Queríamos contratar mais mulheres, devido a demanda, muito provavelmente isso aconteceria nos próximos meses, só precisávamos de um espaço maior e bem arejado, nosso lema era trazer todo o conforto possível para as funcionárias. Com a pele devidamente limpa e hidratada, fui para a cama, regulei o ar condicionado e ouvi quando meu celular apitou, avisando que tinha uma nova notificação.
"Dizem que o canto das sereias encanta, mas acredito que o silêncio, além de tão encantador quanto, pode revelar. "
Fiquei encarando a tela, com uma das mãos na boca, tentando segurar o riso fácil. Era a primeira vez que alguém naquele aplicativo puxava conversa comigo sem a mesmice de sempre ou com mensagens vulgares. Entenda, eu amo uma vulgaridade, mas com a pessoa certa, no momento certo e não com alguém que eu não conhecia. Ainda que se tratasse apenas de sexo casual, não era necessário apelar e ser um tarado asqueroso.
"Entender o silêncio de alguém, requer um certo grau de intimidade, portanto, concordo, pode ser muito revelador. "
"Muitas vezes, uma resposta..." " Talvez a mais certeira! "
" E então Micaela? Quais as boas no fundo do mar hoje? Um barzinho, música ao vivo ao lado dos tubarões com muito Bloody Mary ou algo mais eletrizante com as enguias? "
Gargalhei.
"Tô mais para aquele peixe que cava um buraco pra descansar, senhor M. Aliás, posso saber seu nome? "
"Maurício! "
3 SEMANAS DEPOIS
LETÍCIA
Após provar para o meu primo Luca que a vadia da Priscila não prestava, eu deletei o perfil do Heitor e criei o M. usando partes de fotos do próprio Luca com o intuito de continuar tirando prints de contas radioativas e alimentar o meu perfil, que só crescia, voltado para isso. Não sei onde estava com a cabeça quando dei match com a Micaela, eu nunca tinha feito isso antes, acho que a curiosidade berrou dentro de mim quando vi que ela praticava o sereismo. Infelizmente eu gostava de homens e ela também. Agora, a culpa me consumia, pois Micaela era uma mulher única e contar a verdade, a deixaria muito chateada, mas continuar alimentando essa farsa, também seria sacanagem. Que grande merda eu fui fazer.
E se eu sumir? Deletar e fingir que isso nunca aconteceu?
- Fala, prima! - Luca entrou no meu quarto e me abraçou apertado, dissipando os meus pensamentos.
- E aí, moleque, nervoso pra festa?
- Que nada... - Ele me soltou. - Mentira, tô nervoso, ansioso
e...
- Respira! - apoiei as mãos em seus ombros, inspirando e expirando devagar. - Não tem como dar errado, vem, vamos lá verificar como está o andamento, que tal? Red Expansion já é um sucesso, os grandes gamers piraram na versão que você mandou pra eles, a galera tá babando por esse jogo, o que pode dar errado, moleque?
- Certo, certo, vamos! Bom que já vamos ver como fica à noite.
Entrei no carro de Luca e logo o celular dele tocou, enquanto ele tagarelava no idioma de programador, me perdi em meus pensamentos. Era curioso o fato de que Micaela até agora não tinha me pedido uma foto, ou áudio, ou vídeo chamada e todos os dias eu morria um pouco por dentro ao pensar que isso estava próximo de acontecer. O áudio era o menor dos meus problemas, fotos de certa forma também, mas vídeo chamada? Onde eu fui me meter?
- Acredita? - Luca perguntou.
- No que?
- Eita, onde você estava? Cara novo no pedaço?
- Claro que não...eu estava pensando na minha roupa pra amanhã! Luca, tenho uma amiga que é muito sua fã, não perde uma live, será que você pode fazer um vídeo curto pra ela?
Ele me encarou com seus olhos esverdeados e jogou os cabelos para trás. Meu primo era sexy, dono de uma beleza única. Esquece aquele estereótipo de nerd que a mídia e os filmes mostram. Luca arrancava suspiros por onde passava e tinha uma legião de fãs femininas, que inclusive, só começaram a jogar vídeo game por causa dele.
- Claro, o que você quer que eu diga? Qual o nome dela?
- Ariel! - Ah merda, o que eu estava fazendo? Ele estendeu a mão com a palma para cima e eu entreguei meu celular. - Só deseje uma boa apresentação e pede pra ela ter cuidado com os tubarões!
- Tubarões? O que ela faz? - Luca franziu as sobrancelhas.
- Cantora, tubarões são os machos chatos que ficam atormentando ela, sacou?
E foi assim que eu comecei a cavar cada vez mais fundo o meu próprio lamaçal de merda e mentiras. Meu primo fez o que eu pedi e no final ainda deu aquela piscadinha que fazia qualquer coração sair galopando feito um cavalo desembestado.
- Mas, e então, o que estava dizendo? - retomei a conversa, tentando não cair na tentação de enviar o vídeo para Micaela aleatoriamente.
- Priscila, ela já está namorando, dessa vez é um desses gurus fitness da internet! - Luca riu, e isso me deixava aliviada, pois ele era péssimo em esconder suas emoções. Sua risada genuína indicava que meu primo estava bem.
- Ó, que surpresa! - debochei.
Chegamos no salão onde seria a festa de lançamento e assim que entramos, dei um grito. O lugar era o cenário perfeito do jogo, Velho Oeste. Red Expansion não era um simples game de tiros, ele contava toda a história da marcha para o Oeste, a tomada de boa parte do território Mexicano pelos americanos, o Destino Manifesto e o sangue derramado entre cowboys, indígenas, xerifes e agentes do governo.
- Está incrível! - rodopiei pelo salão.
- Surreal... - Luca observava todos os detalhes, segurando o próprio queixo. - Imagina só, amanhã os personagens principais do jogo é que vão recepcionar os convidados! Teremos referências ao Chefe da tribo Sioux, ao pajé e claro, Joe the Killer, nosso cowboy sanguinário!
- Boss! - Leo apareceu e eu odiava o frio na barriga que sua presença causava em mim.
- Não me chame assim, palhaço! - Os dois se abraçaram. - Isso está demais!
- Ainda nem manchamos o local de sangue, você vai ver amanhã!
- Ele se virou em minha direção. - Oi Letícia!
- Oi Leo! - tentei controlar o sorriso. - E quem vocês vão sacrificar para espalhar sangue nesse salão enorme? - gargalhei como uma hiena no leito de morte e Luca forçou uma risada ridícula.
- É sangue falso. - Leo respondeu confuso, eu achava lindo esse
delay.
- Ufa!
Ele continuou sem entender. Ao contrário do meu primo, Leo
carregava em seu peito uma placa neon sinalizando o quão nerd ele era, além de ser uma versão mais jovem de Tobey Maguire, o que fazia a minha calcinha umedecer e a saliva secar. Quantas noites solitárias passei fantasiando eu no seu colo, dando feito uma cachorra no cio enquanto ele me comia usando apenas seu estiloso óculos.
Nunca tive coragem de expor meus sentimentos, não me achava inteligente o suficiente para ter qualquer tipo de relacionamento com ele que não fosse esse coleguismo e paixão platônica através do meu primo. Eu era apenas uma secretária de um grande executivo, Álvaro Bicalho e
trabalhava na AVB Genethics. Quando meu primo abriu a Bellatrix, me convidou para trabalhar com ele, mas meu chefe me ajudou muito e sempre me tratou com respeito e amor, além do mais, misturar negócios e família não me agradava. Meu celular vibrou e me afastei dos dois, era uma mensagem de Micaela.
"Quais os planos pra essa noite de sexta-feira tão quente? " "Ensaios finais para o casamento do meu primo. "
É, eu sei. Mentiras e mais mentiras, mas se eu falasse que era uma festa de lançamento de jogo, ela poderia pedir um convite, não sei. Ou aparecer e pedir para chamar o tal Maurício, dar um escândalo na porta, mesmo acreditando que esse não era seu perfil, mas como eu podia ter certeza? A internet pode ser uma grande farsa e eu era a prova viva disso.
" Ah sim, você havia comentado mesmo, acho que me perdi no tempo. Bom ensaio então, senhor misterioso! "
" Não devo demorar, pequena sereia, mais tarde te chamo! "
Sua resposta veio em forma de um emoji mandando beijo. Micaela era uma romântica incurável, que ainda acreditava em verdadeiros amores e finais felizes, eu achava isso lindo nela. Havia uma pequena carência e uma dose de solidão, mas ela não era pegajosa. Micaela não precisava de uma companhia para se sentir completa, aquela mulher bem-resolvida, só estava em um momento da vida, onde desejava podê-la dividir com alguém.