Fiquei boquiaberta ao examinar o documento em sua mão apoiada na perna, onde havia espaço para duas assinaturas. Uma das assinaturas já estava preenchida, e meu nome completo surgia naquela ainda em branco. Era sério aquela merda?
- Madame Bittencourt ficará feliz em prestar serviços para o senhor - disse Alonso, abrindo um sorriso largo para o maldito homem engravatado. - Posso pedir para que ela nos encontre no hotel hoje mesmo.
Ofegando pelo pânico, voltei a olhar pela janela. Suzie estava agora se encaminhando para a traseira do carro, e eu tive de me virar para ver quando ela se encostou na janela de um cliente que acabava de chegar. Ela sequer reparou que havia alguma coisa errada comigo. Ou não se importava de verdade.
Éramos amigas, pelo menos eu considerava, só que jamais soubemos muito sobre a outra. Era um tipo de parceria que funcionava, que nos protegia, mas não havia lealdade de verdade. E Suzie entrou no carro do seu cliente e partiu para o seu programa da noite. Enquanto eu fiquei presa com dois malucos num carro luxuoso.
Tudo bem, eu não podia ser hipócrita. Houve uma época em que tudo o que eu sonhava era de ter um príncipe encantado para me tirar daquela vida miserável. Não era atoa que meu conto de fadas favorito fosse a Cinderella. Porém, nunca tive aquela sorte.
Desde pequena aprendi que o mundo era cruel, na adolescência isso se confirmou, e depois de adulta, foi só ladeira abaixo. Eu ainda tinha alguns sonhos idiotas de algum dia não me preocupar com as contas, de ter algo de boa qualidade para vestir, um prato de comida sempre quente, e preocupações bobas sobre a previsão do tempo ou qual seria o melhor destino para uma próxima viagem. Só que nada daquilo estava acompanhado com um homem me tendo em suas mãos para todo o sempre.
Aquela profissão era humilhante por si só, me deixou traumatizada o suficiente para não aguentar mais do que uma hora com cada homem, e parecia inconcebível ter de ganhar aquela vida dos sonhos através de um contrato. Qualquer outra garota aceitaria. Qualquer uma. Nem mesmo precisava ser uma prostituta.
Mas eu queria alcançar aquilo tudo sozinha, com meu esforço, com aquelas merrecas que eu ganhava em cada noite. Eu sempre invejei as mulheres poderosas e independentes, porque nunca fui uma delas. E a chance de crescer por minhas próprias habilidades só estaria deslizando para fora dos meus dedos abertos, se eu concordasse com aquilo.
- Faça isso - disse o bonitão. Ele me lançou um olhar da cabeça aos pés, notando desde os meus ruivos cabelos repicados num corte estranho e com franjinha, até as minhas botas de cano longo. Ele notou até mesmo a qualidade das minhas roupas! - E lembre-se de pedir para que peguem as medidas dela. Não consigo nem olhar para esse tipo de roupa barata.
- Eu já disse que não vou a lugar nenhum! - esbravejei, totalmente irritada. Se Ruan passasse com seu carro naquela esquina, eu me jogaria da janela só para espancá-lo. Ele não podia ter feito aquilo comigo. Não depois de tudo. - Não quero me casar. Não aceito a proposta. Eu quero sair daqui agora mesmo.
O homem suspirou, erguendo os olhos para o teto. Quando ele voltou a me observar, já não havia aquela gentileza forçada que eu tinha visto em seu rosto. Ele estava livre de qualquer disfarce de homem sedutor e gentil. Havia apenas um maldito machista diante dos meus olhos.
- Dayane, você vai entender em algum momento do nosso contrato, que não sou um homem que costuma se explicar mais do que o necessário - disse ele, afrouxando a gravata com uma mão e mantendo o documento cheio de linhas na outra. - Você é minha agora. Mesmo que não aceite o contrato, não vai deixar de ser minha. Então, se você for sensata, ou pelo menos tiver algum amor à sua própria vida, que tal considerar? Darei tudo o que quiser em troca desse acordo. Só preciso da sua assinatura.
Pelo menos ele não estava me ofendendo ainda. Homens acostumados com pessoas nas palmas das mãos costumavam agir com agressividade quando contrariados. Ele poderia ter me chamado de puta e descartável em pelo menos cinco vezes naquele diálogo, mas não fez. Eu sabia que era uma possibilidade porque homens com menos dinheiro tinham feito algo parecido.
- Mas... eu... merda, eu não posso me casar - murmurei com choque. Meu corpo estava inteiramente gelado. - Não posso perder tudo.
- Tudo o quê? - ele perguntou, franzindo o cenho.
- Tudo - falei de modo automático, dando de ombros.
Nada.
Eu não tinha nada a perder.
Isso era o pior.
Como explicar que a minha liberdade ainda era tudo o que eu não podia negociar? Fiquei em silêncio por um momento, encolhendo-me dentro das minhas próprias divagações. Eu já tinha me rendido por muitas vezes naquela vida. Perdido muitos anos de juventude ao me tornar adulta antes da hora. E agora estava perdendo a única coisa que me restava.
- Você é magra desse jeito ou apenas está passando fome? - ele perguntou do nada. Eu tornei a encará-lo, confusa.
- Sou magra - respondi com orgulho, mas também passava fome, inclusive meu estômago estava completamente vazio naquele momento.
O homem me observou novamente, então soltou um suspiro profundo. Ele acenou com uma mão para o motorista, nem precisou dar a ordem com a própria voz, e o carro foi ligado. As luzes no interior do carro se apagaram, deixando-me com uma sensação terrível de enclausuramento. Eu me empertiguei no banco, alarmada.
O veículo se moveu com suavidade, embora estivesse rápido. As ruas estavam vazias naquele horário, principalmente na localização em que estávamos. O homem ao meu lado não ofereceu qualquer informação sobre onde estaríamos indo. E o motorista facilmente alcançou o fluxo de carros na avenida principal, levando-nos ao centro da cidade.
As luzes, os sons, e o grande movimento de pessoas nas calçadas logo surgiram. O meu pânico foi se aliviando um pouco, como se as rédeas em torno do meu coração fossem afrouxadas. Quando as luzes familiares de um letreiro em neon amarelo e vermelho surgiram, fiquei um pouco aliviada, achando estar diante de algum motel.
Era melhor que toda aquela noite terminasse em sexo do que com a minha vida tomada permanentemente por um homem. Divórcios existiam, mas não no mundo dos ricos que pensavam ter direito sobre a vida de outras pessoas.
Só que o alívio durou segundos, até que eu visse que o motorista não estava parando para estacionar, mas para se aproximar de uma guarita tão bem iluminada em vermelho e amarelo quanto toda a fachada do local. As luzes dentro do carro se acenderem, e eu pisquei com o atordoamento, até me acostumar novamente.
- O que você quer comer? - perguntou o motorista, virando-se para me olhar.
Estávamos num drive-thru? Mas que porra era aquela?
- Qualquer coisa - respondi baixinho.
Eu não era doida de negar comida.
- Peça algum combo - disse o homem bonito, observando-me mais uma vez da cabeça aos pés. - Ela parece que não se alimenta há dias.
Como ele sabia daquilo também, só Deus poderia me responder.
O motorista obedeceu, e a mulher gentil atrás do vidro blindado prontamente anotou o pedido. Considerei se clamar pela ajuda dela me renderia mais do que uma risada de desdém ou um olhar impotente.
Não arrisquei.
Comer primeiro, fugir depois. Prioridades devem ser respeitadas.
Por um momento todos ficamos em silêncio, então eu me voltei para o homem bonito, que continuava me observando com um misto de pena e desgosto.
- Está me alimentando para saber se posso mudar de ideia? - perguntei com leve desconfiança.
- Apenas para que entenda que pode ser mais vantajoso estar comigo do que se manter naquela vida - disse ele com frieza, embora as palavras fossem gentis. - Você não pode decidir o que fará a partir de agora. Você é minha e continuará sendo, mesmo se não assinar o documento. Então, sugiro que assine, antes que eu perca a paciência.
Aquela merda não era justa.
Nem um pouco justa.