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Quem vê Lorenzo Molinari, não imagina o inferno que se passa na minha cabeça.
Pego o celular e visualizo a última mensagem que Oliver me enviou hoje de manhã.
"Está na hora de voltar, cara. A Giordano precisa de você... Seus amigos precisam de você.
E você precisa da gente, sei que precisa."
Não respondi, mas já perdi as contas de quantas vezes já reli essa mensagem de texto.
Depois que saí do Brasil meio sem rumo, comprei um novo celular. Ninguém tinha meu contato e não tinha o contato de ninguém, exceto dos meus amigos, que lembrava de cabeça.
Decidi contatar Oliver porque além de melhor amigo, ainda é meu chefe.
Fui pragmático com as palavras e como ele também já perdeu alguém que amava, não demorou para me compreender.
Desde então Oliver só tem mostrado o quão confiável é. Não me dedurou em momento algum, e se fez, bom, agradeço por não terem enchido a porra do meu saco.
Guardo o celular dentro do bolso da calça jeans surrada que comprei em um brechó no Uruguai e saio do carro que está parado no estacionamento do motel. Lugar onde vou passar os próximos dias, isso até enjoar e cair fora.
Olho para o letreiro em neon vermelho indicando o motel e depois faço uma varredura do local. Parece um motel decente, talvez o primeiro lugar decente em que me instalo desde que comecei essa aventura.
Pego a bolsa e então vou até à recepção do lugar.
Uma senhorinha simpática de cabelo grisalho me atende para fazer o check-in, e embora não sorria tanto, ela faz isso com
frequência.
Dou as informações básicas que ela pede, e, por fim, antes de me entregar a chave do quarto vinte e dois, diz em inglês:
- Você não é daqui, não é? Estou no Kansas.
Comecei minha aventura em Maine e tinha planos de terminar em Washington, mas talvez termine na Califórnia.
Porém, tenho certeza que não é sobre isso que ela perguntou.
Como demoro para responder, a senhora enfatiza:
- Americano. Você não é americano, não é?
Pisco e então balanço a cabeça sutilmente, negando.
Se troquei conversa com cinco pessoas durante todo o trajeto, foi muito, e de alguma forma, ela entrará para esse grupo.
- Sou brasileiro.
O rosto marcado pelo tempo da vida, se ilumina.
- Oh, um brasileiro! - diz espalmando as mãos uma na outra. - Reconheceria esse sotaque em qualquer lugar! Eu amo o Brasil e a energia dos brasileiros!
Talvez ela descubra que a energia do brasileiro é bem relativa. A minha no momento, por exemplo, é tão pesada que dói
em meus ombros.
Não sei ao certo como reagir a isso, mas ela continua falando sem parar.
- Sabe, meu falecido marido e eu fomos uma vez para o Brasil. Amamos tanto que assim que voltamos, sempre colocávamos uma música brasileira para tocar quando fazíamos almoço ou jantar para os amigos. Eles gostavam muito. E aí, você sabe, tudo o que é diferente causa o interesse das pessoas, então resolvemos tentar. - Entrega a chave do quarto vinte e dois e conclui: - Abrimos um bar com música e culinária brasileira.
É inevitável não arquear as sobrancelhas em surpresa.
Estava esperando que ela dissesse outra coisa, mas confesso que conseguiu minha atenção.
- Isso parece bem específico - digo para ela, que sorri.
- Mas as pessoas adoram. Fico feliz que no fim foi um negócio que deu certo.
- Em algum lugar no Brasil, uma lanchonete com o cardápio e decoração americana também faz sucesso. - comento ajustando a alça da bolsa em meu ombro.
- Com certeza. Ah, e se você estiver a fim, é só atravessar a
rua.
Olho pela janela da recepção que dá para a rua e é quando vejo do outro lado da via. O lugar se chama Kaipirinha.
Sim, caipirinha com K.
Honestamente, não há nada mais tão brasileiro que caipirinha. Talvez o K tenha sido para dar uma diferenciada.
O nome brilha em neon verde e amarelo, e preciso dizer que chega a ser convidativo, já que tudo no Kansas é rústico demais.
- Você deveria dar uma passadinha lá.
Volto a olhar para a senhora que me analisa de cima a baixo, de um jeito que expressa dó.
- Deve estar com saudade de casa.
Não sei se estou, também não gosto de refletir sobre isso. Quero cumprir meu objetivo e não quero ceder até terminar minha expedição.
Comprimo os lábios e balanço a cabeça para ela, não em concordância, mas grato pela sua gentileza e preocupação.
- Obrigado.
- De nada. Fique à vontade.
Embora a boa recepção, não sei se ficarei à vontade.
De alguma forma, essa conversa e o bar brasileiro do outro lado da rua me deixam desconfortável.
Não sou um cara que liga para destino ou coisa do tipo, mas é no mínimo estranho.
No mesmo dia em que Oliver me manda mensagem pedindo para voltar, acabo encontrando uma senhora que já esteve no Brasil e que ama o país, fazendo assim me deparar naturalmente com um bar brasileiro.
Vou caminhando até o quarto bastante pensativo.
Quando chego em frente à porta de número vinte e dois, tenho medo de encontrar algum brasileiro me esperando do lado de dentro.
Fecho os olhos e os aperto com força. Não estava em meus planos ter que ficar lembrando de casa logo agora, quando estou na metade do país.
Enfio a chave na fechadura, a giro, aperto a maçaneta e respiro fundo quando ouço o clique. Empurro a porta e imediatamente sinto o cheiro de desinfetante e álcool em gel.
Cama de casal, TV pequena e cômoda de madeira, do outro lado tem uma porta que dá para o banheiro, imagino eu.
Sou o único brasileiro aqui, estou sozinho. Continuo sozinho nessa aventura.
Isso não é um problema, mas não entendo porquê de repente me sinto frustrado.
- Merda! - resmungo surpreso com o novo sentimento.
Maldito seja o destino. Ou seja-lá-o-que, está desencadeando tudo isso para acontecer em um dia.
Tento convencer a mim mesmo que estou exausto da estrada o suficiente para me deitar na cama e dormir em questão de segundos.
Rolo de um lado para o outro tantas vezes que chega um momento em que a cama parece ser a coisa mais desconfortável do mundo, embora o colchão seja de qualidade mediana.
Olho para o relógio no pulso e os ponteiros parecem simplesmente não andar.
Ainda é cedo demais.
O horário quase nunca importou nos últimos meses. Às vezes ia dormir muito cedo e voltava para a estrada muito cedo, já outras dormia muito tarde e acabava pegando estrada durante a noite devido a insônia.
noite.
É incomum que esteja tão indiferente com o relógio nesta
Me sento na beira da cama, só de cueca boxer. Até banho já
tomei com o plano de ir dormir.
Mas hoje, meu cérebro não quer descansar cedo.
Ainda estou pensando na senhora que ama o Brasil, no bar do outro lado da rua que é dedicado ao meu país de origem e na mensagem de Oliver.
É um combo que não queria consumir. Kaipirinha.
Lembro do nome do bar e sorrio expressivamente desta vez. Acho que ninguém no Brasil colocaria esse nome em um bar, é genérico demais para nós, mas não para um gringo.
Me pergunto se em algum lugar existem outros bares com a temática brasileira, e se os respectivos nomes são "Carnaval", "Futebol", ou "Neymar".
Pergunte a um gringo se ele conhece o Brasil, que ele dirá: "Oh, yes! Carnaval... Futebol... Neymar!"
Mas prefiro quando lembravam do Pelé.
Agora encontrei um bar chamado Kaipirinha.
Percebo que encontrar um bar brasileiro nos Estados Unidos é como encontrar uma agulha no palheiro, as chances são mínimas. Ok, talvez esteja mesmo curioso em dar uma passada no
lugar.
Embora o nome tenha aguçado minha vontade por álcool, é
uma boa cerveja que quero.
E se não estou com sono, o que irei fazer aqui neste quarto sozinho?
Minutos atrás estava olhando os canais da TV e vi que há boas opções de canais com conteúdo adulto. A última vez que bati uma punheta foi há quatro dias, só para desestressar.
Mas com certeza, agora, prefiro uma cerveja a uma punheta.
A minha ex-noiva deve estar puta da vida comigo. O que fiz com ela me faz merecer o título de canalha do ano.