A escola de Charlotte fica a uma curta distância da casa deles e acho que essa é uma das razões pelas quais Caleb a comprou, o que naturalmente me deixa um pouco derretida. Balanço a cabeça e tento parar de pensar nele. Tenho um trabalho a fazer, mas continuo me perdendo em pequenos devaneios sobre ele. É ridículo, realmente. Imaginei que iria superar meu insta-crush em questão de horas, mas aqui estou eu, semanas depois, e ainda me pego pensando no sorriso dele.
Ok, estou pensando em mais do que o sorriso dele. Mas caramba, ele tem tantas coisas para sonhar acordada.
A maioria das outras pessoas que esperam os alunos da primeira série sair são mães. Várias têm crianças em carrinhos de bebê ou agarradas às pernas. Uma garotinha, que tem as tranças mais fofas, bate palmas e grita quando sua irmã mais velha sai. É uma cena doce.
Aposto que Charlotte adoraria ser uma irmã mais velha.
Não pela primeira vez desde que me mudei para cá, penso na minha própria irmã. Ainda me sinto culpada, como se nunca tivesse ficado triste o suficiente por perdê-la. Óbvio que fiquei triste quando ela morreu. Chorei e senti aquela sensação esmagadora de perda que faz o mundo parecer tedioso e cinzento, como se você não tivesse certeza se algum dia seria feliz novamente.
Mas depois de um tempo, continuei com a minha vida. Ou, talvez seja mais preciso dizer, voltei a tentar sobreviver ao inferno que foi o ensino médio. Talvez não devesse ser tão dura comigo mesma. Meus anos de adolescência não foram exatamente tranquilos, e perder minha irmã no meio disso não facilitou as coisas.
Eu era tão tímida que tive dificuldade em sobreviver na escola. Felizmente, não sofri bullying, eu era invisível demais para isso. Ninguém me notou, mas era uma coisa estranha andar por corredores lotados, constantemente cercados por pessoas e sentir como se elas pudessem ver através de você. Como se nada mudasse se você não estivesse lá.
Saí da minha concha um pouco mais na faculdade. Estar longe de casa ajudou. Meus pais sempre foram críticos e era impossível viver sobre a sombra de Melanie. Ela era tão perfeita. E quando ela se foi, todas as esperanças e sonhos dos meus pais recaíram sobre os meus ombros.
Mas eu era uma coisa tão estranha e quieta. Minha família não me entendia, nem meu amor pela música nem meu comportamento de fala mansa. Houve um tempo, quando eu tinha onze anos, que fiquei convencida de que deveria ter sido adotada. Nem pareço com meus pais.
Aparentemente, eu puxei minha avó paterna. Mas era difícil ser a estranha da família. Tudo o que sempre quis foi me sentir normal.
Ser a babá, entre o que tenho quase certeza serem todas mães, é um pouco estranho, mas não vou deixar que isso me chateie. Embora eu não seja tão tímida como costumava ser, ainda tenho dificuldade em iniciar conversas com estranhos. Há uma mãe que faz contato visual comigo e sorri na maioria dos dias. Eu tenho tentado criar coragem para dizer oi para ela e me apresentar, mas até agora ainda não o fiz. Em breve. Talvez, eu seja corajosa o suficiente amanhã.
A porta se abre, uma garota com rabo de cavalo sai batendo palmas e saltando na ponta dos pés, e as crianças começam a sair. A professora garante que um pai ou outro adulto esteja esperando antes de soltar cada criança. Espero até que os colegas de Charlotte sejam liberados para seus respectivos adultos.
As crianças param de sair, mas eu não vejo Charlotte. A professora, Sra.
Peterson, olha para trás algumas vezes e depois faz contato visual comigo.
- Espere um segundo.
Ela desaparece da porta, e dou um passo à frente para espiar dentro. Charlotte ainda está sentada em uma das mesas. Eu posso ver o crachá dela, decorado com flores rosa: Charlotte Lawson. Caleb fez o cabelo esta manhã, e ainda está em um rabo de cavalo com um tic tac rosa segurando os fios de cabelo que tendem a cair ao redor do rosto.
Ela está olhando para a mesa, sua expressão em branco. Suas mãos estão flácidas no colo e a mochila está apoiada contra uma das pernas da mesa.
- Charlotte - diz Peterson. - É hora de ir. Sua babá está aqui para buscá-la.
Os olhos de Charlotte levantam, encontrando os meus, e eu entro na sala de aula. Ela parece aterrorizada, seus olhos castanhos implorando para que eu a ajude.
- Anjinha. - Eu me agacho ao lado da cadeira dela. - Querida, o que há de errado?
Seu lábio inferior treme, mas seus olhos estão secos. Ela não diz nada.
Eu gentilmente tiro uma mecha de cabelo da testa dela.
- Você está pronta para ir?
Ela assente.
- Ok, anjinha. Vamos pegar sua mochila. Você quer que eu carregue para você?
Ela assente novamente.
Pego a mochila pela alça superior e fico de pé, mas ela ainda não se mexe.
Sra. Peterson cruza os braços e suspira. Meus olhos se voltam para ela.
- Ela só precisa de um minuto - eu digo.
Sra. Peterson não diz nada, mas sua impaciência é como um perfume barato, saturando o ar com seu odor.
Inclino-me o suficiente para pegar a mão de Charlotte e puxá-la gentilmente para fora da cadeira.
- Você acha que devemos fazer pipoca quando chegarmos em casa? Estive pensando em pipoca o dia todo, mas não fiz ainda. Acho que devemos fazer juntas.
Ela desliza sua mão na minha e a aperta com força. Não sei por que ela está tão assustada, mas lancei outro olhar de volta para Sra. Peterson. Ela disse algo para chatear Charlotte? Estou com raiva de pensar nisso, mas acho que Charlotte não vai me dizer nada aqui. Eu preciso levá-la para casa.
- Você gosta de manteiga na sua pipoca, anjinha? - Eu pergunto, levando-a para a porta ainda aberta. Ela está segurando minha mão com tanta força que quase dói. Ela tem um aperto e tanto.
Nós saímos e Charlotte para. A porta se fecha atrás de nós e não posso evitar de lançar um olhar que Sra. Peterson não verá. Posso perceber que ela está frustrada com Charlotte, e isso me faz não gostar muito dela. Eu me agacho de novo para poder olhar Charlotte nos olhos.
- Anjinha, você pode falar comigo? Você pode me dizer o que há de errado?
Ela olha para o chão, mantendo minha mão em um aperto mortal.
- Você não esqueceu.
- Eu não esqueci o que, querida?
- Eu.
- É claro que não te esqueci - digo. - Você estava com medo de que eu a esqueceria?
Ela assente, mas não olha para cima.
- Por que você teria medo de eu te esquecer?
- É o décimo sétimo dia - diz ela.
- Eu não entendo.
- Brittany me esqueceu no décimo sétimo dia.
- Sua antiga babá? Quer dizer que ela esqueceu de buscá-la na escola?
Mas o que significa o décimo sétimo dia? O décimo sétimo dia do quê?
- O décimo sétimo dia de ser minha babá.
- Oh - eu digo, entendendo o que está acontecendo comigo. - Hoje é meu décimo sétimo dia?
A voz dela é tão baixa.
- Sim.
Eu a puxo para frente e envolvo meus braços em volta dela.
- Oh, anjinha. Eu não vou te esquecer. Não no décimo sétimo dia. Não em nenhum dia.
Ela balança a cabeça contra mim e posso sentir seu pequeno corpo tremer quando ela começa a chorar.
- Você estava preocupada com isso o dia todo, não estava? - Eu pergunto.
- Uhum.
Esfrego as costas lentamente e a deixo chorar no meu ombro. Eu quero chorar junto com ela. Quebra meu coração pensar que ela se afligiu o dia inteiro, preocupada por eu não estar aqui para buscá-la.
- Escute - eu digo, e recuo um pouco para que eu possa olhar para ela e limpo as lágrimas debaixo dos olhos. - Vou fazer uma promessa agora.
Você entende o que significa promessa?
- Sim - ela diz. - É como um juramento.
- É como um juramento - eu digo. - E essa é uma ótima palavra. Eu vou fazer um juramento, ok? Eu prometo que nunca vou te esquecer. Se eu devo estar aqui, eu estarei aqui. Eu sempre estarei aqui para você.
- Toda vez? - ela pergunta.
- Todas as vezes - eu digo. - Não importa o quê.
Ela funga e eu enxugo sua última lágrima.
- Você disse pipoca?
Eu rio.
- Com certeza, sim. Vamos para casa.
Nós caminhamos para casa, de mãos dadas, e ela não está mais me segurando com um aperto mortal. Quando chegamos lá, faço uma grande tigela de pipoca com muito sal e manteiga. Ela pode não ter fome no jantar, mas acho que às vezes uma garota precisa arruinar seu apetite.
Caleb chega em casa antes dela dormir. Ela corre para cumprimentá-lo na porta assim que ouve as chaves dele. Como sempre, ele a pega e a segura por um longo momento.
A coisa toda não é realmente justa. Ele é tão lindo que deixa minha respiração ofegante toda vez que olho para ele. É esperto e engraçado, um cara genuinamente legal em um mundo onde muitos deles não são. E ele ama muito a filha. Eu não acho que fazem mais homens assim. Talvez em livros ou filmes, mas não na vida real. E, no entanto, lá está ele, parado na porta da frente, o mais real possível.
E completamente inatingível para alguém como eu.
Solto um longo suspiro e sorrio quando Caleb entra na sala, ainda carregando Charlotte. Ela está com a cabeça apoiada no ombro dele.
- Vou levá-la para a cama - diz ele.
- Tem jantar para você na cozinha - eu digo. - Guardei em uma vasilha para que você possa esquentar ou deixar para amanhã, se não estiver com fome.
Ele me encara e eu gostaria de saber o que ele está pensando. É quase como se ele estivesse encantado. Pelo que, eu não consigo imaginar. Mas ele só fica lá por um longo momento, esfregando círculos lentos nas costas de Charlotte, seu olhar fixo no meu.
Ele pisca e limpa a garganta.
- Obrigado. Na verdade, estou morrendo de fome. Vou descer daqui a pouco.
- Ok.
Charlotte murmura uma boa noite enquanto ele a leva para o andar de cima.
Eu os assisto ir, sentindo uma pequena dor no peito.