- O que foi, princesa? – Perguntou Bruno, enquanto tomava, da mão de Victoria, a mala pesada. Quando se tratava de consolá-la, sua voz se tornava inexplicavelmente terna e suave para uma voz, normalmente, tão grave e imponente.
Victoria suspirou, levando nos braços a bolsa na qual havia guardado a pelúcia que pretendia devolver para Matheus.
- Não é nada, pai. – Ela sabia que não acabaria com aquele diálogo antes de esclarecer o que a havia entristecido, mas explicar o que estava sentindo era quase impossível, uma vez que, nem mesmo ela, era capaz de entender. – Acho que só estou cansada da viagem.
Ele permaneceu em silêncio enquanto os dois atravessavam a casa em direção ao quartinho que ficava nos fundos, mas, quando ambos haviam entrado no quarto e estavam a sós, se aproximou, de frente para ela, segurando em seu queixo e a fazendo encará-lo. Ele a fitou como se explorasse calmamente os recônditos de seu jovem coração.
Se comparada à escura cor de ébano de seu pai, Victoria podia ser considerada um tanto mais clara, mas a semelhança entre os traços de ambos eram tantas que seria impossível dizer não se tratarem de pai e filha.
Resignada, ela suspirou mais uma vez.
- Ele nem me reconheceu. – Um beicinho ressentido surgiu na boca de Victoria.
Ela remoía o momento em que os olhares, dela e do primo, se haviam cruzado, por um brevíssimo momento enquanto ele passava direto para o interior da casa.
A boca do pai se torceu num sorriso de dentes muito brancos.
- Vem cá. – Ele a puxou em um abraço protetor. – Não ouviu a dona Rute dizendo que ele estava doido para te mostrar o lugar? É claro que ele te reconheceu.
- Mas então, por que ele nem me cumprimentou direito? – A voz de Victoria traía ressentimento.
A manzorra do pai se pousou sobre seus caracóis em um afago de acalento.
- Pelo mesmo motivo que você não o cumprimentou direito. – Ele explicou, paciente. – Deve ter ficado com vergonha. Ele acha que você não é mais a menininha que costumava brincar com ele.
- Mas eu sou. – A garota proferiu, como se precisasse se explicar. – Sou a mesma menininha.
Bruno se afastou de Victoria, voltando em direção à porta para continuar a descarga.
- Vocês vão ter tempo para perceber isso.
*
A tarde se havia passado com Victoria a remoer aquilo que lhe havia dito seu pai. Seu ânimo havia melhorado consideravelmente, mas, o cansaço da viagem parecia, então, ter começado a fazer efeito.
Quando ela e o pai terminaram de ajeitar todas as coisas em seus respectivos quartos, sem a ajuda de Sara, que se havia desembestado a andar pelas terras da fazenda tendo os cachorros a lhe fazerem companhia, duas batidas soaram à porta, que se encontrava aberta.
- Oi gatinha. – Victoria se virou para olhar. – Meu Deus, menina! Olha só como você cresceu.
Antônio era muito parecido com Bruno, tanto na fisionomia, quanto nos trejeitos. O tio, no entanto, talvez por conta do trabalho pesado na fazenda, havia envelhecido de maneira muito mais aparente. O homem que a observava sobre o umbral da porta ostentava uma proeminência na barriga e, os cabelos já se acinzentavam nas têmporas e na barba hirsuta.
- Tio Toni! – Ela correu para abraçá-lo. – Aonde estava?
Ele a envolveu com os dois braços que mais se pareciam toras. Ele exalava um cheiro de suor que se misturava com vários outros aromas estranhos ao olfato da garota e ela percebeu, talvez tarde demais, que suas roupas estavam encardidas por conta do trabalho.
- Oh! Me desculpe. Estou fedendo. – Ele gargalhou enquanto a apertava mais contra si. – Uma vaca decidiu dar à luz no meio do pasto e estive até agora auxiliando o veterinário.
Aquilo tudo soava tão surreal aos ouvidos de Victoria que, por um momento, ela cogitou a possibilidade de ele estar apenas tentando enganá-la, como fazia quando era uma criança.
- Aonde está o seu pai? – Perguntou.
Victoria deu de ombros.
- Deve ter ido atrás da namorada, que saiu por aí fazendo vídeos para postar naquela página idiota dela.
Ele levou a manzorra até o ombro miúdo de Victoria e ela pôde, mesmo por sob a blusa de lã que vestia, sentir os endurecidos calos que ele possuía na palma da mão.
- Dá um desconto para ela. – Ele sorriu, tentando ser conciliador, mas percebendo a própria falha quando os olhos negros de Victoria rolaram nas órbitas. – Bom, eu vou tomar um banho para poder comer alguma coisa. Fique à vontade, pequena.
Quando ele se virou e caminhou pelo corredor, Victoria cheirou sua própria blusa, constatando que o cheiro que o tio carregava, havia-se impregnado ali.
Ela voltou até o guarda-roupas, que ficava na parede oposta à porta e pegou um moletom. Atirou-o sobre a cama e se despiu da blusa de lã. O frio do inverno úmido fez com que sua pele se arrepiasse da barriga até os pequenos seios, contidos pelo sutiã de bojo e ela admirou o próprio corpo em um velho espelho. Seus olhos se arregalaram em um susto quando percebeu através do reflexo que Matheus a observava, boquiaberto estacado à porta.
Ato reflexo, Victoria deixou um gritinho escapar de sua garganta, levando a mão até o moletom e puxando-o contra si, à tento de esconder sua nudez parcial.
- Me desculpa. – O primo conseguiu articular, mas, sem fazer menção de sair de onde estava. – Eu não vi nada.
-Sai daqui! – Gritou.
Victoria correu em direção à porta e a esbarrou com força, fazendo com que as tábuas da casa reverberassem.
Ela sentiu as maçãs do seu rosto se aquecerem violentamente enquanto ouvia os passos do primo soarem sobre o assoalho.