- Tão sim, estavam passando os fios ali atrás... - Leo apontou para o fundo do salão e Luca saiu, nos deixando a sós.
Meus dentes buscaram as peles ressecadas do meu lábio inferior, eu as mastigava como se fossem chicletes, enquanto ele olhava ao redor, com as mãos nos bolsos de seu jeans justo, um tanto quanto inquieto. Acho que Leo odiava ficar sozinho comigo. Abri a boca algumas vezes, tentando quebrar o silêncio constrangedor, mas por algum motivo, eu não conseguia pensar em nada de útil para falar.
- E então, como tá o serviço? - Leo ao menos tentou e foi mais rápido que eu.
- Bem...vendendo esperma de boi igual água! - Não sei porque, mas dei uma risada alta e desengonçada, enquanto ele me olhava um pouco ressabiado e ao invés de eu calar a boca, continuei. - Você sabia que um boi pode ejacular até vinte e cinco mililitros? Claro, isso com a eletroejaculação...
- Eu...eu realmente não sabia disso... - Leo forçou um sorriso.
- A palavra eletro e ejaculação na mesma frase é um pouco assustador!
- Ah não, mas é uma cápsula metálica que fica entrando e saindo do cu do boi!
Cala a merda da boca, Letícia!
- Nossa... - Claro que ele não soube o que responder e então, de novo estávamos mergulhados no silêncio incômodo.
- Desculpe! - Dei alguns passos para trás. - É que lá na empresa é muito comum falarmos sobre isso, mas sei que pode ser estranho... - senti algo duro na minha bunda, infelizmente não era o pau do Leo, mas sim o encosto de uma cadeira. - Eu vou lá fora tomar um ar!
- Esbarrei na ponta da mesa e sai apressada.
Corri pelo grande salão e assim que saí pela porta, inspirei com força e devagar. Aquele desgraçado roubava os meus sentidos e boa parte dos meus neurônios, eu nunca tive problemas em flertar com homens, pelo contrário. Se eu estivesse em algum lugar e cismasse com um cara, eu terminava a noite enroscada em seus lençóis ou na cama de um motel qualquer.
- Lê, você tá bem? - Luca colocou a mão no meu ombro e eu dei um salto.
- Tô, tô bem!
- Não quis te assustar, Leo disse que você saiu correndo, como se ele tivesse com alguma doença contagiosa! O que tá pegando, garota?
- Nada, ué, apenas precisava de um ar fresco. Podemos ir
embora?
Luca me olhou desconfiado, torceu a boca formando um sorriso ao
contrário e concordou com a cabeça.
- Você gostaria de conhecer alguém legal? - perguntei assim que ele estacionou em frente de casa.
- Sei lá, é tudo muito recente. Tô meio traumatizado e com medo de aproximações por interesse - Luca encarava o horizonte.
- Entendo...boa noite, garoto!
- Boa noite, garota!
MICAELA
- Você tá me dizendo que conversa com um cara super gente boa e nunca pediu ao menos um foto, Mica? Isso e ridículo, me dê esse celular agora!
- Não, Lupe! Deixa que eu estou fazendo as coisas do meu jeitinho! - Encarei meu reflexo e comecei a contornar os olhos. Eu gostava de fazer a minha própria maquiagem. Guadalupe me olhava incrédula pelo espelho do camarim.
- E se for um assassino? Um velho babão? Uma mulher? - Ela caminhava de um lado para o outro.
- Não é - esfumei os olhos com a sombra azul.
- Como sabe? Ao menos já recebeu um áudio? Uma ligação? - Lupe encostou o quadril na minha penteadeira, derrubando alguns batons.
- Você está me irritando, sabia? Te contratei pra ser minha assessora e não minha mãe! Que saco!
- Tá certo.
Droga!
- Lupe, desculpa! Mas poxa, eu tô feliz conversando com ele desse jeito, esse mistério e essa oportunidade de me conectar com a essência dele é algo que me deixa excitada...Maurício é diferente e eu venho de um histórico desastroso de encontros, você sabe!
- Micaela, eu só me preocupo, não quero te ver magoada, agora anda, vamos, vamos colocar a cauda? É a última da noite!
- Está tudo certo com o contrato da festa em Cozumel? - perguntei, enquanto Lupe me ajudava a subir a cauda com cuidado.
- Está! - Ela se ajoelhou para ajustar alguma coisa. - Deixei perto da sua bolsa, só falta você assinar e eu vou enviar de volta. Eu exigi que tivesse ao menos um segurança próximo de você o tempo todo e dona Vera concordou, disse que iria colocar o melhor deles.
- Obrigada, Lupe!
Eu nunca tive problemas em festas. Claro, algumas cantadas baratas e geralmente de homens bêbados, mas não passava disso. Não que fosse certo, por isso mesmo Lupe achou melhor assim, já que eu ficaria praticamente na praia, com pouca iluminação e a música alta abafaria qualquer grito meu, caso o pior acontecesse. Ser mulher era cansativo.
- Vamos lá, três pulinhos! Marcelo! - Lupe gritou. - Fiquei apoiada em seus ombros, de frente com ela até Marcelo aparecer.
- Desculpe me meter na sua vida, Mica. - Seus grandes olhos escuros fitaram os meus. - Acho que tenho visto documentários criminais demais - Ela sorriu.
- Não tem nada que se desculpar, entendo sua preocupação, mas nem trocamos número de celular, apenas batemos papo pelo aplicativo, talvez isso te deixe mais tranquila - pisquei.
- Cadê o Marcelo? - Lupe esticou o braço e arrastou uma cadeira para que eu me apoiasse, saindo em seguida em busca dele.
Fiquei repassando a nossa conversa mentalmente e engoli em seco. E se ela estivesse certa? Eu estaria mentindo se dissesse que nunca pensei na hipótese de Maurício não ser quem ele diz, mas não era algo que me atormentava até então. Olhei para a penteadeira, onde estava meu celular e me estiquei como uma mulher borracha, as pontas dos dedos quase tocaram o aparelho, mas eu iria cair. Dei um pulo para a direita e alcancei o telefone.
"Senhor misterioso, sabe o que me faria feliz? Um vídeo seu ou um áudio, pode ser curtinho! "
Mando ou não mando?
Ele estava off-line. Fui surpreendida pelas batidas fora de ritmo do meu coração, como se eu estivesse prestes a cometer um crime. Talvez fosse medo, ainda que inconscientemente. Medo de descobrir que Maurício não existia. Medo de ele sumir. Medo de que as últimas três semanas, se dissolvessem como algodão doce embaixo da água. Medo de perder a companhia tão agradável daquela pessoa atrás da tela.
- Estou atrasado, eu sei, vamos, vamos! - Marcelo veio em minha direção e naquela correria apertei o enviar, me arrependendo logo em seguida. Lupe pegou o aparelho da minha mão e colocou onde estava.
Merda. Merda. Merda. Em todo aquele tempo, Maurício nunca tinha me pedido um nudes sequer, sempre respeitoso e o que eu fui fazer?
- Tá tudo bem, Micaela? - Marcelo perguntou enquanto caminhava apressado pelo corredor.
- Não sei... - envolvi seu pescoço com os braços.
- Está bem pra se apresentar?
- Tô sim! - suspirei.
- Hoje eu vou te jogar, ok? É aquela maldita música barulhenta que a criançada ama, pronta pra virar de bruços? - Fiz que sim com a cabeça. - No três! Um...dois...três...
O mundo silenciou, mas meus pensamentos não. A água fria em contato com a minha pele, me acalmou, mas eu não estava dando cem por cento de mim naquela última apresentação, parte era culpa do cansaço e parte era nervosismo. Nadei em um ritmo mais acelerado até a grande parede de pedras, contornando os tubarões e arrais que ali também exibiam suas performances selvagens. Impulsionei meu corpo, dando uma cambalhota e mergulhei até o fundo do aquário, quase encostando as conchas que cobriam meus seios na areia e então, apareci no grande vidro, lotado de pequenas mãos e olhos brilhantes.
Sorri e acenei, no estilo Miss Universo. Rodopiei e dancei como uma verdadeira sereia, ao menos, era assim que eu as imaginava vivendo no fundo dos oceanos. Talvez eu fosse uma boba por acreditar nesses seres, mas eu gostava de pensar que havia uma colônia só para elas, livre de qualquer maldade e anseios, repleta de lindos tritões fortes e sensíveis. Era para lá que pessoas boas iriam quando morressem. Com as mãos espalmadas no vidro, abri um largo sorriso e dei impulso para cima, eu precisava respirar.