Viveu por algum tempo um conta de fadas, uma história de princesa, com direito literalmente a cavalos brancos no quintal.
Moravam numa bonita fazenda, que ficava a cerca de 5 quilômetros da cidade, que era uma mistura de interior com capital.
Mas com o passar do tempo, não apenas pelas tentativas frustradas de engravidar, mas por uma série de pequenas mudanças de comportamento, foram gradativamente se afastando. As reações dele, frustrações no trabalho, bebida que de moderada começou a se tornar mais excessiva, acabaram causando também nela esse distanciamento.
Benedict começou a passar noites em reuniões, viajar a negócios sem levá-la, como no começo e algo que não a deixava em paz eram as visitas semanais, às vezes até por mais de uma vez na semana, naquela tal de empresa de investimentos.
Seu sensor de aviso de que algo estava errado ali, piscava mais do que em qualquer outro lugar ou situação.
Começou a pesquisar na Internet e ouviu relatos da possibilidade da existência de uma casa de mulheres ser parte do negócio. Algumas outras esposas tinham criado um grupo dizendo que sabiam da existência de algo assim, na rua de trás, parede com parede com a tal empresa. Não dava pra dizer que era mesmo uma espécie de prostíbulo pois, apesar de manter muitas mulheres tecnicamente morando lá, tinha uma fachada de agência de modelos de alta classe. Nenhuma delas havia conseguido flagrar nada, descobrir nada contundente, apenas evidências.
Foi naquele dia que ela se cansou e decidiu que iria com tudo.
- Sra. Helena, se isso que a senhora está pensando for só coisa da sua cabeça o patrão me manda embora! - Vicente, o motorista e segurança dela, estava muito contrariado com a decisão dela.
- Vicente, toma aqui esse cartão. É um cartão pré-pago, com cinquenta mil de crédito. Ele não pode ser cancelado, eu inseri o valor e desinstalei o aplicativo. Se der errado, qualquer coisa, a primeira coisa que vou fazer é te passar a senha, ok? Mas você vai entrar naquele lugar a força, contra quem estiver no seu caminho e a gente vai pegar ele em flagrante, tenho certeza!
- Sra. Helena, todas as certezas que já vi na vida nunca deram muito certo, ou estraga a vida porque tava realmente certo, ou estraga a vida porque não conseguiu provar nada. Não vai sair nada de bom daí, ouça o que estou te falando!
- Por favor, Vicente! Não posso mais viver desse jeito!
Apesar de não concordar, ele entendia e respeitava tal sentimento. Benedict, de todo modo, apesar de ser um homem que nunca lhe faltou com a palavra, de cumprir o que dizia, era bastante sisudo e duro. Ele próprio não sabia muito bem o que pensar, pois havia uma dualidade muito grande em seus comportamentos.
Mesmo assim, estava ali, convencido a ajudar a esposa dele a provar a traição que ela acreditava acontecer.
E depois de se passar por um cliente, praticamente invadir o corredor que Helena apontou como que seu sexto sentido dissesse, no caminho oposto ao das salas de reuniões, sair praticamente arrastando seguranças, derrubando-os pelo caminho e arrombar a porta exatamente do quarto de onde ela disse que ouviu o marido, estava agora ao lado dela no enterro dele.
Do outro lado do caixão, estava o irmão de Bene. Esse, ele fez questão de tirar do testamento antes de sequer pensar em casar com Helena. Haviam sobrinhos, primos, de vários graus. Além de funcionários e pseudo-amigos. De uma coisa ela sabia, por mais que escondesse segredos, ele era um homem solitário e não faria questão de nenhum daqueles interesseiros.
Um padre fez um bonito discurso de despedida, bem genérico, sem sequer buscar alguma relação fosse com a vida dele, fosse com o momento de sua morte. Foi um pedido de Helena e só por isso a oratória foi louvável. Quase até se podia esquecer do que havia acontecido, claro que não para ela.
- Sra. Helena, meus pêsames... - Um senhor de idade, que Helena conhecia de algum lugar, vestido com um caro terno italiano, foi o primeiro a se antecipar. - Antes que esses urubus venham em cima de você... - Ele se aproximou do ouvido dela para falar mais baixo. - Eu era advogado de Benedict e vou te levar pelo braço para te celebrar logo o testamento dele, te poupando dessas falsidades. Qualquer coisa você fala depois que um velho louco te levou... Ou não fale nada, nem deve nada a eles. - Ele ia bradando, num tom de voz baixo, praticamente carregando-a. - Nem olhe pro lado, nem pra ninguém. Vamos sair daqui logo, tem uma sala ali em cima.
Entraram pelo prédio principal da administração do Cemitério e subiram.
- Aqui já estamos a salvo. Bando de zumbis. Benedict detestava toda essa gente! Bom, o que tenho que lhe dizer é simples e direto. Nesse envelope tem todos os detalhes sobre tudo que ele tinha e que agora será seu. Ele deixou toda a herança apenas para você. Ele fez essa escritura logo que casou e eu renovei não tem três meses, incluindo novos bens de maior valor. Tem informações suficientes sobre o que fazer com cada coisa. Ofereceria meus serviços, mas acho que minha idade não me garante mais equilíbrio psicológico para lidar com tais questões. Fique com meus sentimentos! - Ele terminou de falar e apenas saiu.
Aquilo não parecia com uma abertura de testamento que ela já tinha visto em qualquer filme. De toda forma, abriu o envelope e começou a se deparar com uma série de informações que ela não fazia ideia.
- Eu sabia que ele tinha dinheiro escondido, mas tantas propriedades? Isso só pode ser brincadeira.
Ela começou a se deparar com a série de negócios dos quais ele era dono. Haviam hotéis, motéis, boates e outros centros de "investimento" com indicação clara na frente que se tratava de instituições com aquela onde ele morreu.
- Então, ele gostava de haréns? Pois se você estiver em algum lugar e conseguir ver o que teve coragem de me deixar aqui na Terra, você vai ver o que eu vou fazer em sua homenagem! - Ela esbravejou, continuando a ler as posses e perceber que mesmo daquele cemitério ele era dono.