Eu estava tão atordoado com os últimos acontecimentos de minha semana que sequer parei para pensar que eu precisava de um novo currículo. Uma droga de um papel com meu histórico profissional, algo que jamais pensei que fosse precisar novamente. Por qual motivo chegamos a esse ponto em nossas vidas, que simplesmente paramos de nos importar com nossas próprias coisas?
- Certo. Então nos vemos às cinco, Senhor Miller. - Ela confirmou.
- Por favor, não se atrase, a agenda está muito apertada.
Hum.
- Estarei na hora marcada. Obrigado, Anna.
Desligamos e comecei a busca por meu currículo perdido dentro do computador. Mais uma vez sentia o peso de ter me acomodado em um emprego durante toda a minha vida de tal modo que não atualizava aquele documento há séculos. Encontrei uma cópia dentro de um email enviado alguns anos atrás para uma especialização em Harvard e atualizei com todos os seminários de Criminologia que havia participado, além de minha experiência na Montgomery.
Já com meu terno e pronto para sair, foi só abrir a porta de casa para
dar de cara com Megan em uma carranca. Ela não me cumprimentou e adentrou com rapidez em meu apartamento, me deixando um pouco irritado por conta da hora.
- Você não acha que me deve explicações? - Começou, jogando a bolsa no sofá.
- Sobre o que exatamente, Megan? - Olhei rapidamente para o relógio em meu pulso. - E por favor seja breve, tenho um compromisso.
Ela parou por alguns segundos.
- Que compromisso é esse? - Sua testa franziu. - E por que está de terno?
Eu não fazia ideia do motivo de não estar com a mínima vontade de contar a ela o que ia fazer, então resolvi apenas ser breve.
- Vou a uma entrevista.
- Já? Tão rápido assim? - Levantou uma sobrancelha. - Onde?
Respirei fundo e passei as mãos no rosto, procurando não me estressar.
- Um escritório que Montgomery me indicou. - Bufei. - Megan, por favor, eu preciso de concentração e calma para passar por essa entrevista, não é momento para que a gente comece a discutir. Eu não quero ir pra lá irritado.
- Onde é esse escritório? - Ela me ignorou.
- No Centro.
- Você entendeu a minha pergunta. - Suas mãos estavam na cintura e eu me senti acuado. Eu não tinha obrigação de estar passando por aquela situação justamente naquele momento.
- Entendi sim, mas não quero compartilhar com você. - Minha voz saiu um pouco mais alta, afinal meu nível de irritação já estava aumentando.
- Megan, por favor, vá para casa e deixe eu resolver a minha vida. Você não tem controle sobre ela, aceite isso.
- É sério que você está falando comigo assim, Trenton? Respirei fundo procurando não piorar a situação.
- Sim. É. E estou de saída. Podemos, por favor, conversar depois?
- Eu não vou sair daqui. - Cruzou os braços.
- Megan, se você não me der o espaço que eu preciso, eu não vou nem me dar o trabalho de conversar com você. Nossa história vai terminar agora.
- Eu duvido - falou debochada.
- Não me teste. - Encarei-a com o máximo de seriedade que pude. Olhei mais uma vez para o relógio e mantive a porta aberta, esperando que ela saísse.
Ela não parecia querer dar o braço a torcer.
- Eu vou para a minha entrevista. - Olhei em seus olhos. -
Quando eu voltar, se você estiver aqui, está tudo terminado entre nós.
Megan ainda falou algo, mas bati a porta e optei por não ouvir. Minhas mãos tremiam de raiva, e não só pelo que estava acontecendo, mas de mim, por ser tão vulnerável e por ter aceitado esse tipo de rédea durante tanto tempo. As coisas tinham que mudar. De um jeito ou de outro.
Saí do prédio com o mantra em minha cabeça que nada tinha acontecido e que eu não estava irritado. No caminho até o centro de Atlanta, repeti mil vezes que devia esquecer e separar a minha vida pessoal da profissional. Se eu misturasse as duas coisas agora, poderia perder uma grande oportunidade.
Por sorte, não havia trânsito e consegui chegar a tempo no Centro de Atlanta. Depois de me identificar na portaria do prédio, entrei em um imenso elevador espelhado. Olhei meu reflexo e ajeitei a gravata. Eu não ia me estressar. Ia encarar essa entrevista e o cargo seria meu, afinal, competência não me faltava.
Ao chegar no vigésimo segundo andar, no escritório com janelas de vidro que iam do teto ao chão de mármore escuro, me direcionei à recepção, onde uma moça loira falava ao telefone.
- Boa tarde - cumprimentei em meu melhor tom de voz. - Tenho uma entrevista. Sou Trenton E. Miller.
A moça sem rodeios me olhou de cima a baixo como se pudesse me
engolir a qualquer momento. Eu sabia o efeito que causava nas mulheres mas já estava acostumado a ignorar depois de ter que conviver com o ciúme obsessivo de minha namorada. Se eu desse qualquer corda, de alguma forma ou de outra Megan descobriria.
- Um momento. - Ela pegou o telefone. - Vou avisar a Anna que você está aqui.
Enquanto ela fazia a ligação, me afastei e levei minha atenção à parede que ficava à minha direita. Nela estavam todos os diplomas dos sócios da Parker Williams. Manfred Parker Williams, de Yale, Stanley Parker Williams, também de Yale, Richard Parker Williams, de Cornell e Caroline Parker Williams, da Emory. Classe de 2009. Ela havia se formado no mesmo ano que eu, então provavelmente nossa idade deveria ser bem próxima. Era bizarro pensar que tudo isso aqui estava sob administração de uma única pessoa.
- Senhor Trenton, Anna está vindo. Aguarde um momento, por favor. Deseja um café? - Seu olhar ainda era muito predador.
- Não, muito obrigado. - Sentei no sofá de couro preto da recepção, prestando ainda mais atenção na magnitude daquela firma, sendo impossível não comparar com o meu escritório antigo. Flint Montgomery, apesar de representar o que havia de melhor no Direito Internacional, nunca havia sequer reformado aquele escritório, todo de madeira e com cheiro de mofo.
- Trenton? - Uma menina magra e de cabelo curto apareceu à porta, com um largo sorriso no rosto. Me levantei para cumprimentá-la. - Sou Anna, assistente da senhorita Parker. Vou levá-lo até ela.
Pela recepção eu já achava que o escritório era grande, mas não estava preparado para aquilo. Andamos por um corredor de vidro que dava para diversas salas de reunião e após passarmos por uma porta, nos deparamos com mais um elevador. Sim, tinha um elevador particular que dava para a Diretoria. Enquanto o esperávamos, Anna me olhou rapidamente e abriu outro sorriso.
- Você trabalha há muito tempo aqui? - perguntei, evitando ficarmos naquele silêncio constrangedor.
- Quatro anos. - Continuou sorrindo. - Foi o tempo para estudar Justiça Criminal. - Ela olhou para seus pés e seu semblante entristeceu. - Hoje é meu último dia na verdade. Passei para a Savannah Law e vou me mudar para o Sul.
- Sério? - perguntei, animado pela informação. - Eu me formei na Savannah Law. É uma ótima escola. Você vai adorar.
- Espero que sim. - O canto de sua boca se curvou. Dava para perceber que Anna era muito tímida.
- Onde você fez os primeiros três anos? - perguntei com real curiosidade. Não era todo dia que eu encontrava calouros da Savannah, pois
era uma escola no sul da Geórgia e relativamente longe de Atlanta. Eu só havia ido para lá por conta de uma bolsa.
- Georgia Southern - respondeu com orgulho.
- Eu também! - Constatei, com saudosismo no olhar. - Let's fly! - Fiz o símbolo de asas com as mãos, um cumpimento que só quem estudou lá sabia. Anna riu.
- Uau, que coincidência! - Ela arregalou os olhos, sorridente e simpática. O elevador finalmente chegou e entramos. Ela apertou o botão do segundo andar. - A Senhorita Parker também estudou na Georgia Southern, antes de ir para a Emory.
- Caroline Parker Williams é da Georgia Southern? - Franzi a testa. Não era uma faculdade comumente frequentada por gente com bastante dinheiro. Muitos bolsistas. - Que estranho. Sabe o ano? - Lembrei que tinha visto seu diploma da Emory e a formatura da Escola de Direito havia sido no mesmo ano da minha.