita Carter. - Agora vai, tenho coisas importantes para fazer.
Puxo os braços e inclino o corpo para trás, mas Camilly agarra a frente
da minha camisa me puxando de encontro ao seu corpo. Esfregando os
seios no meu peito, ela sorri descaradamente.
- É bem sexy seu lado mandão. Mas, não preciso de você, cuide da
sua vida, Brian.
Ficando nas pontas dos pés, ela roça os lábios nos meus
delicadamente. Em segundos me segurando, em seguida me empurrando
para longe.
- Adeus!
Sem dizer nenhuma palavra a vejo sair da sala rebolando a bunda, os
cabelos escapando do coque e cobrindo suas costas.
Essa mulher vai ser minha perdição.
Atravesso a porta de saída da delegacia, e sinto os raios de sol tocando
minha pele. Fecho os olhos e respiro fundo em uma tentativa de acalmar
meu coração que bate acelerado. Minhas mãos tremem em conjunto com o
resto do corpo, esse delegado é louco. Como se atreve a me tratar daquele
jeito? Primeiro se faz de difícil, depois se rende por inteiro, mas corre igual
diabo foge da cruz, e agora, quer bancar o preocupado? Senhor Delegado
Brian Garcia está precisando de tratamento psicológico, maluco.
Flashs de consciência atingem meus pensamentos, e noto que acabei
vindo até o lugar que mais tenho receio e medo, a polícia. Assassina,
fugitiva, e com identidade falsa, no mínimo trinta anos de reclusão. Quando
decidi que iria cursar a faculdade de direito, Josefy não entendeu o porquê,
já que seria sua herdeira e responsável por administrar seus bens, mas uma
mulher prevenida vale por duas, precisava saber tudo sobre leis e os riscos
que corro caso me encontrem. Por fim, gostei do curso.
Caminhando rapidamente me afasto do prédio da polícia.
Sem carteira, dinheiro, carro, e de pijama, ando pelas ruas de ova York.
Devia ter pedido carona para os policiais, mas não iria dar o gostinho para
aquele ogro rir de mim logo após dizer que não preciso de cuidados. Pelo
menos estou fazendo o exercício da semana inteira, nota mental, nada de
academia.
Depois de uma hora andando a pé, algo me diz que deveria ter
engolido meu orgulho. Meus pés estão em bolhas e as pernas latejando.
Força Camily, você já passou por coisas muito pior que isso. De longe vejo
uma praça, acelero os passos e sento no primeiro banco que encontro.
Exausta tombo a cabeça para trás apoiando na madeira, e encaro o céu
estrelado. Recordo-me das noites que adormeci ao relento sentindo frio,
fome e medo. Acho que nunca serei grata o suficiente a Josefy. Às vezes me
questiono por que demorei tanto tempo para fugir daquele monstro? Medo?
Covardia? Não ter dinheiro? Apoio? Família? Spencer sempre jogava na
minha cara que não tinha como sobreviver sem ele, suas agressões verbais
eram tão fortes quanto às físicas. Para ser sincera acho até que eram as
verbais que doíam mais, minando minha capacidade como ser humano. Dia
após dia, a pessoa falando o quanto se é inútil, imprestável, indesejável, se
torna sua verdade. Infelizmente. Sinto lágrimas rolando por minha face.
Ainda posso ouvir sua voz asquerosa embriagada gritando e me
chamando de vadia inútil. Como em um filme as lembranças da nossa
última noite invadem minha cabeça.
- Camilly? - Levanto a cabeça ao ouvir uma voz grossa e máscula
chamando meu nome.
Meus olhos sobem lentamente encarando um par de tênis, subindo as
panturrilhas a mostra que por sinal são grossas e definidas, e continua
percorrendo as coxas escondidas atrás de um shorts de tecido leve, seguido
de um abdômen marcado na regata justa ao corpo, até chegar ao rosto.
UAU! Luca Ricci - Professor? - questiono boquiaberta com o que
vejo em pé na minha frente.
- Luca, por favor. Estamos fora da faculdade, e você já está em fase
de conclusão do curso. Acredito que tais formalidades não são necessárias
no momento.
- Ok. Desculpe.