Ele concordou. Tomei uma ducha rápida, vesti uma roupa confortável e fresca e fui buscá-lo. Eu tinha mandando fazer o meu vestido em um ateliê, queria algo diferente e produtos artesanais eram um dos meus pontos fracos, além de não comprar roupas confeccionadas através de serviços praticamente escravos.
- Senhor amado, seu carro está cheirando fast-food, você tem vivido disso? - Luca reclamou assim que entrou.
- Desculpa por não mandar lavar meu automóvel duas vezes por semana, inclusive quando chove, sou desapegada, príncipe!
- Não garota, você é relaxada. Isso aqui não é sujeira de um mês atrás! - Ele passou o dedo no painel, tirando parte da camada de poeira, limpando no banco em seguida.
- Eeeeeeei!
- Ó, mil desculpas por sujar o cascãozinho móvel!
- Besta! - empurrei sua cabeça e nós dois rimos.
Assim que entramos no ateliê, notei os olhares e risinhos das duas moças que ficavam na recepção, achei aquilo ousado, e se Luca fosse meu namorado? Elas não sabiam. Meu primo, em compensação, ansioso e agitado, nem reparou que as moças estavam quase se despindo e o agarrando ali mesmo.
Após uns bons minutos esperando , entrei na sala para provar, e Luca ficou sentado em uma das poltronas, mexendo no celular, como uma presa sob o olhar de duas jovens leoas famintas. O vestido tinha ficado perfeito, o modelo escolhido foi um tomara-que-caia com o decote recortado, justo até a cintura e com a saia rodada. O tule preto por baixo do tecido ficava à mostra na barra.
- O que achou? - coloquei a mãos na cintura, como uma
modelo.
- Você não fez isso! - Luca me encarava, ele não queria dar o
braço a torcer, mas não conseguiu controlar o sorriso. - Onde encontrou essa estampa?
- Internet! Você ficaria admirado com as que tem nessa loja, mas anda, fala, gostou?
- É sensacional! - Luca se levantou. - Exclusivo, eu diria!
Meu vestido era todo estampado por consoles de videogames, fundo preto e os detalhes em branco, os símbolos principais do controle, formava desenhos aleatórios, como se fosse um aplique de renda. Eu sabia que o meu primo tinha gostado. Saímos dali e fomos caminhar no shopping,
ele já tinha comprado sua roupa e não era um terno, mas sim uma calça jeans escura, camisa e um blazer que não duraria a primeira meia hora em seu corpo.
Optamos almoçar por ali mesmo. Eu não tinha marcado salão de beleza e essas coisas, meu cabelo era chanel e bem liso, nem um grampo parava ali, para fazer um penteado, só se eu usasse um aplique e isso me dava pavor, eu sentia muito calor na cabeça. Nunca fui chegada em maquiagens muito elaboradas e unhas longas, eu era uma garota de vinte e seis anos e que curtia uma vibe mais natural.
Eu e Luca crescemos juntos, a minha mãe era irmã de seu pai, que morreu cinco anos após meu primo nascer em um acidente de carro e isso foi uma das coisas que deixou a minha tia Leila tão amarga, segundo mamãe. Meus pais, Alma e José se mudaram para Mérida cerca de três anos atrás, ela, uma terapeuta, e ele contador de uma grande empresa. O típico casamento que causava inveja.
Gael, pai de Luca era um homem pé no chão, tanto que optou por ser pai um pouco mais velho, pois queria conquistar uma estabilidade financeira e para isso, ao longo dos anos, foi adquirindo alguns imóveis, que ficaram de herança para Leila e meu primo, o aluguel de todos esses bens, rendia um polpudo valor mensal. A minha tia nunca trabalhou fora, mas antes de eles se estabilizarem, ela administrava muito bem a casa. Como Alma, minha mãe, era doze anos mais nova que Gael, seu irmão, eu e Luca tínhamos quase a mesma idade.
- Fiquei pensando no que me perguntou. - Luca falou, enquanto balançava a perna esquerda freneticamente. - Sobre conhecer alguém legal e tals...acho que vou baixar o aplicativo...
- Não! - gritei, chamando a atenção das pessoas que estavam por ali e ainda esbarrei o braço no meu copo, derramando um pouco de refrigerante pela mesa. - Não faça isso!
- Tá maluca? - Luca se afastou rápido, antes que o líquido melado escorresse nele e puxou um punhado de guardanapo, tentando secar a mesa, mas não serviram para grandes coisas. Não demorou muito e uma das moças que trabalhava no restaurante onde pegamos a comida, apareceu com um pano.
- Muito obrigada! - sorri para ela e direcionei meu olhar para o meu primo.
Ele não podia fazer isso, se Luca criasse um perfil ali, não demoraria muito para Micaela o encontrar. Maldita hora que eu fui enviar o vídeo.
- Você anda estranha, garota! Não sei o que tá pegando, mas tá começando a me assustar, o que foi isso? - Ele encostou na cadeira, com as pernas abertas e cruzou os braços, arqueando as sobrancelhas que já eram naturalmente levantadas.
- Você que está com alguma leseira! Quer entrar no antro de meninas doidas por Sugar Daddys? Não é você que não quer ninguém por interesse?
- Você sabe que apesar de famoso - ele fez o sinal de aspas com os dedos - eu não sou conhecido como pensa, apenas dentro do meu nicho!
- E o seu nicho está repleto de mulheres, dãããã! Cinquenta e três por cento dos gamers são mulheres, elas apenas escondem sua identidade
por causa de machos tóxicos que até nos multiplayers distribuem suas cantadas baratas e nojentas.
- Posso fingir que sou um cara comum, que leva uma vida comum...
- Depois de fazer uma plástica? Para de ser ridículo!
Luca suspirou e continuamos almoçando, mas a comida perdeu o sabor e se transformou em uma bolota áspera, descendo com dificuldade até o espaço vazio onde deveria estar meu estômago. Eu precisava pensar em alguma coisa e rápido.
LUCA
Me despedi de Letícia e subi para a minha cobertura. Eu precisava dar um mergulho na piscina, o calor estava tão intenso, que até meus ossos queimavam. Consultei meu relógio pela centésima vez e ainda faltavam cinco horas para a festa de lançamento. Meus olhos varreram o grande apartamento, era sóbrio, minimalista e tecnológico, assim como eu.
Cresci cheio de privilégios, mas o meu saldo bancário atualmente, ainda me assustava. Eu tinha consciência de que de uns anos para cá, eu vivia uma realidade que pertencia à poucos, por isso ajudava muitas ONG's e famílias, mas diferente da maioria dos produtores de conteúdo com milhões de seguidores, eu não exibia isso nas minhas redes. Caridade contada, não passava de vaidade.
- Lady! Lady! Vem cá, pequena menina! - assoviei e minha cachorrinha veio derrapando de tanta emoção ao me ver. - Estava tirando uma soneca, hein? Hein? Por que demorou? - Eu perguntava como se ela pudesse responder e com a clássica voz infantilizada que já saia no automático.
Depois de brincar um pouco com ela e coçar sua barriga salpicada de manchas, fui me trocar. Lady não tinha raça, foi amor à primeira vista quando a vi na página de um dos abrigos para cães que a minha empresa
ajudava fornecendo ração mensalmente. Aqueles olhos tristonhos e o estado em que ela se encontrava, me fizeram pegar o carro e correr até lá na mesma hora, após meses de tratamento, Lady nem parecia a mesma cachorra assustada, raquítica e cheia de feridas.
Usando apenas uma sunga branca, fui até a parte externa. Eu era apaixonado por aquela vista. Juntei os pés na borda da piscina, como se eu fosse um nadador profissional, respirei fundo e mergulhei de cabeça, chegando até o fundo, sem mexer os braços ou pernas, apenas deixando a água me levar, isso me acalmava. Emergi, dando um grito de alívio, enquanto tombava a cabeça para o lado, tentando secar os ouvidos. Agarrei uma boia amarela em forma de macarrão e fiquei pendurado nele, sentindo as bolhas que saiam da hidromassagem.
Eu estava exausto, mente e corpo precisavam desligar um pouco, mas não agora, não essa semana. Apesar de muitos acharem que ganhar a vida jogando em lives ou que fundar a sua própria empresa, era moleza e divertido, na prática as coisas funcionavam de outra maneira. Se você não conseguisse manter a sua cabeça no lugar, poderia acabar trilhando caminhos sombrios e que te levariam direto para o precipício. Muita grana e uma certa fama, em mãos erradas, podia ser uma tragédia anunciada em alguns casos.