Joguei a garrafa vazia no balde de lixo e fui andando até a margem do rio. Depois de chutar a areia amarronzada, abaixei-me, catei algumas pedras de seixo e comecei a atirá-las no rio. A lua refletida na água, que tremia com o impacto da pancada, era uma imagem muito linda de se ver. Tércia deu as costas e voltou para o bar, ela sabia que, nestas horas, eu gostava de ficar sozinha. Depois de alguns minutos nessa brincadeira, me afastei do bar e, ao perceber que estava longe dos olhos curiosos e a uma distância segura, tirei a roupa, ficando apenas com as peças íntimas, e mergulhei nas águas que me banharam durante a infância.
O rio estava cheio demais, nós tínhamos que ter cuidado para atravessar, mas o meu pai nunca me deixava me afogar. Aquela rotina se repetia em todas as épocas de chuva, mas, se não fizesse assim, eu não frequentaria a escola. Meu pai atravessou primeiro, eu fiquei do outro lado, na companhia de minha mãe. Depois de verificar que era seguro fazer a travessia, ele retornou e deu um beijo na testa da esposa, pedindo que tivesse cuidado com a correnteza, que era leve, mas traiçoeira. Logo depois me colocou sobre os seus ombros e todos nós atravessamos as águas turvas, que foram mexidas durante a intensa chuva da noite.
Fui literalmente arrancada de meus pensamentos quando emergi assustada ao perceber que meus braços eram puxados para cima, numa evidente tentativa de me tirar da água. Assustei-me ao abrir os olhos e ver um rapaz à minha frente.
- Você está louco, seu imbecil? - Puxei os meus braços, afastando-me das mãos dele. - Isso aqui mudou muito mesmo, nem se pode mais tomar um banho em paz.
- Que mulher grossa, bebe e depois vem se afogar, ainda é uma jumenta quando a gente tenta salvar - falou, chateado.
- Salvar? Você estava me salvando? Eu estava tomando banho, seu moleque enxerido. Fique sabendo que eu nasci e me criei aqui, conheço cada pedra desse rio. - Eu não queira ser estúpida, mas estava sem jeito por ser pega usando apenas calcinha e sutiã. - Você deve ser cria da cidade, bem se vê nessa sua cara de menino raivoso.
- E você deve ser cria daqui mesmo, raceada com égua e cavalo. - Deu as costas para mim e, com apenas algumas braçadas, dirigiu-se à margem do rio.
Eu tinha consciência que havia me exaltado, mas ele também era muito arredio, e eu não era do tipo que levava desaforo para casa. Nadei atrás dele e cheguei quase sem fôlego. Antes de devolver-lhe a resposta, parei com o tronco curvado e as mãos apoiadas nas coxas. Assim que me recompus, apontei para ele e vociferei:
- Olha aqui, jumenta é a sua mãe! - Percebi a asneira que disse e me desculpei. - Perdão, não sou idiota assim, jamais xingaria uma mulher de jumenta, só se ela merecesse.
- Tudo bem, muitas mulheres não aguentam beber depois de certa idade, então jogam a culpa da imaturidade na bebida. - Sorriu, puxando o canto do lábio esquerdo de forma debochada.
Revidei a brincadeira chutando areia nele, mas, ao perceber que caiu em seu rosto, entrei em desespero tentando ajudá-lo. Ele pulou de cara na água e eu fui logo atrás. Enquanto tentava limpar os olhos dele, notei que ele estava tirando sarro de minha cara.
- Seu...seu... - Eu bem que tentei manter uma cara zangada, mas aquele sorriso maroto era tudo o que eu precisava para fechar a minha noite.
Nós dois acabamos rindo juntos e, ao me aproximar dele para estapeá-lo no peito, fui puxada pela cintura, mas travei ao perceber certa intimidade.
Ele percebeu o mal-estar e se desvencilhou, pedindo desculpas. Ele não parecia ser o tipo de homem que força a barra com mulher nenhuma.
- Já recuperou o fôlego? - Sorriu com o canto da boca. - Pronta para uma corrida?
Eita, homem bonito da porra, pensei. O rapaz era alto, com sorriso largo e olhar expressivo.
Gostei da espontaneidade dele.
Gostei demasiadamente.
- Não fujo de um bom desafio. -Virei-me como se fosse desistir e trapaceei ao arrancar antes dele, indo para o outro lado do rio..
Olhei para trás e o vi parado, olhando para mim. Sorri com minha astúcia, mas não demorou a ouvir as batidas de braços e pernas na água. O desgraçado veio atrás de mim e, sem muito trabalho, ainda conseguiu me ultrapassar.
- Não é justo! - resmunguei, quase sem fôlego. - Você é mais jovem, tem mais força e, com certeza, mais tempo do que eu. Deve passar horas nesse rio.
- Você está me chamando de desocupado? - Gargalhou livremente, e eu gostei da sonoridade de sua risada. - Eu trabalho, sabia?
Eu fui até a margem e sentei-me com as pernas dentro da água. Senti que o efeito da bebida já estava passando, mas continuava mais solta do que o normal e tinha uma vontade insana de beijar aquela boca cheia de dentes brancos, formando um lindo contraste com o tom de sua pele negra.
- Eu morei aqui quando era criança. - Estiquei o braço para a frente, à esquerda do bar, que, mesmo distante, era visto da outra margem do rio. - Não dá para ver a casa daqui, mas não é muito longe, não em minhas lembranças.
- Esse lugar é realmente mágico, já me afeiçoei a tudo aqui.
- Se afeiçoou? Não é daqui?
- Não, mas mainha é.
- É? E onde ela mora?
Ele se calou, não parecia muito disposto a falar sobre a própria vida, mas eu não o julgava. Eu tinha os meus segredos, e não gostaria de revelá-los a ninguém, muito menos a um estranho, mas uma coisa eu não conseguia esconder, ele me excitava ao extremo e o fato de ser um completo desconhecido e morar longe da cidade contava muito ponto a seu favor.
- Mais uma corrida? - perguntou, mas não parecia muito animado para isso. Seu olhar demonstrava querer outra coisa.
- Não, você já tirou todo o meu fôlego - respondi com a respiração entrecortada.
- Não tirei nem metade do seu fôlego. - Aproximou-se e me puxou pela cintura novamente.
Apesar de estar dentro da água, senti seu olhar queimar a minha pele como se o sol, e não a lua, ocupasse o meio do céu. Eu não me desvencilhei e não ofereci o mínimo de resistência, pelo contrário, acho até que amoleci em seus braços fortes.
Ele segurou a minha nuca com firmeza, encostou sua boca na minha e penetrou a língua como se reivindicasse um lugar que sempre lhe pertenceu.
Eu não esperava por aquilo, mas gostei de ser beijada por aquele homem. Quando seus lábios deixaram os meus, senti-me abandonada, mesmo que ainda presa a ele pela cintura.
- Me diz que você não está bêbada, por favor! - Seu olhar não desgrudou de minha boca. - Não quero que você acorde amanhã dizendo que se arrependeu do que fez, me sentiria um lixo.
Eu respirei fundo, tentando organizar os meus pensamentos. Aquilo não estava previsto no meu script perfeito, mas eu bem que merecia uma noite intensa e feliz, só para aplacar os meses tensos que enfrentaria dali em diante. Aquele hálito quente, aquela água morna, o efeito da bebida, tudo estava compactuando para um clima gostoso e, por mais que minha mente me alertasse para cair fora, o meu corpo se negava a obedecer.
- Só vou me arrepender se não fizer. - Tomei-lhe os lábios e voltamos a nos beijar.
Como em um batismo, nós dois mergulhamos de corpo inteiro dentro do rio e, ao nos levantarmos, circulei as minhas pernas em sua cintura, tendo apenas a lua como testemunha.