Capítulo 2 O Presente

Chegando ao quintal, Melissa observou que alguns aldeões já haviam chegado. A mãe de Nicolas estava sentada em um canto conversando com outras duas mulheres. Duas crianças passaram correndo em sua frente e ela ficou horrorizada quando viu que o objeto de diversão das crianças era um dos laços de fita branco que deveria estar enfeitando alguma coisa. Um menino maior corria na frente do menor que tentava alcança-lo com o laço nas mãos estendidas, ao que parece, para colocar na cabeça do outro que estava fugindo.

A gargalhada das crianças, no entanto, fez rapidamente o seu humor melhorar, afinal de contas, quando a festa acabasse os laços iriam para uma caixa e sabe-se lá quando seriam usados novamente, isso se fossem usados.

Em um canto, sentadinha, estava uma menininha pequena com algumas flores nas mãozinhas e ela tentava coloca-las em seu cabelo com cachos dourados que iam até o ombro. Assim que colocava no alto da cabeça, elas caíam e ela fazia uma carinha triste e então, tentava novamente. Melissa se aproximou e a ajudou a colocar uma florzinha no cabelo. Distraída, brincando com a menina, ela nem percebeu seu pai que se aproximava.

- Melissa! - Ele chamou.

Ela se levantou rapidamente e dirigiu um sorriso ao seu pai, que ainda estava sujo dos trabalhos do dia.

- Oi, pai.

- Filha, a cada dia que passa você está cada vez mais parecida com sua mãe. Você está maravilhosa.

- Obrigada, pai. Não vai se arrumar? Está com o rosto todo preto. - Ela deu uma risadinha, enquanto tentava limpar o canto do olho de seu pai.

- Já estou indo, mas não pude deixar de falar com você primeiro, minha filha. Seus primos e o Nicolas estão perto da fogueira, vai lá.

- Estou indo. - Melissa mandou um beijo no ar e saiu a procura dos primos.

Logo os encontrou perto da fogueira, como seu pai havia dito. Yanni, seu primo mais novo, estava sentado, quase deitado, apoiado pelos cotovelos e gargalhando como louco. Ela sentiu vontade de rir só de velo daquele jeito. Arion, seu primo mais velho, estava sentado com as pernas cruzadas e olhando com um rosto sério para seu irmão. Nicolas estava mexendo na fogueira, o que exatamente ele estava fazendo ela não sabia, mas parecia que fora ele quem a acendeu pouco tempo atrás.

- Posso saber o motivo de toda essa alegria? - Ela perguntou e colocou as mãos na cintura.

- Quem é você? - Yanni perguntou. - Você é muito bonita, minha prima não é bonita desse jeito.

- Deixa de ser idiota, Yanni. - Ela disse enquanto sentava de frente para os primos. Não demorou muito e Nicolas ocupou o lugar ao lado dela.

- Você vai sujar o vestido. - Ele disse.

- Também não é assim, não é, Nicolas. - Ela disse com uma expressão séria no rosto.

- Eu só disse. - Ele levantou as mãos pro alto em sinal de rendição, e foi motivo para Yanni cair na gargalhada novamente.

- Esse aí tá lascado.

- E então. - Disse Melissa tentando começar uma conversa normal com seus primos. - Como está minha tia?

- Ela está bem. - Quem respondeu foi Arion. - Ela não quis vir por causa de nossa irmãzinha. A viagem é muito longa pra um bebê de 3 meses. Pelo menos foi isso que ela falou, mas as duas estão bem.

- Oh! Eu quero conhecer minha priminha. Assim que eu puder, eu vou vê-la.

- Aproveita e dorme lá em casa. - Yanni falou. - Se ao amanhecer, você ainda acha-la adorável e fofa e todas essas coisas, você merece um prêmio. - E voltou a rir.

Arion repreendeu o irmão com o olhar, e mudou de assunto.

- O que tem de bom pra fazer aqui na sua aldeia?

- Nada! - Melissa respondeu franzindo os lábios. - Esse lugar não tem absolutamente nada. Pra não morrer de tédio, treinamos em um campo aqui perto todos os dias de manhã. Não é como na sua aldeia que tem tantas coisas pra ver.

- Podemos explorar a floresta. O que você acha? - Arion deu a ideia.

- Não! É perigoso. - Respondeu Nicolas.

- Não acredito, Nick! Você acredita nas bobagens que falam? - Melissa disse cruzando os braços.

- Não acredito. - Ele disse imediatamente.

- Mas... - Melissa o instigou a dizer mais.

- Mas pode ser perigoso - respondeu como se quisesse dizer: " Não vai e ponto final." E essa entonação deixou Melissa brava.

- Dizem que a floresta é mal assombrada e que seres de outro mundo vivem lá. Que pessoas já foram mortas ou desapareceram na floresta. É isso que as pessoas falam e Nicolas está com medo. - Ela disse olhando pra ele, um olhar de desafio.

- Bobagem! Assombrações não existem e seres de outro mundo também não. - Disse Yanni.

- Mas pessoas morreram ou desapareceram. Isso é verdade e ninguém sabe o verdadeiro motivo. - Completou Nicolas.

- Podemos ir com calma. Iremos armados e qualquer coisa de diferente a gente volta. Esta é a mesma floresta que cerca a minha aldeia. As pessoas caçam nela, fazem até piquenique ou tomam banho no rio, e ninguém nunca disse nada do tipo. - Arion disse.

- Está certo, então. - Decidiu Melissa. - Amanhã de manhã iremos explorar a floresta. Se você não quiser não precisa vir, Nick. - Ela o provocou.

- É claro que eu vou. Não vou deixar você com esses irresponsáveis. - Ele observou Arion o olhar de lado, mas não disse nada.

Notando a tensão no ar, Melissa decidiu mudar de assunto.

- Estou cheia de fome. Vamos comer?

Todos se levantaram ao mesmo tempo e foram em direção à mesa.

***

Algum tempo depois, Nicolas puxou Melissa pela mão.

- Venha, vamos procurar seu pai. Quero falar sobre nosso noivado. Já esperei demais.

- Vamos. - Sorriu e o acompanhou.

Não demoraram muito para encontrar seu pai sentado com alguns amigos conversando e bebendo cerveja.

- Pai! - Melissa chamou. - Preciso falar com o senhor.

Ele pediu licença e se aproximou da filha. Com a mão livre, ela pegou a mão do pai e o puxou para um canto pouco iluminado e com menos pessoas.

- Na verdade sou eu que quero falar com o senhor, senhor Hedi. - Disse Nicolas, um pouco nervoso, mas firme. - Como o senhor sabe, sou amigo de Melissa desde a infância, namoramos há dois anos e o senhor sabe que desejo torná-la minha esposa, mas ano passado me disse que se pudesse esperar mais um ano, permitiria que nos tornássemos noivos. Então, aqui estou eu. Vim pedir a mão de sua filha em casamento.

- Sei. Eu me lembro disso! - Hedi coçou a barba loira. - Você realmente gosta da minha filha, rapaz?

- Sim senhor.

- Então não deve pedir a mim, e sim a ela. Se Melissa aceitar o pedido, eu os abençoo.

O sorriso do rapaz se expandiu, assim como o da garota. Nicolas apoiou-se em um joelho e fez seu pedido.

- Melissa, meu amor, você aceita ser minha noiva e futura esposa?

Emocionada, a moça abraçou o rapaz e confirmou seu pedido.

- Escuta uma coisa, rapaz. – O homem tirou a atenção do casal para si. – Minha filha é meu bem mais precioso, é minha única filha e a lembrança viva da minha esposa. A respeite e não a faça sofrer ou irei me decepcionar com você.

- Nunca a farei sofrer. Prometo. - Nicolas respondeu estendendo a mão para selar o compromisso e Hedi apertou sua mão.

- Tudo bem, então.

Melissa abraçou o pai fortemente, beijando sua bochecha e declarando sua felicidade.

- Obrigada, pai. - Ela estendeu a mão para Nicolas e o puxou. - Eu já volto.

Melissa arrastou Nicolas para fora do quintal. Indo em direção a uma subida que dava em um pequeno morro que ela gostava de ir de vez em quando. Saindo do alcance das lamparinas e da fogueira que iluminava a festa, tudo o que iluminava o caminho deles era a lua cheia.

- Onde estamos indo, Mel?

- Você já vai ver.

Eles subiram o morro e ao chegar ao topo a jovem se viu de frente para a lua cheia. A brisa da noite soprava entre seus cabelos e a luz prateada da Lua iluminava seu rosto e a revigorava. Era maravilhoso.

- É lindo. - Nicolas finalmente falou.

- Eu nunca tinha vindo aqui a noite. É ainda mais lindo que durante o dia.

Nicolas se sentou e puxou Melissa pra se sentar em seu colo.

- Venho aqui quando preciso pensar ou quando quero ficar sozinha. É um lugar especial pra mim. Por isso quis compartilhar ele hoje com você. - Se virou para ele.

- Obrigado! - disse.

Ele alcançou seu rosto com as mãos, a acariciou e depois segurou firme seu rosto a trazendo para mais perto, para um beijo. O primeiro do casal após se tornarem noivos, e este a fez se lembrar do primeiro e especial beijo de Melissa, aquele dado ao mesmo homem que a beijava homem. Aquele tinha sido tão sonhado com este em que se tornaram noivos.

O beijo envolvente do rapaz a deixava totalmente entregue, as línguas se exploravam com mais vigor e o choque dos lábios quase a fazia se esquecer que sua festa estava acontecendo logo abaixo.

O casal ficou ainda um tempo lá, sentados, namorando e conversando. Fazendo planos para o futuro. Um futuro próximo na cabeça de Nicolas e nem tão próximo assim para Melissa. Para a moça, apesar de amar o rapaz, ainda não estava na hora de se casar. Talvez daqui a dois anos, mas não imediatamente.

- Temos que ir. - Melissa disse se levantando e ajeitando a saia do vestido. Ela segurou a mão de Nicolas e o arrastou de volta para a festa.

Quando chegaram, Melissa viu a avó aflita andando pelo quintal, provavelmente a sua procura.

- Melissa, minha querida, onde você estava? - Dona Elis se aproximou aflita da neta. - Temos que fazer a cerimônia dos presentes, já está tarde. As crianças já estão dormindo. Daqui a pouco as pessoas vão querer ir embora.

- Fui levar Nick no meu lugar especial, vovó! Papai já contou a novidade? – Melissa estava com um sorriso largo no rosto. - Estamos noivos.

- Sim, querida. Seu pai me contou. Fico feliz por vocês. – Mas apesar das palavras tranquilas, a idosa agarrou a mão da neta e a levou em direção a cadeira enfeitada no meio do quintal.

- Peço a atenção de todos, por favor! - Dona Elis diz em voz alta e estendendo as mãos para cima. - Hoje é o 18º aniversário da minha neta, Melissa, e todos vocês estão aqui para comemorar essa data com ela. - As pessoas aplaudiram, felicitando a aniversariante.

- Na minha família... - Continuou Dona Elis. - Fazemos uma pequena cerimônia de entrega de presentes nessa data. Como a minha filha, mãe de Melissa, é falecida, eu darei o presente em nome dela. Depois o pai, e então quem mais quiser presentear a aniversariante pode se aproximar.

Elis se aproximou da neta com uma caixa nas mãos e disse somente para sua neta:

- Minha querida, na nossa família há uma joia que passamos de mãe para filha. Eu recebi de minha mãe e entreguei para a sua quando ela fez dezoito anos. Quando ela faleceu, a joia voltou para minhas mãos e estou te entregando agora. É simples, mas é importante.

Melissa abriu a caixa e dela retirou uma pedra azul redonda de tamanho médio, não era pesada. Ela parecia ter outras cores intrincadas mas a que mais sobressaía era a azul. O colar que fixava à pedra era de um couro fino trançado fortemente.

- Obrigada, vovó! - Uma lágrima saiu rolando em seu rosto quando ela lembrou que deveria ser sua mãe a entregar-lhe essa joia de família. A idosa a abraçou, sabendo exatamente o que ela estava pensando.

- Não tire esse colar. Ele vai proteger você. Sempre! Entendeu? - Melissa confirmou com a cabeça e pendurou o colar.

Depois de sua vó, foi a vez de seu pai. Ele lhe deu um arco e flechas novinho, com uma aljava cheia de flechas. O metal da ponta reluzia, Melissa ficou maravilhada. Seu arco e flechas já estava muito usado e ela amou o presente.

- Obrigada, pai. – A jovem se levantou e o abraçou.

Depois ela recebeu presentes dos primos e de outros aldeões. Enfeites de cabelo, brincos, tecidos, sapatos, flores. Até uma criança lhe ofereceu uma guirlanda de flores e ela amou o presente, colocando-o imediatamente na cabeça. No final da cerimônia, ela estava cansada. Se despediu de todos e foi dormir.

Porém, não esperava que durante o sono ela tivesse um sonho que no começo foi maravilhoso, mas o que lhe aguardava no final a deixaria aflita.

" Ela estava sentada no alto do morro onde tinha ido mais cedo com Nicolas. A lua cheia estava ainda mais brilhante. Ela estava envolvida em seus braços carinhosos. Era maravilhoso se sentir protegida. O vento suave no seu rosto, a luz prateada da lua, tudo estava perfeito, até que um vento forte soprou e ela sentiu frio, a lua cheia estava escurecendo pela borda, como em um eclipse. Ao olhar para o lado em busca do noivo, Nicolas não estava mais lá, a jovem encontrava-se sozinha e com medo. Muito medo. Isso pesava em seu estômago e frio gélido percorria seu corpo. Uma sensação de estar sendo observada surgiu e a cada instante que passava, aumentava mais.

Ela se levantou e girou ao seu redor, e não havia nada nem ninguém, somente árvores e trepadeiras. A lua agora estava ainda mais escura. A sensação de estar sendo observada estava ficando insuportável e a lua quase totalmente encoberta. Ela saiu correndo, o desespero tomando conta da moça. O frio aumentava, era como se de repente fosse começar a nevar, ela observava sua respiração no ar frio enquanto corria utilizando a pouca luz que restava para correr, até que tudo ficou escuro e uma mão gelada agarrou em seu braço, puxando-a com violência. O pânico tomou conta e ela não viu nem sentiu mais nada."

            
            

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