Bahir respondeu à pergunta do irmão mais velho batendo a caneta que estava segurando com mais força na grande escrivaninha de mogno. Bahir e Riyad permaneceram no palácio depois do casamento real, enquanto Iman e Natalie estavam em lua-de-mel. E agora que os recém-casados tinham voltado, ambos os irmãos Karawi mais jovens estavam livres para voltar às suas próprias vidas. Para Riyad, isso significava festar na Europa, mas Bahir tinha uma empresa internacional de exportações para administrar. Ele estava tentando atrair Riyad para o negócio nos últimos meses. Era hora do seu irmão parar de desperdiçar a vida com a bebida e começar a ajudar, mas, sinceramente, ele não sabia por que ele e Riyad ainda estavam no palácio.
Em parte, era por causa de Íris. Foi chocante descobrir que Iman tinha uma filha de cinco anos que ele não conhecia. A menina tinha a família Karawi inteira na palma da sua pequena mãozinha. Bahir nunca tinha se visto como pai, embora soubesse que, um dia, esperava-se dele que se casasse e produzisse herdeiros.
Outra razão que o fez ficar foram os rumores que ouviu, que mencionavam agitação na periferia do reino. Ainda que a maior parte de Haamas tivesse se apaixonado por sua rainha americana, falava-se de uma rebelião crescente, de pessoas que queriam destronar os Karawis. Bahir e Riyad queriam estar lá para proteger Iman, se necessário.
E o fato de estar enlouquecendo seu irmão mais velho também ajudava.
Duas escrivaninhas dominavam o amplo escritório. Iman se sentava na mesa que fora do pai deles, onde examinava relatórios de seus conselheiros. Bahir estava sentado na mesa de seu tio e tentava se concentrar nos e-mails enviados pelos membros do conselho da sua empresa, mas estava se sentindo agitado e irritado.
Para se distrair dos pensamentos inquietantes, Bahir olhou para cima e abriu um sorriso.
- Talvez a gente fique pra sempre – provocou. – Apesar de achar que aqui não tem álcool suficiente pra Riyad.
- Pensei que ele ia começar a trabalhar com você – Iman afirmou.
Tamborilando os nós dos dedos na tampa da escrivaninha, Bahir enrugou o nariz.
- Nós conversamos sobre isso. Bom, eu conversei. Ele concordou com a cabeça e grunhiu. E depois falou sobre voar para a França. Não acho que ele tenha captado a mensagem.
Tocando cadenciadamente com os dedos pela superfície da mesa, ele fez uma careta quando o barulho sólido mudou. Hesitante, ele bateu na madeira de novo. O som resultante era oco.
Empurrando a cadeira para trás, ele olhou embaixo da mesa e moveu os dedos a esmo, até encontrar um sulco.
- O que você está fazendo agora? – Iman exigiu saber. – Além de me deixar louco.
- Acho que o tio Salah tinha um compartimento secreto na escrivaninha dele. – Os dedos dele deslizaram por um pequeno buraco. – Ah, sim, definitivamente tem alguma coisa aqui.
Iman se juntou a ele, ajoelhando-se para olhar embaixo da mesa.
- Parece que cabe uma chave allen aí. Tem alguma coisa assim nas gavetas?
Bahir abriu as gavetas, uma a uma, e procurou em meio aos papéis. Estava a ponto de desistir quando sentiu que havia algo grudado no topo da última gaveta.
- Achei. – Ele soltou a chave de fenda, inseriu no buraco e girou. Ouviu o distinto som de um cadeado deslizando e a tampa abriu. Uma pequena caixa caiu do esconderijo. Comprida e fina, era feita de pinho e adornada somente com um buraco de fechadura de latão. Bahir levantou e sacudiu a caixa. Os irmãos conseguiam ouvir com clareza o som de algo se mexendo dentro dela. – Ótimo. Outra fechadura. Você não se lembra de ver o tio com uma chave?
Iman balançou a cabeça e apertou os lábios.
- O que você acha que ele estava escondendo?
- Sei lá. – Abrindo outra gaveta, Bahir tirou alguns clipes de papel e os desdobrou. – Um truquezinho que eu aprendi na escola. Pra animar as festas.
Bahir abriu a fechadura em poucos minutos.
Iman olhou para o irmão, incrédulo.
- Pra animar festa que nada, nem aqui nem na China. Era você que roubava as canetas-tinteiro do papai, não é?
Bahir riu.
- Ele ficava com o rosto tão vermelho.
- Eu levava a culpa por isso! – Iman bramiu. – Por que você roubaria canetas?
Bahir abriu a caixa.
- Não era pelas canetas. Eu roubava sempre que estava com raiva de você. – Dentro, ele encontrou umas poucas cartas. Jogando-as na escrivaninha, ele virou a caixa de cabeça para baixo. – Não sei o que eu estava esperando, mas não era um monte de papéis. O que o tio Salah tinha pra esconder?
Iman tirou as cartas dos envelopes e as abriu. Depois de dar uma olhada no conteúdo, seu queixo caiu.
- Irmão. Você conhece uma Amália?
Ao ouvir o nome da sua antiga amante, Bahir olhou para cima bruscamente.
- Como é? Como você sabe dela?
- Estas cartas são pra você. E são dela.
Iman entregou os papéis devagar. Bahir podia ver o olhar de incredulidade no rosto do irmão e suspeitava que não fossem cartas de amor. Leu superficialmente o que estava escrito e sentiu o mundo inteiro escurecer.
Carta após carta. Datadas de sete anos atrás, diziam todas a mesma coisa. Ela implorava pela ajuda dele, pedia que se casassem, porque seu último encontro tinha resultado em gravidez.
- Eu a conheci há oito anos, em Que'Harabi, quando estive lá em uma viagem de negócios com o tio Salah. Era jovem, idiota e estava entediado. Ela era filha de um sócio. E me seduziu.
- Bahir – disse Iman lentamente –, não minta pra mim.
Rindo, o irmão mais novo balançou a cabeça, recordando.
- Não estou mentindo. Não sei bem quais eram os motivos dela e, sinceramente, nem perguntei. Continuei com o caso por alguns meses, enquanto o tio finalizava os negócios. Então ela me contou que tinha conhecido alguém e que queria terminar. Não estávamos apaixonados, mas sinto saudades e penso nela com frequência.
Iman apertou os lábios até quase desaparecerem.
- Imagino que a pessoa por quem ela se apaixonou não gostou muito da existência da gravidez.
- O pai dela era muito tradicional. Teria a deserdado. Na verdade, foi exatamente isso que ele fez.
Lendo as cartas, Bahir engoliu em seco. Como o tio Salah poderia ter escondido isso dele? Seu sangue começou a ferver de raiva quando chegou à última carta.
Não era de Amália e era datada de três anos atrás.
Endereçada à Sua Alteza, Sheik Bahir Karawi de Haamas. Estou escrevendo para informá-lo da morte da minha sobrinha Amália. Ela deixa uma filha... Embora eu tenha tentado manter contato com Amália, ela foi rejeitada pela família e meu marido não vai me autorizar a acolher a criança. Se você tem a intenção de corrigir os erros que cometeu anos atrás, imploro a você que reivindique, proteja e crie sua filha. Deixei a menina no orfanato localizado no limite entre nossos dois reinos. Ela tem os olhos azuis da mãe e uma marca de nascença em forma de coração no abdome. A mãe dela morreu sem nada, e eu carrego apenas ódio em meu coração pelo que você fez com ela, mas sei que Amália o perdoou. Espero que você honre esse perdão e faça o que é certo.
- Ela sobreviveu – Bahir sussurrou em uma voz grave. – Minha filha. Ainda está viva.
Iman se inclinou e pegou a carta da mão do irmão. Depois de examiná-la, balançou a cabeça.
- A tinta, no local em que está escrito o nome da criança, está borrada.
- Lágrimas – disse Bahir, sem alterar o tom da voz. – A mulher estava chorando quando escreveu a carta. Não acredito que o tio Salah escondeu isso de mim.
Iman fechou os olhos.
- Ele fez o que achou que era certo. Proteger a família. Ele escondeu Natalie e minha filha de mim. – Balançou a cabeça. – Parece que fez a mesma coisa com você.
Sete anos. Por sete anos sua filha viveu na vergonha e na pobreza, e Bahir não fez nada. Amália deve ter pensado que ele a abandonou. Como ela conseguiu perdoá-lo por isso?
- Nunca vou perdoar o tio, Iman. Nunca – falou, com a voz tremendo.
Iman estendeu a mão e tocou o ombro de Bahir.
- Ninguém entende melhor do que eu. Quando eu penso em todos aqueles anos perdidos... – A voz do irmão mais velho falhou, o que não era típico dele, e ele deu um passo para trás. – O que você vai fazer agora?
- Vou atrás dela – disse Bahir sombriamente ao se levantar. – Vou encontrar minha filha.
- Há diversos orfanatos ao longo daquela fronteira, Bahir, e depois de quatro anos, não há garantia de que ela esteja lá. – Iman levantou a mão quando Bahir abriu a boca para falar, detendo-o. – Não estou tentando te impedir, mas preciso que entenda que isso pode não terminar do jeito que você quer. Você sequer sabe o nome dela.
- Não importa. – Bahir cerrou os punhos e encarou o irmão. – Nada vai me impedir de encontrar a menina. Nada.
- Você pode não ser bem-vindo tão longe do palácio. Vai precisar de proteção.
Naquele momento de raiva e mágoa, ele tinha se esquecido dos rebeldes, mas nem eles o impediriam. Bahir decepcionou sua filha há todos aqueles anos. Não deixaria passar mais tempo nenhum sem um reencontro.
- Todos os guardas que você puder ceder. Vou começar a busca pela manhã.
Reunindo as cartas, agarrou-as firmemente e foi para sua suíte.
Uma das criadas do palácio estava limpando o quarto quando ele entrou. Ela arregalou os olhos e abaixou a cabeça.
- Minhas desculpas, Sheik Bahir. Volto depois.
- Não se incomode. Não vou ficar – disse rispidamente, enquanto colocava as cartas na gaveta da mesinha de cabeceira e se virava de novo para a porta. – Volte ao trabalho.
Ele não esperou a resposta dela e saiu do quarto a passos largos. Precisava caminhar para clarear a cabeça, e depois precisava planejar a busca.
Teria a filha nos braços até o final da semana.