Mordo o lábio e vou em frente, mancando, me contendo para não gemer, andando devagar, a chuva aumentando.
De repente sinto braços me erguerem e seguro na camisa de Tom assustada.
Ele rapidamente me leva para o próximo prédio e lá está... paredes brancas, uma cobertura e metros e metros de coxos dos dois lados e vacas holandesas emparelhadas fazendo sua refeição.
Além dos animais não há mais ninguém.
"Por que você não me disse que o que era?", pergunto indignada.
"Você não ia acreditar, não é, promotora?", Tom responde debochando e me pondo no chão.
Ele levanta uma sobrancelha e me encara.
"Se eu dissesse que eram apenas coxos você ia pensar que eu estava escondendo alguém aqui, não é?", ele se inclina para mim com os olhos cerrados.
Suspiro desalentada e sacudo a cabeça.
"Eu não acredito nisso", eu penso, já imaginando que teria que voltar aqui mil vezes até poder intimar o Nichollas Behring.
"Está satisfeita?", Tom pergunta irritado.
"Tom, você pode ligar para o Nichollas, por favor, e ver quando ele pode me receber?", pergunto já em desespero de causa, tentando despertar a compaixão do homem à minha frente parecendo fofa ao piscar os olhos.
Tom bufa e dá um meio sorriso.
"Por favor...fico te devendo. O Promotor vai me fazer voltar aqui mil vezes até conseguir intimar o Nichollas, você sabe...", tento persuadi-lo, minha voz mais doce e suplicante.
"Você paga as dívidas, senhora promotora?", Tom estreita os olhos e me encara com os lábios curvados para cima.
"Claro que pago, Tom, promessa é dívida, fico te devendo uma", digo o mais sério que consigo.
Lá fora o mundo está se desfazendo em água, o vento uivando forte e raios cortando o céu.
"Eu cobro dívidas, senhora promotora", ele me diz muito sério também.
"Pode cobrar", eu digo olhando em seus olhos e acenando a cabeça.
Ele pega o celular, manda uma mensagem e se afasta.
Depois de um tempo de espera, Tom volta.
"Ele ia voltar hoje, mas a chuva interditou a estrada", Tom diz e aponta o céu que é riscado por um raio.
"Droga!", eu uivo de decepção, não conseguindo me conter mais.
"A doutora promotora está nervosa?", Tom ri.
"Eu saí de Lansing às 7:45h, dirigi horas até aqui nessa estrada horrível, até agora nem tomei café da manhã, esperei por horas, andei toda a propriedade de salto, torci o tornozelo, não achei o cara e ainda a estrada está interditada, o quê? Por que eu estaria nervosa? Irritada? De jeito nenhum! Estou ótima! Vou dançar a 'ula'", digo expulsando do peito toda a frustração desse dia horrível de uma vez.
"Eu não tenho nada a ver com isso doutora, não pedi para você vir, não te neguei comida e não machuquei o seu pé e até te levei num tour por toda a propriedade e te dei uma carona no colo, não dei?", Tom ergue uma sobrancelha com um meio sorriso.
"É, alguém está se divertindo, não é Tom? Sempre tem alguém se divertindo", eu bufo irritada, fazendo uma careta e franzindo os lábios.
"Vem", Tom estende o braço na minha direção.
Fico sem entender e num segundo me vejo no colo de Tom mais uma vez, ele correndo na chuva torrencial. No escuro, a chuva fria escorrendo pelo meu corpo, escuto as batidas fortes do coração do Tom e sua respiração pesada enquanto chove a cântaros.
Tom é um cara grande e forte. Não gosto de admitir, mas ele é bem, bem bonito mesmo e para um cara de fazenda, é educado também, eu percebi pelo uso das palavras que ele fez.
Ele empurra a porta da casa grande e entra. Estamos encharcados até os ossos. Ele sobe as escadas e num instante estamos no segundo andar.
Ele empurra a porta e entra em um dos quartos.
"Vai agora para o chuveiro, depois eu te arrumo uma toalha", ele ordena.
Paro por um segundo e então, vou para o banheiro, afinal não há muito que se possa fazer agora. Não tem como continuar com essa roupa encharcada.
Tiro a minha roupa e entro na ducha. A água quente escorrendo pelo meu corpo cansado me dá um alívio imenso. Deixo ela correr pelo meu tornozelo machucado. Está feio, uma grande mancha roxa está aparecendo agora. Contenho a vontade de chorar, de dor e de frustração... Hoje não foi um bom dia, com certeza.
"Ok, ok, Kath, vamos acabar com a festinha de autocomiseração e ir em frente", digo para mim mesma me consolando.
Olho em volta à procura dos produtos de banho. Shampoo...e...gel de banho masculino.
"Só?", me sinto inacreditável...
Saio do banho e não vejo mais nada. "Toalhas? Ahhh... ele disse que ia arranjar alguma", penso frustrada.
Abro a porta e espio, não vejo nada. Meu cabelo pingando. Estico mais o pescoço para fora, nada. Espero mais um pouco e fico frustrada. Finalmente decido ir em frente e arrancar o lençol da cama e me enxugar antes de ficar doente. Quando abro a porta, pronta para dar o primeiro passo, vejo um braço na minha frente com as toalhas.
"Merda", o grito vaza da minha garganta e corro para o banheiro, não antes de pegar as toalhas.
Estou com tanta raiva que não consigo respirar. Esse sem-vergonha estava lá o tempo todo e com certeza me pegou nua!
Tenho que achar uma forma de lidar com o Tom, porque só vou achar o Nichollas através dele e principalmente, porque agora não tem para onde correr, é noite, chovendo e a estrada está interditada. "Maldito Tom!"
Me acalmo e finjo que nada aconteceu. Saio do banheiro enrolada em uma toalha e outra enrolada no cabelo e agora a luz está ligada.
Vejo Tom preguiçosamente sentado numa poltrona no quarto usando uma calça de moletom cinza e camiseta branca. Os olhos crivados em mim.
"Tem alguma coisa que eu possa usar?", pergunto tranquilamente.
Tom levanta e vai até um armário de onde tira uma camisa longa preta e me entrega.
"Não que vá ficar mais bonita nisso", ele me dá um sorriso malicioso.
"Ahhh... você gostou do que viu então, Tom?", pergunto com ironia.
"Com certeza doutora", ele me responde com outro sorriso pingando malícia.
"Tom, Tom, eu esperava mais de você... isso faz você parecer um menino do colegial", minha vez de zombar de você Tom!
"Doutora, até um menino do colegial sabe apreciar um bom design, não foi a senhora que me ensinou isso?", ele diz ainda com aquele sorriso largo que eu quero arrancar da cara dele com uma faca.
"Realmente é uma pena", olho para ele com o meu melhor olhar de pena e balanço a cabeça.
Dessa vez ele se endireita no sofá, mas antes que ele diga qualquer coisa, entro no banheiro para colocar a camisa. Deve ser do Tom, é enorme em mim e me cobre até o meio das coxas. Está bom devido às circunstâncias.