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- Levanta para ir comprar o pão. – Só por que o sono estava bom? Cara chato.
- Vai você. Eu não tô com fome. Me deixa dormir. – Falei para o meu irmão mais velho.
- E isso por um acaso foi um pedido? Eu tô mandando você ir comprar. E anda logo. – Vou levantar, mas não porque ele está mandando. Até porque ele não manda em mim. Isso é porque eu quero.
Levantei, fui escovar os dentes e arrumar o cabelo para poder ir comprar pão, ou pelo menos ver se ele estava decente. Sair de manhã sem olhar o cabelo e como rir na cara do perigo, porque cacheados, ou pelo menos eu, não sabem dormir. Não vou comprar um kit com tudo da minha casa de cetim.
O caminho da padaria foi tranquilo. Na verdade, eu não diria que foi muito legal, por conta dos olhares tortos do pessoal do colégio que subiam naquele horário, mas fazer o que, né? Sinto que terei que aguentar isso por muito tempo, ou pelo menos por uns dias.
Acho que talvez seja a famosa síndrome de protagonismo. Será que peguei só de conversar com a Luísa? Espero que encontrem a cura logo.
Ao chegar em casa começamos a rotina de tomar café e depois ir arrumar a casa. Minha mãe sai cedo de casa para trabalhar, então ficamos em casa até as três completamente sozinhos, e isso é bom, né? Mais privacidade. Só pela manhã, pelo menos, já que quando eu chegava do colégio ela já está em casa.
- Ai meu Merlin. Eu tive uma discussão anteontem no colégio. – Falei sussurrando para mim mesmo enquanto eu lavo as louças.
Uma briga na saída do colégio. NA PORTA DO COLÉGIO! O mesmo colégio que o meu irmão estuda e saí na porcaria do mesmo horário. Ai meu Merlin! Ai meu Merlin! E se ele perguntar sobre o que aconteceu? O que eu respondo? Ou melhor. E se ele resolver abrir a boca para a minha mãe sobre aquilo. Sei lá, talvez da briga com a Luísa ele não vá falar, já que nunca gostou dela.
Vou tentar esquecer isso e vamos focar em assuntos mais importantes que isso. Ou fingir que isso não é realmente uma coisa importante.
Eu sou o único que tem uma ordem para lavar as louças? Talvez seja mania de um desocupado, mas ainda assim eu odeio lavar loucas fora da minha sequência. Sequência que é a única correta e se alguém discordar está errado.
Só para fins de estudos mesmo. Todos lavam primeiro os talheres, depois os copos, pratos, vasilhames e por último panelas, né? Fora que tem a subordem dentro dessa sequência. A subordem não julgo quem não tem, mas ainda sim temos que ter a decência de separar os metais, do vidro e do plástico quando vamos guardar. Eu sou definitivamente um estranho, mas quem não é?
- O prato vai sumir se você passar mais dois segundo esfregando. – Eduardo brotou na porta da cozinha, e sim. "Brotou" porque ele surgiu do nada aí.
Temos um problema. Eu tipo... sem querer. Meio que por culpa da minha desatenção. Quebrei o prato na pia. O que o idiota, conhecido como eu fui fazer? Catar os cacos e furei minha mão. E o meu amado irmão tá rindo igual um imbecil da minha cara. Eu também iria rir, se ultimamente a minha vida não estivesse sendo tão trágica. E isso só está acontecendo em dois dias. Semana que vem eu nem estou mais vivo para contar a história.
Temos um problema. Eu tipo... sem querer... Meio que por culpa minha... quebrei o prato na pia. O que o idiota, conhecido como eu fui fazer? Catar os cacos e furei minha mão. E o meu amado irmão tá rindo igual um imbecil da minha cara. Eu também iria rir, se ultimamente a minha vida não estivesse sendo tão trágica.
- Se você não terminar de limpar a casa agora eu faço você engolir esses cacos de vidro, garoto. – Eu não sou agressivo, mas pra que ficar rindo desse pobre anjinho que se cortou, anjinho que eu chamo de "Eu"?
Terminei de enxaguar as louças sofrendo e fui me sentar. Ainda bem que restavam poucas. Logo em seguida meu irmão foi até uma pequena farmácia para comprar uma coisa que o povo usa para colocar no machucado. Como é o nome? Que se dane. Acho que é gaze. Depois disso me ajudou a limpar o machucado.
Pelo menos não foi na mão direita, ou eu iria faltar. Seria uma ótima ideia, se eu não odiasse faltar e só o fizesse em situação de extrema importância. Tipo um atestado médico, uma consulta no psicólogo ou quando algum cantor dos meus favoritos lança um álbum novo no horário da escola.
O tempo passa muito rápido, hein? Resumindo, a manhã foi no automático, então eu pisquei e já estou no colégio e estamos perto do fim da terceira aula. Hoje eu resolvi vir mais cedo, assim não encontro com três milhões de pessoas que já estão prontíssimas para as mais diversas fofocas sobre mim. Não é legal ganhar a fama de fura olho ou o menino estranho que namora o Luís. Não queiram isso crianças.
Para falar a verdade, hoje foi praticamente como ontem. Fofocas com olhares, agora menos discretos e professores me olhando estranho. Talvez eu tenha até repetido o erro de ontem e não comi. Tentar aprender com o erro é algo que eu definitivamente não faço, porque no final faço a mesma coisa de novo.
Sabe, eu poderia muito bem desmentir toda essa história, mas eu sei que isso não seria muito legal com a família do Luís, já que eles não têm culpa e precisam ouvir do próprio filho mentiroso que ele mentiu. Irônico, não? Apesar de tudo, eu ainda sinto meu coração querer sair pela boca quando o Luís chega perto. Ontem e anteontem foram a exceção da regra.
Sentado aqui eu pude perceber que eu sou meio solitário. Tinha um vão de pelo menos duas cadeiras de cada lado perto de mim. Talvez a história do passado não tenha sido superada por eles ainda. Ou eu só transmito medo e sou estranho demais. Talvez os dois estejam combinados e eu só quero sair desse lugar. Essas pessoas conseguem extrair todos os meus piores medos e sentimentos.
Passei metade do dia viajando na maionese e isso me custou bastante corretivo para corrigir todos os erros que havia feito no caderno. Acho que eu estou voando mais que o costume, quando percebi que todos saíram da sala, então já era o intervalo.
Meu estômago já havia reclamado de novo, mas hoje parecia menos estressado e eu acho que posso aguentar tranquilamente até o horário de ir para casa.
Sabe? Esse lugar é quente como o inferno, então resolvi sair da sala e ficar sentado na mureta do corredor e hoje bati um recorde. Demorei somente três minutos de debate interno com as minhas outras personalidades. Elas não queriam sair, mas o meu corpo precisava de um pouco de vento.
Todos perceberam a minha presença e ficaram me olhando e cochichando, já que infelizmente a minha sala é bem no meio do colégio. Não exatamente no meio, mas todos podiam me ver. Ah, vocês entenderam.
Estava começando a me sentir incomodado como barulho e as fofocas, logo me levantei para ir para a sala de aula.
- Não vai comer? – Ele perguntou, mas estava mais distante que o normal. Logo ele que vivia perto, até demais, das pessoas. – Vi que você não foi comer. Você almoçou pelo menos? – Ele estava me observando? Ou melhor. Ele está preocupado comigo? Acho que está levando a sério demais essa história.
- Na verdade, não. – Falei e tentei sorrir para ele. Bom, ele não falou nada, só me deu uma sacola que tinha em mãos e me deu com um copo.
- Comprei um salgado para você. Para o caso de passar mal de novo. – E-ele comprou um salgado para mim? Porque eu me sinto com tanta vergonha e como um adolescente de filmes clichês? Quero explodir por dentro. Levou tão a sério que me compra lanches. Fingir um namoro pode não ser algo tão ruim, não é?
- Obrigado. – Sorri para ele, tentando ao máximo ser amigável. Ele sorriu de volta, mas dessa vez foi um sorriso de verdade.
Chamei ele para dentro da minha sala que não tinha uma alma viva. Ao sentar e abrir a sacola, vi que tinham uma coxinha e um pastel e estavam quentes.
- Estão quentes ainda. – Sorri. – Como? – Perguntei.
- Usei o microondas do colégio. – Ele riu. Porcaria. Para de ficar exibindo esse sorriso bonito, garoto. Que ódio. Parece que está se exibindo. – Espera. O que foi isso na sua mão? – Perguntou e sem nenhuma cerimonia a segurou.
- Usei o micro-ondas do colégio. – Ele riu. Porcaria. Para de ficar mostrando esse sorriso, garoto. Que ódio. Parece que está se exibindo. – Espera. O que foi isso na sua mão? – Perguntou e sem nenhuma cerimônia segurou a minha mão.
- Ah. Eu meio que me cortei. Derrubei um prato.
- Você não consegue ficar um dia sem ter problemas? – Ele riu.
- Desde o meu namoro, que eu não sabia, só tenho problemas. – Sorri enquanto comia a coxinha.
- Ah, sobre isso. Desculpa, eu não pensei direito. A Luísa vivia no meu pé e eu não aguentava mais. Você foi o primeiro que eu vi. – Então ele sai pedindo em namoro a primeira pessoa que ele vê? Achei que como éramos amigos seria melhor que um estranho. – Então ele me escolheu? Me sinto honrado pelo crush ter pensado em mim ou com raiva por ele não ter pensado nas consequências de me colocar contra a Luísa?
- Chato, né? É só você desmentir e tudo volta ao normal.
- Já disse que não posso, pelo menos não por agora. Então você vai me aguentar sendo seu namorado de mentira. – Sorriu. – Prometo comida todo dia. E aí? Me responde depois. – Sussurrou perto do meu ouvido.
Okay. Sabemos que ele era o meu crush de distancia. Sabe aquela pessoa que você acha linda e tals, mas não tem coragem de dizer? É isso. Ainda assim eu não consigo ignorar que ele ferrou minha paz, assim como não esqueço que ele é lindo e me sinto lisonjeado de ser seu escolhido a namorado de mentira.
A Luísa sabia disso, do crush que eu tinha nele, mas ela era a única com coragem de dar em cima dele. Ela e linda e popular e eu sou só eu. Ela tinha mais chances, eu seria a piada. Ela nunca deixa passar um detalhe.
Ainda estava na metade da coxinha e já estava morrendo para terminar. Eu nunca vou conseguir comer esses dois salgados.
- Tá esperando o que para comer esse pastelão? – Perguntei. Ele tentou negar, mas eu sou bem persuasivo também. Depois até bebeu meu suco o folgado.
Sabe? Talvez eu tenha sido duro o Luís. Porque eu achava que ele era egoísta e sem noção, mas não. Nesse tempo que ficamos conversando, eu percebi isso. Ele é legal e não faria algo assim, até tentou deixar o clima melhor. Ele sempre deixa o astral lá no alto, mesmo quando entram meus colegas de sala e ficam olhando estranho para nós dois.
Conversamos sobre como os pais dele reagiram ao "namoro" e ele disse que eles realmente me acharam lindo. É tão bom ouvir isso de alguém que não seja sua mãe, não é? Porque se só a minha mãe me fala eu nem dou credibilidade. Ela é suspeita em falar isso.
Sabe? Talvez eu tenha sido meio bruto com ele por medo do que a Luísa faria de novo, já que a vez que ela fez algo foi meio traumático, mas até agora ela não fez realmente nada. Quem sabe ela resolveu aceitar a perda? Bom, agora que vi o quanto isso parece uma piada, eu me sinto um bobo. Luísa aceitar uma perda é pedir pra nascer pêlos em ovos.
Conversamos sobre como os pais dele reagiram ao "namoro" e ele disse que eles realmente me achavam lindo quando éramos amigos, agora como namorado eles surtaram. O incrível é que eu não havia conhecido eles ainda. Acho que alguém andou exibindo fotos minhas por aí.
Ele gosta de rir e não parece algo forçado, coisa que eu geralmente acho em todo mundo. Me sinto do lado daqueles personagens de filmes de romance. Bonito e que deixa o astral lá em cima. Um ótimo partido.
Porém, como acontece na vida real, o mundo deu um jeito de estragar o momento de descontração e fez o intervalo acabar. Como 30 minutos podem passar tão rapidamente? E como em trinta minutos ele me fez esquecer o que havia feito?
Luís pegou nosso lixo e levou a lixeira, se despedindo e indo para a sua sala. Meu resto de dia ficou tão mais leve agora. Resolver seus problemas com as pessoas é terapêutico. As pessoas da minha sala também estavam mais tranquilas, ou era impressão minha? Acho que era impressão. Acho que minha carranca diária trás um certo ar pesado para as aulas.
Quando estava saindo do colégio dei de cara com Luís, que esperava alguém. Olhei para ele que sorriu, então abaixei a cabeça e continuei, até sentir alguém me segurando pelo braço.
- Não vai me esperar? – Era ele.
– Achei que você iria para casa com seus amigos. Você mora no sentido contrário. – Falei apertando as alças da mochila. – Ai. – Esqueci que tinha um machucado na mão. Apertei forte demais. Que tipo de reações são essas?
- Não posso te acompanhar? – Perguntou e eu fiz que sim com a cabeça. – Me dá a mochila. Deixa que eu levo. – Ele nem me esperou falar nada e tirou a mochila da minha costa.
- Eu posso levar. Não tenho problema na costa. – Ignorado com sucesso.
Luís começou a andar e fui obrigado a segui-lo. Quando fiquei do seu lado começamos a conversar sobre besteiras. Ele era um garoto popular estranho. Não jogava no time de futebol nem era fã e nunca tinha namorado. Por que ele é tão amado pelos outros e eu não? Somos praticamente a mesma pessoa. É claro que isso seria se eu tirasse meu olhar morto e meu humor quebrado.
Andamos mais ou menos cinco minutos e já chegamos na minha casa.
- Obrigado. – Fui pegar a mochila, mas ele olhou para minha mão com cara feia. – Desculpa. – Tinha oferecido minha mão machucada.
- Até amanhã. – Sorriu mais uma vez para mim. – Pensa direito sobre tudo. Eu juro que não é tão ruim namorar comigo. – Fez piada até com isso. Mas se me der comida, já considero um ótimo relacionamento.
E assim ele fez o caminho dele para casa e eu entrei na minha soltando risos ao vento por ter feito um amigo.