A vontade de vomitar era forte, sentia meu estômago doer de tanta fome, meu corpo já estava ficando mole, minha pressão devia ter caído a essa altura, mas era claro que eles não facilitariam o meu lado, depois de ouvir a ameaça que ainda grita em meus ouvidos que eu nunca mais teria minha liberdade e trabalharia para ele até o fim dos meus dias, eu sentia que poderia desabar a qualquer instante. "Não é possível que ele tenha tanto interesse em me manter viva, cometi um erro, sim, mas tenho como corrigir esse erro, não é nenhum fim de mundo, ele tem muito dinheiro, não vai falir por causa desse desfalque, e de toda maneira, basta que ele me deixe trabalhar que eu recupero tudo."
- Entra ai! – Falou no seu tom calmo de voz, ordenando que eu entrasse na sala que estava anteriormente, daquele lugar fétido e sujo, e como eu imaginei, havia dezenas de salas iguais aquela, eu pude notar durante o caminho até aqui, provavelmente um prisioneiro em cada uma, aguardando o momento de ser executado, ou torturado, vai saber o que esse louco apronta aqui dentro, descemos dois andares até retornar para esse local, e acredito que existam mais andares ainda para baixo, um verdadeiro inferno, isso tudo só está tornando minhas chances de fuga cada vez mais nulas, se eu conseguisse ao menos a planta desse local, talvez eu tivesse uma chance e... – Está surda garota? – Falou mais alto dessa vez, chamando minha atenção. – Você divaga demais... – Falou me olhando intensamente, parecendo irritado com isso. – Não gosto de mulheres muito inteligentes, nem mulheres que pensam demais, sempre causam problemas – Disse enquanto me empurrava para entrar.
Primeiramente eu me senti irritada com o seu sexismo, mas tão logo a irritação veio, a tontura tomou conta de mim, eu sabia que isso aconteceria em breve, contive a moleza que foi se apoderando do meu corpo para entrar na sala, comecei a suar frio, isso não era nada bom, se eu não comesse algo desmaiaria em breve, era humilhante, mas eu não poderia ficar a mercê deles desacordada, ri internamente ao perceber que esse pensamento nem faria sentido, até porque não faria muita diferença, pois eles me dopariam novamente no momento que quisessem, mas precisava estar com meu corpo saudável, para a primeira oportunidade de fuga que aparecesse – Preciso comer alguma coisa, não me sinto bem! – Apelei, sentindo meu rosto esquentar de vergonha, por novamente ter que implorar algo tão básico.
- Estou pensando se ordeno que alguém te alimente ou se te deixe a base de água, tem pessoas que sobrevivem até três meses sem comer, posso avaliar qual seria a sua resistência. – Falou enquanto cruzava os braços com gestos de quem estava em dúvida sobre qual ação tomar, tombando a cabeça para o lado quando terminou de cuspir seu veneno contra mim. "Maldito cruel, se eu ficar sem comer por mais algumas horas, eu vou perder os sentidos, eu não duraria nem uma semana sem comida" Tentei manter o corpo firme, mas estava cada vez mais difícil, tombei para o lado involuntariamente, e pelo visto ele percebeu, pois segurou meu braço antes que eu pudesse bater na parede.
- Você está bem? – Ele tinha um sorriso de canto de boca, debochando claramente da minha situação.
- Eu preciso comer! – Foi minha ultima tentativa, se ele não me desse nada para comer, eu morreria na sua frente, mas não imploraria mais. Me olhando como quem analisa algo muito importante, ele me apoiou até a cadeira e usou o telefone para ordenar que alguém enviasse comida para mim, "Finalmente" pensei levemente emocionada por finalmente ter tido sua atenção para algo tão importante.
Em poucos minutos alguém chegou, com um pão seco e um copo de água, apenas um pão, um único pão, eu respirei fundo, contendo minha raiva, como esse desgraçado acha que um maldito único pão vai me alimentar, ele não faz ideia da quantidade de comida que eu preciso para me manter, só do tempo que estou aqui, posso dizer que já perdi um ou dois quilos, se ele continuar assim eu vou secar até morrer, como eu odeio esse homem.
- Acha pouco? – Talvez lendo meus pensamentos ele debochou – Se você tivesse me devolvido meu dinheiro quando teve a chance, talvez agora estivesse tendo uma refeição mais condizente.
"Eu não pude devolver, não tinha nenhum dinheiro, e eu não sei o que aconteceu, se você tivesse me deixado tentar descobrir ao menos" Engoli em seco as palavras, me recusava a continuar respondendo o maldito, olhei triste para o pedaço de pão duro, eu não me importava tanto com o que era servido, eu comia absolutamente tudo, mas a quantidade era muito importante para mim, um pão apenas não daria para absolutamente nada, triste com meu fim peguei o pão da bandeja, devorando ele em segundos, não era nada, mas era alguma coisa, a minha pressão melhorou um pouco, mas a fome ainda estava ali, me massacrando, me lembrando no inferno que eu estava.
- Ainda não fui capaz de decidir exatamente o que fazer com você, e como eu vou fazer o que eu quero fazer com você, então ficará aqui por algum tempo – deu uma pausa antes de continuar - até que eu decida.
- Eu não ia trabalhar para você? – Perguntei como se fosse óbvio, não estava entendendo aquela palhaçada, não existia motivo para ele me deixar ali, ele conhecia minhas habilidades, bastava me colocar na frente de um computador que eu começaria a roubar para ele de todas as malditas organizações que ele quisesse, até ele ter todo o dinheiro existente no mundo, esse desgraçado estava brincando com a minha cara.
- Você vai! – Afirmou sorridente - Mas acho que você precisa de um pouco de disciplina antes que eu faça uso dos seus serviços – Piscou com tanta malícia que eu tive dúvidas sobre quais serviços ele se referia, vi quando ele tencionou chegar perto de mim, mas naquele instante eu senti um medo descomunal sobre o que ele seria capaz, e de modo inconsciente dei um passo para trás – Tenha medo! – Falou sorrindo quando viu que me afastei – A primeira coisa que você tem que aprender, é a ter medo de mim! – Ele andou mais uns passos, mas como um gesto de rebeldia me mantive firme no local, eu não teria medo dele, ou ao menos não o deixaria saber o que eu sentia.
Martin estendeu suas mãos até meu rosto, tocando minha bochecha, contive minha vontade de puxar o rosto, de uma forma mórbida, querendo saber até onde ele iria, depois ele contornou a ponto do capuz do casaco que eu vestia, subiu delicadamente as mãos para o meu coque e o puxou com tanta força, de modo tão inesperado, que fez minha cabeça acompanhar o movimento para trás sem firmeza alguma devido ao fator surpresa, depois ele se aproximou mais ainda do meu rosto e cheirou profundamente meus cabelos, para em seguida desfazer meu coque com os dedos, sorrindo ao final de sua exploração.
- Compridos como eu imaginei que seriam, a partir de hoje você os deixa sempre soltos! – Mantive meu olhar no dele, firme como uma rocha, eu não cederia – É uma ordem! – Suave como uma pluma, e antes mesmo que eu pudesse responder, ou se quer formular uma resposta na minha cabeça, ele se virou dizendo que eu ficaria ali pelo tempo que seria necessário para que eu entendesse meu lugar naquela organização.
Assim como disse que faria, ele não voltou atrás em nenhum momento, fazia um mês que eu estava naquela merda de lugar, não existia banheiro, não existia água potável, não existia cama, apenas uma cadeira com algemas acopladas, eu não tinha nada para fazer, nenhum conforto, nenhum lugar para me lavar, nenhum local para fazer uma refeição com o mínimo de higiene aceitável, o cheiro das fezes e da urina tão forte quanto era possível, eu já tinha me adaptado a ele, quase não sentia nada, o que não deixava aquilo ser menos perturbador.
Pior que minha situação dentro daquela sala, era tudo o que acontecia fora dela, quase todos os dias haviam gritos ali, muitos gritos, de homens, de mulheres, pessoas morrendo, implorando pela vida, se humilhando em troca de perdão, oferecendo tudo que tinham, até sua alma para que fossem poupadas, e a esperança que até eu sentia que eles teriam misericórdia, mas logo eu via que ele adorava esse jogo, de dar esperança, para roubá-la depois de modo mais cruel ainda, ele era cruel, nem todas as torturas eram físicas, eu ouvia muito do que ele falava para suas vítimas, a forma como ele conseguia fazer a pessoa acreditar que existia misericórdia nele, apenas para serem novamente torturadas.
Tinham diversas pessoas ali pagando pelos seus crimes contra o todo poderoso, o que beira o ridículo, considerando quem ele é e o que ele faz, talvez eu devesse agradecer, pois eu não estava sofrendo nenhum dano físico, inclusive a ferida que ele me causou na coxa foi tratada, e era de fato a única parte limpa do meu corpo, meus cabelos fediam tanto, estavam começando a formar nós devido a falta de limpeza, minha pele estava cheia de marcas de sujeira, tão grossas quanto era possível, a comida sempre era pão, água, e mingau, e eram tão miseravelmente escassas, precisei amarrar minhas calças, para que as mesmas não caíssem do meu corpo, já usava roupas maiores que o meu tamanho, com essa restrição alimentar elas ficaram ainda maiores do que de costume.
Eu não o vi mais, desde o dia que ele me deixou aqui, também não tive qualquer atualização sobre a minha situação, não fazia ideia de quando ele pretendia me tirar dali, se ainda tinha algum interesse em me tirar dali, ou se simplesmente se esqueceu que eu estava presa naquela maldita sala, se meu irmão estivesse aqui, com certeza ele teria planejado algo insano e já estaríamos livres em outro estado, ou talvez, como eu sempre quis, em outro país, mais precisamente na Espanha, mesmo que ele fosse contra, numa situação dessas, tenho certeza de que toparia, Saulo era tão bom em sair de situações como essas, ele havia sido capturado diversas vezes, mas sempre escapava, até que...
"Para Anastácia, pensar nisso só vai piorar a situação, você precisa encontrar uma forma de sair daqui, ele não pode simplesmente ter te esquecido, você deve a ele, ele vai vir te cobrar, ele sempre cobra as dividas, não obstante ele está na posição que está." Segui afirmando para que eu não esmorecesse ali.
- Você está horrível vadia! – Tive um sobressalto ao ouvir a voz do carinha que me capturou, ele estava olhando pela janelinha da sala, começou a gargalhar assim que pronunciou essa frase – Seu momento chegou princesa, vira de costas e coloca as mãos para o alto que eu vou entrar na sala. – Avisou
Tão logo ele ordenou eu levantei do chão e me virei, obedecendo suas ordens, eu deveria estar me sentindo empolgada, finalmente ele me tiraria dali, confesso que não sei se suportaria mais tantos gritos, ouvir tanta gente implorando pela vida, eu não era a pessoa mais empática do mundo, porém todo esse tempo aqui me fez repensar sobre tudo isso, era humanamente impossível não sentir o mínimo de compaixão ao ouvir um pai implorando para que não o matasse pois não tinha ninguém para criar os filhos, ou de uma mulher gritando para que não a violassem mais, passar por isso me fez entender um pouco sobre todas as vezes que Saulo brigava comigo pela minha insensibilidade a dor alheia, me machucou profundamente só conseguir entender isso numa situação tão extrema como essa, sem dúvida era muito pior que toda a sujeira que eu estava rodeada.
E mesmo entendendo e aprendendo tudo isso, algo me dizia que o que estava por vir era ainda muito pior do que ficar naquele lugar, e que a partir de hoje minha vida tomaria um rumo tão diferente do que eu um dia pude imaginar, e que tudo aquilo me transformaria para sempre, a sensação de certeza foi tão angustiante, estava quase que estampada dentro de mim, que eu respirei fundo sem perceber, logo balancei a cabeça para espantar esses pensamentos, tentando ser positiva, eu conseguiria, seria difícil, mas eu ia conseguir fugir, ou ser liberta, bastava manter a cabeça no lugar que eu encontraria uma falha para escapar.
- Você está fedendo! – Falou chegando perto de mim "Mas é óbvio, nem o mínimo que era um chuveiro vocês foram capazes de me disponibilizar, eu cagava no chão imbecil" quis gritar, mas me mantive calada – Agora que a brincadeira vai começar princesa – Ouvi ele sussurrar no meu ouvido, antes puxar meu casaco e enfiar uma maldita agulha no meu braço, mas que inferno essa necessidade de me dopar, poucos segundos depois eu senti meu corpo fraquejar, eu já sabia qual seria o resultado daquilo, lutar seria inútil, então me permitir ser entregue a um sono forçado, um sono sem sonhos.
Eu não sabia ainda, mas aquela sensação angustiante que eu sentia era um presságio de tudo que eu viria a viver, depois que eu acordasse daquela que seria a última vez que fui dopada. Talvez se eu tivesse dado voz aquele presságio, teria evitado algumas dores, ou então tivesse conseguido escapar, tivesse conseguido aproveitar melhor as chances tão sutis que eu tive de fugir, mas eu ignorei esse presságio, quis ter esperança de que as coisas dariam certo, e esse talvez tenha sido de todos, o maior erro que eu cometi, Martin não me daria chance alguma, ele destruiria absolutamente tudo dentro de mim, me quebraria de tal maneira, que eu jamais, pelo resto da minha vida, seria capaz de me reconstruir.