É claro que aceitei imediatamente a proposta feita por eles, afinal não tinha o que pensar. Meus pais tinham alegremente colocado uma placa de À VENDA no gramado no dia seguinte à minha formatura do ensino médio e a família de minha irmã estava agora em Maryland. Eu não tinha nada me prendendo ao condado de Nassau. Nenhum motivo para ficar.
E o melhor, eu poderia economizar dinheiro. Mesmo se eles me pagassem metade do que estavam oferecendo, eu poderia guardar o suficiente para voltar a Stony Brook na primavera. Apenas o pensamento disso já me causava uma descarga de adrenalina e fazia muito tempo que eu não me sentia tão excitada para algo.
Em mais de um sentido.
Afastei aqueles pensamentos sujos, alimentados por algumas cervejas e pela presença dos rapazes durante todo o jantar. Eles pareciam ainda mais sexys em seus jeans apertados e camisas limpas, embora eu tenha sentido falta do suor e da poeira agarrados aos seus corpos seminus. Julius parecia ser capaz de carregar duas de mim em cada ombro e cada músculo do braço de Liam tinha seus próprios músculos. Quanto a Duncan, meus olhos se perderam naquele peitoral magnífico mais de uma vez durante a noite. Tão grande e imponente que eu poderia apostar que tinha seu próprio código postal.
Mas agora, eu estava cheia de curiosidade. Eu disse aos rapazes que queria ver onde eu iria morar, apenas para me certificar de que teria espaço suficiente. A verdade é que eu teria mais espaço em qualquer armário da mansão em comparação com a merda daquele apartamento de subsolo. Mas eles não sabiam disso e, segundo minha mãe, uma garota devia sempre se fazer um pouco de difícil antes de ceder.
-- Você pode ter qualquer um destes quartos que preferir -disse Liam, esticando um de seus belos braços na direção de um corredor vazio. -- Mas os da esquerda têm vista para o mar.
-- Okay -- disse acenando.
-- E os dois últimos têm lareiras -- disse Duncan. -- Caso você...
-- Sim! -- Bati as mãos animada. -- Por favor.
-- Okay -- disse, rindo. -- Tínhamos planejado limpar todas as chaminés ao mesmo tempo, mas vamos chamar alguém para que se ocupe agora mesmo do quarto que você escolher.
-- E Julius irá cuidar de enchê-la com lenha para você -- disse Liam apontando para o homem em questão. -- Ele meio que é obcecado por cortar lenha.
Encarei Julius, que apenas sorriu em resposta. Seu cabelo era tão grosso, os cílios tão longos, que ele parecia recém saído de um comercial de shampoo. Como se pudesse ler meus pensamentos, ele escolheu exatamente aquele momento para passar os dedos pelo cabelo sedoso.
-- Meu próprio lenhador? -- Sorrio para ele, adicionando um piscar de olhos. -- Posso me acostumar com isso.
Eles abrem as duas portas e acabo escolhendo o maior quarto. Em vez de usar um quarto extra como escritório, eu planejava montar minha mesa de computador perto da lareira de pedra. Eu tinha crescido em uma casa com lareiras e sempre sonhei em ter uma em meu quarto. Um quarto era espaço mais do que suficiente para mim.
-- Devo dizer que faz muito frio aqui, perto da água -- disse Liam. -- A casa pode ser grande e fria e o sistema de aquecimento não está totalmente modernizado ainda. Assim...
-- Cuidarei de trazer cobertores extras -- disse fechando a porta atrás de mim. -- Não se preocupe com isso.
Caminhamos pelo restante da casa, incluindo as áreas comuns onde conviveríamos todos. Os quartos deles ficavam na extremidade oposta do corredor e as crianças dividiam um grande berçário montado bem no meio, entre o meu quarto e os deles. Não tinha como ser melhor localizado. Há qualquer momento, qualquer um de nós poderia ouvi-los chorando.
Conheci também a Sra. Whitney assim que chegamos, uma mulher extremamente doce. Saber que ela nunca estaria muito longe se eu precisasse dela me deu uma sensação maior de segurança. Por vezes, tudo o que a gente precisava era de uma mulher com quem conversar, especialmente em se tratando de cuidados infantis. Eu suspeitava que como mãe e avó, ela teria sabedoria a ser transmitida, e eu estava preparada para tirar o máximo proveito disso.
Conversamos sobre dias de trabalho, dias de folga, horários e, claro, pagamento. Os rapazes foram ainda mais generosos do que eu estava esperando e eles iriam me pagar mais do dobro dos meus outros salários combinados. Eu estava determinada a manter meu cargo de entrada de dados, simplesmente porque eu era boa nisso e adorava digitar. Além do mais, o dinheiro a mais não seria ruim. As taxas universitárias em qualquer área médica podiam subir rapidamente.
-- Alguma pergunta? -- questionou Duncan ao finalizarmos nosso tour pela casa.
-- Algumas -- admiti --, mas vou perguntar a mais importante por hora.
Os rapazes pareciam intrigados. Liam ergueu a sobrancelha. -Que seria?
-- A mãe das crianças costuma aparecer para vê-los? -perguntei. -- E se sim, como funciona?
Prometi a mim mesma que não tentaria futricar, mesmo que estivesse morta de curiosidade. Eu não sabia qual deles era o pai biológico dos gêmeos, se é que era um deles. Ou como eles acabaram compartilhando a guarda das crianças. Tudo o que eu sabia era que os três se chamavam de pais e isso era bom o suficiente para mim.
-- Não -- disse Liam de um modo estranho, depois de uma troca de olhares com Duncan. -- A mãe das crianças não faz parte da vida delas. E continuará não fazendo no futuro, então você não precisa se...
-- Venha comigo.
Antes que eu me desse conta, Julius tinha pego minha mão e me puxado gentilmente para fora da cozinha. Eu o segui pela sala de estar, ou sala de visitas, não me lembrava muito bem como é que eles tinham chamado o cômodo ao passarmos por ele, até a extremidade onde tínhamos assistido televisão algumas noites atrás.
Ele parou diante da parede contendo todas as medalhas e outras coisas militares. Exibida perfeitamente em uma das prateleiras, eu podia ver uma bandeira dobrada em uma caixa de mogno e diante dela uma foto de 20 x 25 cm de um casal sorridente e feliz.
-- Estes são Roman Jackson e sua esposa, Kara.
Olhei para a foto, que fora tirada ao ar livre. O homem era alto e seu corpo era bem estruturado; ele estava além de bonito e sua esposa era tão bonita quanto. Ambos eram loiros. Talvez um pouco familiares.
-- Eles são os pais de Jace e Courtney -- continuou Julius, solenemente. E então eu soube.
-- Infelizmente, para todos nós, eles nos deixaram.
Capítulo 12
DELILAH
Mudar foi fácil já que teoricamente eu não tinha nada que quisesse levar comigo. Mas esvaziar minha metade do apartamento enquanto Traci estava fora com o namorado?
Provavelmente aquilo tinha sido a coisa mais satisfatória que eu tinha feito em anos.
Estávamos devendo dois meses de aluguel e, como alguém que acreditava fortemente em carma, fiz o que era certo e paguei minha metade ao homem no andar de cima. Ele ficou chocado, para dizer o mínimo e, ao mesmo tempo, agradecido e triste. Dei a ele um abraço desajeitado e desejei boa sorte, mas não sem antes oferecer a ele o número do gabinete do xerife, onde ele poderia iniciar um processo de expulsão.
Meia hora mais tarde meu telefone tocou.
-- Eh... cadê o sofá?
A voz do outro lado da linha estava tão aguda e irritante que podia partir os vidros, fazendo com que eu segurasse o telefone alguns centímetros longe de minha orelha.
-- O sofá era meu, então eu o trouxe comigo -- menti. Na verdade, eu o tinha doado por um capricho, quando o caminhão de doações que arranjei parou para pegar o resto das coisas que eu não queria.
-- E a cafeteira? -- gritou ela. -- Os pratos? O aspirador de pó? -- Tudo meu -- sorri, já na metade do caminho para Southhold. -- E o leite, Delilah? -- desdenhou ela com tom acusatório. -Você levou o leite?
-- Bem, era meu também -- ri levianamente. -- Você não comprava leite há meses, embora você e seu namorado o devorassem com cereal todas as manhãs. Você simplesmente sabia que eu sempre compraria leite por causa do meu café.
Os cinco segundos de silêncio atordoado que se seguiram valeram todas as caixas de leite do mundo.
-- Então sim, a galinha dos ovos de ouro deixou o galinheiro -disse com uma risada. -- E ela levou o leite. Cuide-se, Traci. E boa sorte.
Minha agora ex companheira de apartamento murmurou algo baixo e inteligível antes de erguer a voz novamente.
-- Verei você no trabalho, sua vaca -- zombou.
-- Na verdade não -- ri ainda mais alto. -- Você não verá.
Morar com os rapazes se mostrou ainda mais fácil do que eu tinha imaginado. Raramente havia mais do que um deles na casa durante o dia, e quem quer que fosse normalmente estava envolvido em algum trabalho manual. Por quase duas semanas eu os vi cortar, pendurar, martelar e lixar todos os tipos de acabamentos e acessórios, tudo isso, enquanto ainda supervisionavam o que as equipes externas estavam fazendo.
O trabalho era constante na renovação da estrutura interna, na substituição dos revestimentos do piso e em todos os tipos de inspeções posteriores ao assentamento dos moldes. Aparentemente a casa tinha ficado vazia por um bom tempo. Com a proximidade do inverno, o sistema de aquecimento, ventilação e climatização parecia ser a principal preocupação, tema sobre o qual coincidentemente eu sabia muito. Meu pai tinha tido seu próprio negócio de aquecimento e resfriamento até se aposentar e eu tinha me juntado a ele em alguns trabalhos durante minha adolescência.
No entanto, agora meu trabalho era cuidar das crianças e eu amava isso. Eu passava tanto tempo com elas dentro de casa quanto fora e tinha recebido uma cópia da chave do Audi, caso eu quisesse levá-las a algum lugar. O carro era bem mais confortável e seguro do que o meu e toda essa liberdade tornava o trabalho bem mais prazeroso. Eu estava constantemente visitando parques, parquinhos e casas de entretenimento infantil, que os gêmeos poderiam gostar e se divertir.
Jace era o mais selvagem, aquele que eu passava a maior parte do dia perseguindo, mas era também o mais amoroso. Ele gostava de se aconchegar nos meus braços e acabava adormecendo muito antes de Courtney. E isso era ótimo, já que me permitia aproveitar um tempo sozinha com a princesinha. Sua natureza criativa a levava a construir coisas, geralmente com os mesmos blocos de madeira que Jace passava metade do dia arremessando ao redor.
Felizmente para mim, ambos dormiam quase a noite inteira. Eles tinham um padrão de sono bem definido e já tinham idade suficiente para não precisarem acordar para comer. Mas ainda assim, eu me levantava todas as noites para checar os dois, em algum momento durante as primeiras horas da manhã. Eu costumava fazer o mesmo sempre que estava cuidando de meus sobrinhos e, pelo jeito, velhos hábitos eram difíceis de se perder.
Mas, por mais que eu amasse as crianças, minha hora favorita do dia era depois que elas estavam adormecidas em seus berços. Era quando eu finalmente podia colocar os pés para cima, sentarme confortavelmente no sofá e passar um tempo entre adultos com um ou mais dos rapazes, também ansiosos para relaxar depois de um longo dia. Porque depois de dez ou doze horas passadas ao lado de crianças, tudo o que você queria era a companhia de alguém capaz de formar frases completas.
Melhor ainda quando essas companhias eram extremamente sexys, como os rapazes.
No início eu tentei não olhar, mas era simplesmente difícil demais. Eles não eram simplesmente meus empregadores, eram também os caras com quem eu dividia a casa. Eles já eram lindos o suficiente totalmente vestidos, mas agora eu tinha que lidar com eles andando pela casa com todo tipo de roupa casual que se pudesse imaginar. Impossível não olhar quando estavam tirando as roupas de trabalho, pingando de suor, revelando os corpos esculpidos, exibindo-se em suas boxers, sem camisa. De início cheguei a pensar que estivessem fazendo aquilo de propósito, mas talvez fosse apenas meu desejo falando mais alto. Afinal de conta, eles eram militares. Estavam acostumados a banhos em grupo, promiscuidade e não tinham quaisquer escrúpulos sobre andar por aí nus. Provavelmente eles estavam usando mais roupas apenas por saber que eu estava por perto agora.
E, Deus, uma vez, cheguei a ver Duncan passando do banheiro para o quarto, completamente nu, com as duas bandas perfeitas da bunda balançando sob a pele bronzeada. Eu tinha voltado para casa antes do previsto enquanto ele estava tomando banho e, para a minha sorte, não havia toalhas. Saí do corredor antes que ele me notasse, no entanto, antes que eu conseguisse dar uma olhada na parte da frente. Por mais que eu quisesse, algumas coisas provavelmente deveriam permanecer como mistério.
Pelo menos por enquanto.
Mais uma vez pensamentos maldosos me passaram pela mente e eu precisei afastá-los. Eu estava em um lugar incrível, uma casa maravilhosa. Eu tinha duas crianças lindas para me divertir e tomar conta e estava sendo excepcionalmente bem paga para isso. A última coisa que eu queria era estragar tudo.
Além do mais, os rapazes tinham feito eu me sentir instantaneamente bem-vinda e totalmente em casa. Mais importante, eles fizeram eu me sentir como um deles e como parceira no cuidado com a casa e com as crianças. Eu assumia algumas tarefas aqui e ali, principalmente lidando com empreiteiros e dando a eles atualizações quando não podiam ver o que estava sendo feito. Mas eles sempre me agradeciam por isso, me tratando em pé de igualdade. De alguma maneira nosso arranjo tinha assumido rapidamente um ar de família. Uma família onde não faltava diversão, risadas e respeito mútuo.
Eu estava sentindo o que não sentia desde a mudança de minha irmã.
JULIUS
Ela parecia incrível, como sempre. Mas agora estava tentando parecer incrível propositalmente e por isso a maquiagem, o vestido e o cabelo falsamente despenteado levavam tudo a um outro patamar.
-- Oi, Julius!
Delilah passou por mim no corredor, toda sorridente e feliz, antes de desaparecer em seu quarto. Peguei-me paralisado ali, deliciosamente inebriado pelo cheiro de coco e framboesa e sabe Deus o que mais.
Merda.
Continuei ali até não sentir mais seu cheiro e só depois segui para a sala, onde Liam abria três garrafas de cerveja estupidamente geladas, mesmo Duncan tendo ido passar a noite na cidade.
-- Vamos acabar tomando a terceira garrafa -- disse, quando ele me estendeu uma delas.
-- O que? Por que?
-- Ela está se arrumando para sair.
Liam franziu a testa, confuso. Confirmei com a cabeça, enquanto me afundava na parte oposta do sofá.
-- Aonde ela está indo?
-- Como vou saber? -- disse, dando de ombro. -- Mas é a noite de folga dela, então...
Eu sabia o que ele estava pensando antes mesmo de ver a preocupação em seu rosto. Eu estava pensando exatamente a mesma coisa. E a maneira como estava...
-- Ela vai sair com um cara? -- perguntou Liam, inclinando a cabeça.
-- Como vou saber? -- disse novamente, deixando escapar uma risada mal-humorada. -- Mas ela está usando um vestido justo, salto alto e o cabelo está arrumado. Além disso, ela maquiou os olhos, daquele jeito que as mulheres fazem para parecer sexy. Você sabe do que estou falando, não sabe.
Liam acenou vagamente com a cabeça, sem nem ter tocado em sua cerveja.
-- Sim -- disse respirando fundo. -- Eu sei.
-- Bem, você já viu uma mulher vestida desse jeito para outra coisa que não impressionar um cara?
-- Talvez ela esteja indo dançar com algumas amigas ou algo assim -- disse, engolindo em seco.
-- Delilah não tem amigas -- respondi solenemente. -- Pelo menos ela nunca nos falou sobre nenhuma.
Nas duas semanas em que estava morando com a gente, Delilah tinha se mostrado um livro aberto. Ela passava seu tempo conosco sempre que não estava envolvida com o trabalho de transcrição médica em tempo parcial.
Sabíamos que ela tinha vivido sozinha em Nova York, desde que os pais se mudaram repentinamente, seguidos pela irmã casada que tinha se mudado recentemente para o Sul. Além disso, ela tinha um sobrinho e uma sobrinha de cinco anos, sobre os quais ela não se cansava de falar. E nós não nos cansávamos de ouvir. Era incrível ver o quanto ela amava aquelas crianças. Aquilo só reforçava o cuidado que ela tinha para com as nossas próprias crianças.
-- Uau -- exclamou Liam. -- Um encontro.
-- É.
Ele finalmente levou a cerveja aos lábios, dando um longo gole. Quando baixou a garrafa, Delilah estava de volta à sala, desta vez os lábios marcados a lápis e cobertos com um toque de gloss, tornando-os ainda mais cheios e espessos.
Merda, ela parecia tão quente que me fez contorcer no sofá.
-- Devo voltar tarde, meninos -- disse sorrindo. -- Não esperem por mim.
Claro que ela estava brincando, mas os olhares em nossos rostos deve ter dito algo completamente diferente.
-- Aonde você está indo? -- perguntou Liam casualmente. -Quero dizer... não que você nos deva alguma satisfação ou algo do tipo -- adicionou rapidamente. -- Eu estava apenas puxando assun...
-- Tenho um encontro -- respondeu ela, abertamente. -Lembra? O estranho não tão estranho?
Por alguns segundos o silêncio foi tão intenso na sala que seria possível ouvir um alfinete caindo.
-- O cara da internet -- finalmente falei. -- O do site de encontros.
-- Isso.
-- Mas esse encontro não era pra ter sido no sábado passado? -- perguntou Liam.
-- Era, mas com a mudança e tudo mais, acabei adiando para hoje. Ele foi um amor e entendeu minha necessidade de adiar. Eu disse a ele que faria valer a pena.
Agora foi a vez de Liam se contorcer no sofá. Ele estava com ciúmes? Porque eu definitivamente estava. E o mais estranho é que eu não tinha motivo nenhum para isso.
-- E como exatamente você pretende fazer isso? -- questionou Liam.
Atirando uma bolsa preta sobre um ombro, nossa linda babá pegou o casaco e piscou de volta para nós.
-- A curiosidade matou o gato, meninos.
DELILAH
Já passava da meia-noite, quando cheguei em casa e atravessei o vestíbulo deserto, esquivando-me das cortinas de plástico das obras. Esperava encontrar a sala vazia, mas ela ainda estava iluminada pela luz vacilante da televisão.
-- Bem-vinda de volta -- sorriu Liam.
Ele ainda estava ali, assim como Julius. Na mesinha de centro, várias caixas de comida chinesa e um monte de garrafas de cerveja vazias.
-- Como foi o encontro?
Eu não podia acreditar que eles ainda estavam acordados! Os três eram super madrugadores, treinando ou melhor, fazendo crossfit como eles diziam entre quatro e cinco da manhã. Nas duas semanas em que eu estava ali nunca tinha visto eles acordados até tão tarde.
-- Foi... bom -- disse, colocando minha bolsa sobre uma das mesas laterais. -- Mas a pergunta que não quer calar é: o que vocês estão fazendo acordados até essa hora?
Fiz o possível para não rir. Os dois tinham esperado por mim como dois irmãos superprotetores. Se eu fosse parar para pensar, era um gesto gentil. Um pouco excessivo e talvez fosse um pouco de invasão de privacidade... mas gentil.
-- Estou achando que vocês ficaram esperando por mim -disse. -- Mesmo eu tendo dito para não fazerem isso.
-- Ou -- respondeu Liam -- estamos apenas curtindo uma maratona de filmes de ação dos anos 1980.
Virei-me para encarar a tela onde Arnold Schwarzenegger estava explodindo dezesseis pessoas de uma vez só. Aquele podia ser qualquer filme de ação, até eu ver uma Alyssa Milano adolescente.
-- Comando para matar -- disse acenando em sinal de aprovação. -- O Rambo dos pobres.
-- Você está brincando, né? -- Julius se endireitou instantaneamente no sofá. -- Schwarzenegger dá de mil a zero no Stallone. Sempre deu.
-- Hum... Rocky? -- questionei em tom de brincadeira.
-- Desafio total? -- respondeu Julius, de imediato. -- Conan, o bárbaro? O exterminador do futuro?
-- Ele nem atua nesse filme! Ele era literalmente um robô -respondi, rindo alto.
Eu me afundei no sofá, soltando um suspiro grato ao sentir o alívio em minhas pernas.
-- O predador, então -- disse Liam, estalando os dedos. -- Muito melhor que qualquer um desses.
-- Eu não assisti esse -- admiti. -- Ainda assim...
Interrompi minha frase diante do silêncio ensurdecedor. Eu não sabia se o olhar deles era de pura descrença ou de verdadeiro desgosto.
-- O que?
-- Você nunca assistiu O predador? -- disse Julius, soltando a respiração.
-- Não, mas vi trailers e... -- parei novamente. -- Sério, o que vocês ainda estão fazendo acordados?
Liam me encarou por um longo momento até que deixou escapar um suspiro de resignação.
-- Tudo bem, acho que estávamos um pouco preocupados com você.
Me senti estranhamente lisonjeada diante da confissão.
-- Por que?
-- Bem, nós imaginamos que o encontro fosse acontecer lá perto de onde você morava antes e era uma longa distância para dirigir -- disse Liam. -- E as estradas ainda estavam escorregadias por causa da chuva, então...
-- Então foi por isso? -- Sorri. -- As estradas molhadas?
-- Além do mais você nunca tinha encontrado esse cara antes - continuou Liam. -- Você estava se encontrando com um total estranho, Delilah. Você não sabia...
-- Ele poderia ser um maníaco -- disse Julius, interrompendo. -Um cara realmente perigoso. Talvez até mesmo um serial killer ou...
-- Na verdade ele foi muito simpático -- interrompi. -- Um perfeito cavaleiro. Nós jantamos, tomamos alguns drinques e caminhamos um pouco pela cidade, apenas conversando.
-- Na chuva? -- perguntou Liam.
-- Sim -- rebati imediatamente. -- Sob um guarda-chuva. Na chuva.
Minha maneira brusca pareceu pressioná-los. Por fim, acabaram se ajeitando novamente nas almofadas, com uma feição como se estivessem se sentindo um pouco tolos.
Ah, droga.
Eu estava me sentindo totalmente culpada. Eu tinha que admitir que era fofo eles estarem preocupados comigo.
-- De qualquer maneira -- suspirei -- não sei se vamos nos ver novamente. É difícil saber se ele gostou de mim ou...
-- Difícil saber se ele gostou de você? -- perguntou Liam, dando um pulo. -- Você está brincando, né?
-- O que você quer dizer? -- perguntei rindo.
-- Olhe para você! Linda! Além de inteligente, divertida...
-- Generosa -- interrompeu Julius. -- Amorosa. Confiante...
-- Humilde? -- Eu ri.
-- Não, não mesmo -- Liam riu junto comigo --, mas está tudo bem. Humildade é algo superestimado de qualquer maneira.
O que quer que estivesse acontecendo ali, era doce. E fez eu me sentir ainda mais bem-vinda e amada.
-- Seja quem for esse cara, ele será o maior idiota da face da terra se não ligar novamente para você -- continuou Julius. -- Se eu fosse ele, estaria ligando agora mesmo.
Nós três encaramos meu telefone, deixado ao lado da bolsa, na mesa.
-- Como terminou o encontro? -- perguntou Liam. -- O que ele disse?
-- Ele disse que se divertiu -- disse, depois de pensar por um momento -- e que entraria em contato.
-- Entraria em contato? -- os dois repetiram ao mesmo tempo, me fazendo rir.
-- É.
-- E foi isso?
-- Bem... -- me recostei para trás, balançando a cabeça. -- Ele também me deu um beijo de boa noite.
Os dois fizeram tudo o que puderam para não reagir. A tentativa foi quase cômica.
-- E como foi? -- perguntou Liam.
-- Foi okay -- disse sendo verdadeira.
-- Você disse okay?
Senti minhas bochechas corarem.
-- Não, quero dizer... foi bom. Definitivamente bom.
-- Bom? -- confirmou Julius. -- Só bom?
-- É, foi um beijo bom.
Eles voltaram a se entreolhar. E ambos balançaram a cabeça lentamente, como se estivessem compartilhando algum segredo.
-- O que?
-- Bem, temo que seja uma causa perdida, então -- disse Liam. -- Sinto muito..
-- E como você chegou a essa conclusão? -- perguntei em um tom desafiador, franzindo a sobrancelha.
-- Esse foi o primeiro beijo de vocês, Delilah -- começou ele. -O primeiro entre você e ele. Vocês podem ter centenas, milhares, milhões de outros beijos, mas nunca haverá outro primeiro beijo.
Eu estava surpresa. De verdade.
-- O primeiro beijo deve ser mágico -- continuou Liam. -- Deve transcender. Deve ser o ponto máximo de uma atração magnética mútua, a união de duas pessoas em um momento de intimidade e paixão.
Puta merda. Olhei para Julius que sorria com os braços cruzados.
-- E você disse que foi okay.
Cruzei os braços. Me sentindo insolente de repente.
-- Foi um beijo bom -- disse defensivamente. -- Talvez até mesmo um ótimo beijo, não sei. Talvez eu estivesse apenas minimizando isso por vocês. Ou eu não fui capaz de descrever corretamente. Ou então... -- Nos mostre então.