Preso no trânsito na volta pra casa, foi que todo o misto de sentimentos tomou conta. O cara que não conseguia conter o sorriso lá em cima tornou-se a pessoa mais medrosa do mundo. A partir de agora era viver tudo novo de novo. Senti um nó no estômago ao pensar em diversas questões. Afinal, que emprego era esse? Será que daria certo? Quanto iriam me pagar? Esse salário cobriria o que eu ganhava na Montgomery? E se eles não aceitassem alguém com nenhuma experiência efetiva em criminal? Será que Megan ficaria chateada se eu dissesse que era melhor não pensarmos na festa de casamento agora?
O desconhecido estava me causando muita angústia.
Abri a porta do meu apartamento com certa dificuldade pelo número de caixas que estava carregando e me deparei com Megan, minha namorada, dando um sorriso de orelha a orelha. Será que ela já sabia da indicação?
- Arrumei um emprego para você! - Ela gritou, levantando os braços. É, ainda não sabia, então. E provavelmente tinha ignorado nossa conversa da noite anterior, em que eu disse que não queria que ela ficasse procurando emprego pra mim.
Estranhando aquilo e já esperando uma ideia provavelmente mirabolante e nada eficaz de minha namorada, fui até a mesa de jantar e apoiei as caixas, tirando meu terno logo em seguida e jogando na cadeira.
- Megan, você prestou atenção em alguma coisa que conversamos
ontem? Eu não quero que você fique arrumando emprego pra mim. - Afrouxei a gravata e fui de encontro a geladeira, pegando algo para beber.
- Esse seu orgulho é tenebroso, Trenton. - Ela colocou as mãos na cintura. - Afinal, você quer saber o que eu arrumei ou não?
- Claro, diga! - Sentei-me na cadeira da mesa de jantar e abri a lata de coca-cola, dando o primeiro gole.
- Minha mãe disse que tio Hernandez, aquele que casou com tia Ingrid, está abrindo um negócio novo, de importação. Ele precisa de um advogado que entenda de aduaneira e tributário. É freelancer no começo, sabe? Mas quem sabe as coisas dando certo...
- Isso é sério, Megs? - Ri, sem humor nenhum.
Megan também era advogada, nos conhecemos na Escola de Direito de Savannah, e era muito difícil acreditar que ela realmente achava que aquilo era uma boa oportunidade. O cara que havia casado com a tia dela era o maior golpista dos últimos tempos e, escolher trabalhar com ele, por mais desesperado que eu estivesse, seria como se eu colocasse fogo em meu diploma e ignorasse todos os anos de experiência que obtive na Montgomery. Eu podia contar a ela da minha conversa com meu chefe mais cedo, da oportunidade na Parker Williams, mas, naquele momento, preferi esperar tudo se concretizar para então dar a notícia. Megan era muito ansiosa e caso algo desse errado, não saber causaria menos frustração.
- Ah, amor... - resmungou, manhosa fazendo um biquinho e sentou-se em meu colo. - É só uma coisa temporária.
- Eu não vou queimar minha carreira desse jeito por algo temporário, Megan. - Coloquei a mão em sua coxa.
- Mas nós precisamos juntar bastante dinheiro para a festa e não sei se vou dar conta de pagar tudo sozinha... - Ela falou baixo.
Eu estava noivo e prestes a marcar a data do casamento. Megan passou os últimos dois meses falando da festa e do que queria na celebração, quais flores eram mais bonitas, o que as madrinhas iam usar, qual seria seu vestido de noiva... e eu ainda me questionava o motivo de ter sequer pedido a mão da minha namorada. Me sentia dormente, caminhando por estradas sinuosas. A sensação era de estar em um piloto automático de estudar, começar a trabalhar, noivar, casar e ter filhos. Obviamente, a pressão da família não ajudava. Minha mãe perguntava em todas as nossas pouquíssimas conversas se já tínhamos marcado data, dizia que queria ajudar Megan a escolher o vestido, enviava para minha casa revistas de casamento que ela fizera assinatura e, no pior de seus surtos, comprou uma roupinha de neném alegando que estava com medo de que quando finalmente fôssemos ser pais, já não existisse mais na loja. Megan adorava essa empolgação da minha mãe.
Eu estava apavorado.
- Sobre isso... - comecei - Acho que enquanto eu não arrumar
algo certo é melhor não pensarmos em festa. - Meu coração batia desesperado no peito já antecipando a tempestade que viria a seguir. O jeito que Megan me olhava era assustador. Estávamos em uma situação muito delicada e eu preferia esperar tudo se ajeitar, principalmente no lado financeiro.
Ela saiu como um raio do meu colo e se pôs à minha frente, mãos na cintura mais uma vez.
- Trenton! Eu não vou aceitar isso. São anos e anos de namoro! É o nosso casamento, não é um eventinho qualquer.
- Eu sei que não é um evento qualquer, mas do que adianta planejarmos as coisas sem saber quando vamos ter dinheiro para pagar? - questionei, levantando-me e segurando suas mãos. - Vamos só esperar um pouco, por favor.
- EU NÃO QUERO ESPERAR! - gritou, os olhos cheios de lágrimas. - Pedirei o dinheiro para a minha mãe.
- Você não vai fazer isso! - falei entre dentes.
A mãe de Megan era uma socialite bem conhecida e cheia da grana, que desde o começo nunca foi com a minha cara. Eu tinha certeza que essa ideia do emprego com o colombiano vinha dela, pois o que ela mais queria era me tirar de cena. Já havia chegado ao cúmulo de me oferecer dinheiro para fazer um mestrado na Europa caso eu terminasse o nosso
relacionamento. E minha querida futura noiva sequer sabia disso.
- Vou sim! - rebateu - É o meu casamento.
- Pois é o meu casamento também, e se tiver um centavo da sua mãe envolvido nisso eu não vou nem cogitar me casar com você. - Quando vi a cara de sarcasmo dela, logo continuei. - E não estou falando da boca pra fora, estou falando muito sério.
O silêncio tomou conta da sala do meu apartamento e a única coisa que ouvi foi um trovão, uma tempestade se anunciava. Suspirei, levemente derrotado por estar em toda aquela situação chata e sentei-me novamente, dando outro gole em minha coca e lembrando que não tinha comida na geladeira, apenas um pacote de Doritos no armário. Eu teria que fazer compras debaixo de chuva para cozinhar um jantar para nós dois.
- Você ainda me ama, Trenton? - Perguntou depois de algum tempo. Eu já tinha ouvido aquilo mais de um milhão de vezes desde que começamos a namorar. Geralmente eu ria e achava graça, respondia com carinho, mas não era dia pra isso. Eu estava muito irritado.
- Não vou responder essa pergunta ridícula. - Automaticamente saiu da minha boca.
- Acho melhor eu ir para casa, então. - Ela disse com firmeza, pegando sua bolsa no sofá e me olhando. Eu estava tão tenso com tudo que aconteceu que não consegui me abalar com o seu drama. - Depois
conversamos, você está muito nervoso e não quero passar a noite com um cavalo.
Acho que ela esperou eu falar algo ou pedir que ficasse, mas eu estava sem forças. Minha vida estava uma bagunça e a única coisa que conseguia pensar era em como colocar todas as coisas no lugar para que tudo pudesse voltar ao normal.
Mas minha falta de resposta foi o suficiente para que ela saísse batendo seus saltos com força no chão do meu apartamento. Ela só não bateu a porta porque outra visita estava chegando, e uma bem inesperada. Ethan, meu melhor amigo.
Frequentamos a mesma faculdade, dividimos apartamento durante anos e eu havia sido padrinho de seu casamento. Ele chegou em minha sala com duas malas de rodinha, uma mochila nas costas e uma sacola com seu Playstation 4 dentro. Estava todo molhado e, por alguns segundos, me preocupei com o estado daquele videogame, depois de passear pela chuva daquele jeito.