Abri a segunda porta, e pude ver que, sem dúvida, era o meu novo quarto. Entrei com calma e indecisa. Aquele aposento era enorme e possuía uma agradável varanda, com vista para o belo jardim. As cortinas azul-claras combinava com o azulão da colcha de cetim forrada sobre aquela imensa cama de casal, que era de madeira trabalhada. As paredes, em um delicado tom pastel, suavizavam a nobreza do quarto.
Sobre a penteadeira, que seguia o estilo da cama, havia todos os produtos necessários para uma maquiagem e perfumes caríssimos. E, dentro do closet embutido, reparei que todas as minhas roupas tinham sido cuidadosamente guardadas.
Depois de verificar tudo atentamente, sentei-me diante do espelho. Estava com ar cansado e ao mesmo tempo triste, devido à tensão das últimas horas.
Cuidadosamente, tirei as luvas, deixando a mostra a aliança de ouro brilhando em meu dedo da mão esquerda. Em um gesto de desespero, arranco bruscamente do dedo e faço menção de jogá-la longe. Porém Reconheço a tempo, que aquela atitude repentina de nada iria adiantar. Afinal de contas, o mal já estava feito. Com ou sem aliança, agora eu era a Sra. Lyanna Stewart, já que, perante o juiz de paz, tinha dado àquele homem plenos direitos de posse sobre minha vida, meu destino, meu... meu corpo!
- Ai não! - esbravejei, cobrindo o meu rosto com as mãos. Não! Eu não podia sequer imaginar as mãos grandes de Vincent tocando a minha pele nua, por mais que eu o desejasse. Não! Ele não poderia me obrigar a tanto. Seria desumano e cruel!
Alguns instantes depois, procurei recuperar o autocontrole e coloquei de volta a aliança em meu dedo. Tiro rapidamente meu vestido e vou ao luxuoso banheiro todo azulejado de branco, com motivos azuis. Após um banho demorado, visto um vestido vermelho justo e curto, maqueio-me com delicadeza.
"Agora, sim!", pensei comigo mesma, satisfeita com a minha própria aparência.
Criei coragem para enfrentar meu marido, sair pelo corredor em direção à escadaria. Quando eu comecei a descer os primeiros degraus, paro ao ouvir vozes exaltadas.
- Entendo perfeitamente a sua sede de vingança, Vincent, mas acho que agora está exagerando - censurava Vanessa, nervosamente.
"Vingança? Que vingança?", pergunto-me atônita, engulo em seco e sinto o coração apertar.
- Pois pense como quiser - respondeu Vincent, indiferente.
- Você nunca dá ouvidos a ninguém, não é? Por isso não tenho esperança de que me ouça agora. Mas uma coisa quero que você saiba: sou completamente contra esse casamento! - acrescentou Vanessa no mesmo tom.
- Ora, não seja tola! Meu casamento com essa pobre moça deixou Leoncio Flaming arrasado! Há anos que venho esperando por esse dia! - declarou Vincent maquiavelicamente feliz.
Eu precisei me escorar na parede para não cair ali mesmo. Sentia a cabeça rodando. Do que estavam eles falando? Por que Vincent queria vingar-se do meu pai a todo custo? Que mal ele poderia ter feito a Vincent?
A voz de Vanessa me fez ouvir novamente, ela estava muito exaltada:
- Às vezes eu o desprezo! Como pode usar uma garota inocente apenas para satisfazer à sua sede de vingança. Que culpa ela tem das loucuras do pai? Como se isso não bastasse, pretende devolvê-la daqui a um ano, quando já terá levado Leoncio Flaming à falência. Não percebe como está sendo cruel?
- Você é mesmo uma sentimental! - rebateu Vincent, impaciente. - Vá perguntar a Leoncio se ele teve piedade quando arruinou a nossa família! Ah, mas agora ele vai me pagar! Ah, se vai!
Estarrecida, eu não podia acreditar no que havia acabado de ouvir.
- Também sofri muito, Vincent, mas depois descobri que a vingança não leva a nada. Pode, sim, causar um mal maior. - Vanessa falou agora mais calma, tinha uma certa tranquilidade em sua voz.
- Realmente - concordou Vincent, mais calmo. - Mas nada nem ninguém me fará voltar atrás. Vou fazer Leoncio pagar caro por tudo o que fez a nossa família!
Depois de alguns instantes de silêncio, Vanessa voltou a falar, com tristeza na voz:
- Como você mudou, Vincent! Não é mais aquela pessoa humana e carinhosa de antes. Tornou-se um homem frio e perigoso.
- O sofrimento me deixou calejado, Vanessa - defendeu-se ele, com amargura. - Precisei me proteger com uma forte armadura para vencer a dor. Mas agora chegou a hora da minha vingança. Vou acabar com Leoncio nem que seja a última coisa que eu faça na vida.
- Pois não conte com o meu apoio! - informou Vanessa, saindo da sala e subindo apressadamente as escadas.
Ao atingir os últimos degraus ela se deparou comigo, fiz menção para fingir que não teria ouvido nada e sorri.
- Puxa, nada como um banho! - falei, calmamente.
- Vim me despedir de você. Infelizmente não posso ficar para o jantar - falou Vanessa, ainda tensa.
- Oh, é uma pena - murmurei, com sinceridade. A presença da minha cunhada seria de vital importância. Agora eu teria que ficar a sós com Vincent...
- Quero que saiba que não aprovo a atitude de meu irmão e fiz tudo para impedir esse casamento - confessou ela, enquanto desciamos as escadas juntas.
- Obrigada por ser honesta comigo - agradeci, acompanhando-a até a porta.
Antes de sair, Vanessa me olhou nos olhos por alguns instantes, em um misto de surpresa e curiosidade. Depois partiu.
Respirei fundo, me preparando para o confronto com meu marido. Entro na sala principal, ele estava em frente à lareira, olhando o fogo, perdido em seus pensamentos. Aproveito para observá-lo melhor.
- Humm... humm... - eu pigarreei, depois de alguns minutos, para avisá-lo da minha presença ali.
Vincent me olhou imediatamente e me ofereceu uma taça de vinho.
- Não, obrigada - recusei.
- Vanessa já foi embora -- informou ele secamente.
- Eu sei - falei, fingindo calma. - Despediu-se de mim antes de sair.
No mesmo instante Vincent me olhou, preocupado.
- E sobre o que conversaram?
Eu contive para não demonstrar que tinha ouvido a discussão. Precisei de muita cautela e muito tato para descobrir por que ele queria vingar-se de meu pai.
- Acho que Vanessa não aprova o nosso casamento! - falei por fim.
- A dedicação exagerada à medicina deve ter afetado o raciocínio de minha irmã - replicou ele, irônico.
- Ou talvez tenha intensificado a sua sensibilidade. - defendi a minha cunhada, com firmeza.
- O que ela não entende é que determinados erros não podem permanecer sem punição. Agora vamos jantar - ele decidiu, levando-me pelo braço até a enorme sala de jantar.
Eu fingir não entender a fria observação, sentamos à mesa, cada um numa extremidade. Jantamos em silêncio, depois fomos para a pequena sala ao lado, onde foi servido o café.
Pouco à vontade, senti os olhos negros de Vincent devorando-me, mas estava firmemente decidida a ignorá-lo. Isso talvez o fizesse desistir de querer que eu me deite com ele. Além disso, apesar de o relógio só marcar oito horas, eu estava exausta. Minha vontade era ir direto para a cama e ter uma boa noite de sono. Depois de tudo pelo qual eu havia passado, merecia um bom descanso.
- Pelo visto não está com vontade de conversar, pois não disse nada durante todo o jantar - observou ele, quebrando o silêncio.
- Não havia sobre o que conversar - respondi, com frieza.
- É mesmo? Isso para mim é surpresa. Sempre achei que o que não faltava às mulheres era assunto.
- Dispenso suas ironias - rebati, magoada.
- Desculpe, não quis ofendê-la - disse Vincent, enquanto me olhava dos pés a cabeça, depois fixou os olhos em meus seios.
- Está falando sério? Realmente não quis me ofender? - perguntei, com ironia, sentindo todo o meu corpo tremer diante daquele olhar.
- Não quero desapontá-la, minha querida, mas recuso-me a discutir na nossa noite de núpcias... - comentou Vincent malicioso.
Noite de núpcias? Senti um aperto no coração. Se aquele fosse um casamento de amor, a noite de núpcias seria pra mim um momento lindo em que um estaria nos braços do outro, desfrutando as delícias da paixão. Porém, tudo aquilo não passava de um pesadelo. Só de pensar na humilhação a que Vincent pretendia submetê-me, um arrepio de pavor percorria o meu corpo.
- Nosso casamento é uma farsa! - eu explodi, sem conter a revolta.
- Não me diga que sonhava com um casamento de gala, em um dos enormes palácios na Inglaterra - caçoou ele com cinismo.
- Pare com as suas ironias! - falei, irritada. - Esse casamento foi um absurdo! Ainda bem que não fui obrigada a também me casar na Igreja, jurar em falso amor e fidelidade diante de Deus.
- Controle-se, por favor, Lyanna - disse Vincent, secamente. - Aconselho-a a se deitar. Farei o mesmo assim que terminar o meu uísque.
Retirei-me daquela sala no mesmo instante, aliviada por me ver livre daquele homem odiável, pelo menos por algum tempo. Subi as escadas correndo, e só quando entrei no quarto foi que parei para pensar nas palavras de Vincent. Ele tinha dito que terminaria a bebida e depois iria se deitar. Mas deitar onde? Em que quarto? Seria naquele quarto ao lado, na cama de solteiro, ou... ou junto de mim, na cama de casal?
Desorientada, corri até o banheiro e lavei diversas vezes o rosto, na tentativa de me acalmar. Vesti uma fina camisola que ganhalei de minha mãe no meu último aniversário e, depois de escovar os meus cabelos com um certo exagero, comecei a caminhar nervosamente pelo quarto, de um lado para outro.
De repente, ouvi batidas na porta, fiz menção para pegar o hobby que deixei sobre a cama. Antes que pudesse vesti-lo, a porta se abriu e Vincent entrou. De chinelos, com as mãos nos bolsos do seu roupão cor-de-vinho, ele me olhava fixamente parado a soleira da porta, me fazendo estremecer diante daquele olhar dominador.