Quando minha tia entrou na sala de estar, com um estilo perfeito - como sempre - em um vestido bege de caxemira, com o cabelo escuro preso no alto da cabeça, tirei as mãos das teclas e o som cessou em uma suave expiração.
Tio Félix entrou atrás dela. Ele era um homem alto, corpulento, com um bigode que se contorcia quando ele falava. Eles trocaram um olhar e algo pesado se estabeleceu no meu estômago.
- Precisamos ter uma palavra com você, - disse Felix.
Levantei-me do banco e segui-os em direção à área de estar. Eles se sentaram no sofá e peguei a poltrona na frente deles. Parecia que eu estava enfrentando um tribunal.
- Não tem sido fácil para nós, criá-la, - Felix começou, e eu enrolei meus dedos no couro da poltrona. Não foi a primeira vez que ouvi isso, mas ainda doía. - Mas nós fizemos o que podíamos. Nós te demos o que podíamos para te criar.
Eles me deram abrigo e educação, mas carinho ou mesmo proteção contra os duros sussurros da sociedade... Não. Nunca isso. Eu estava grata de qualquer maneira. Eu sabia o quanto as aparências externas eram importantes, e eles arriscaram sua reputação ao receberem a filha de um traidor.
- Mas você é uma mulher adulta agora e é hora de ter sua própria casa, ser esposa e mãe.
Meu interior apertou, mas eu mantive meu rosto em branco. Ao longo dos anos, aprendi a esconder minhas emoções. - Você encontrou um marido para mim?
Quem teria concordado em casar comigo? Talvez tivessem se decidido por um soldado depois de tudo. Era o melhor. Se eu me casasse, o casamento e a cerimônia seriam um assunto discreto, sem atenção, pouco potencial para escândalo. Um soldado poderia me ver como uma maneira de melhorar sua posição, porque, apesar de ser filha de um traidor, eu era prima do Capo. Talvez isso o fizesse ignorar meu defeito.
Tia Egidia sorriu, mas seus olhos demonstravam culpa, talvez até vergonha. Felix pigarreou. - Eu sei que você não está ciente dos detalhes do meu negócio, mas a Famiglia está em guerra.
Como se alguém não soubesse disso. Até mesmo as crianças menores foram criadas com o conhecimento de que tínhamos que estar vigilantes porque a Outfit poderia atacar, ou Deus nos proteja, a Camorra.
- Eu sei, tio Felix, - eu disse baixinho.
- Mas Luca foi abordado com uma oferta de paz. Você não precisa se preocupar com os detalhes, mas pode ser o último passo para destruir a Outfit.
Minha respiração ficou presa na minha garganta. O que ele estava falando? Se a oferta não veio da Outfit, quem mais estava disposto a concordar com uma trégua?
- É uma honra, Kiara. Depois do que seu pai fez, pensamos que teríamos que lhe encontrar um soldado ou nenhum marido.
- Com quem eu vou casar? - Eu forcei as palavras, mas elas soaram estranguladas.
- Você vai se casar, - tia Egidia me assegurou com um sorriso tenso, mas seus olhos... seus olhos ainda tinham pena, e no fundo eu sabia que quaisquer horrores que sofri no passado, logo seriam acompanhados por novos horrores.
- Quem? - Eu disse asperamente.
- Nino Falcone, segundo no comando de seu irmão Remo Falcone, o Capo da Camorra, - disse Felix, evitando meus olhos.
Eu não ouvi nada depois disso, levantando-me sem uma palavra e saindo. Subi as escadas, continuei até meu quarto e afundei na espreguiçadeira, olhando fixamente para minha cama. Estava bem arrumada. Eu não deixava as empregadas fazerem isso, não às deixei fazer isso em anos. Toda noite eu pegava meu travesseiro e cobertor e me enrolava na minha espreguiçadeira para dormir, e de manhã eu devolvia tudo e arrumava a cama para que ninguém descobrisse que não usava a cama e não o fazia há seis anos.
Seis anos. Eu tinha apenas treze anos.
Enquanto olhava para a minha cama, os horrores do passado tomavam forma novamente, como faziam todas as noites quando eu fechava os olhos.
***
SEIS ANOS ATRÁS
Estava escuro no meu quarto quando passos me acordaram. Eu me virei e reconheci meu tio Durant sob o brilho do luar. Ele viera a Baltimore com a esposa, tia Criminella, para visitar tia Egidia e tio Felix por alguns dias.
Confusa com sua presença, sentei-me. Sua respiração era alta e ele estava usando um roupão de banho. - Shh, - disse ele, inclinando-se sobre mim, seu corpo me forçando para baixo.
Medo disparou através de mim. Eu não deveria estar sozinha com homens no meu quarto. Essa foi uma regra que aprendi desde cedo. Dura de terror, vi quando ele tirou o roupão de banho; ele estava nu por baixo. Eu nunca tinha visto um homem nu. Sua mão agarrou meu ombro e sua outra mão pressionou minha boca. Eu deveria mostrar respeito aos idosos, aos homens em particular, mas eu sabia que isso não estava certo. Eu comecei a lutar.
Ele rasgou minhas roupas. Ele era muito forte. Ele puxou e beliscou. Suas mãos machucavam entre as minhas pernas. Eu chorei, mas ele não parou. Ele se moveu em cima de mim, entre as minhas pernas.
- Esta é sua punição por ser uma traidora suja.
Eu queria dizer que não traí ninguém, mas a dor roubou minhas palavras. Parecia estar sendo rasgada, quebrada, como cair e despedaçar. Sua respiração estava quente no meu rosto e eu chorei, choraminguei e implorei. Sua mão só apertou mais forte ao redor da minha boca, e ele grunhiu enquanto empurrava em mim uma e outra vez. Eu chorei mais porque doía muito.
Machucou-me toda, meu corpo inteiro e profundamente no meu peito.
Ele continuou grunhindo acima de mim. Eu parei de lutar, respirei pelo meu nariz entupido. Dentro e fora. Dentro e fora. Seu suor pingava na minha testa. Ele estremeceu e caiu em cima de mim. Sua mão escorregou da minha boca.
Eu não gritei. Eu estava quieta, imóvel.
- Ninguém vai acreditar em você se você falar sobre isso, Kiara. E mesmo se o fizerem, culparão você e ninguém mais a desejará. Você está suja agora, Kiara, está me ouvindo? Inútil.
Ele saiu de mim e eu chorei da dor aguda. Ele me deu um tapa. - Fique quieta.
Eu pressionei meus lábios, observando-o levantar e vestir o roupão de banho. - Você já teve seu período?
Eu balancei a cabeça porque não conseguia falar.
- Bom. Não quero que você tenha um bastardo, certo? - Ele se inclinou sobre mim novamente, e eu vacilei. - Vou me certificar de que as criadas saibam que você está menstruada, não se preocupe. Não deixarei ninguém descobrir que você é uma putinha sem valor. Eu vou te proteger. - Ele acariciou minha bochecha antes de se afastar, e eu não me movi até que ele saísse. Quando seus passos se desvaneceram, levantei-me e consegui ficar de pé apesar da dor.
Algo quente escorria pelas minhas pernas. Eu tropecei para frente, agarrei minha calcinha descartada e apertei-a entre as minhas pernas, chorando novamente. Tremendo, eu me enrolei na espreguiçadeira, olhando para a escuridão da cama.
Antes do nascer do sol, a porta se abriu novamente, e eu pressionei contra o encosto, me encolhendo. Uma das criadas, Dorma, entrou no meu quarto. Ela era uma das mais jovens, e me olhava como se eu fosse um incômodo. Seus olhos se moveram sobre mim. - Levante-se, - ela disse bruscamente. - Precisamos limpar você antes que os outros acordem.
Eu levantei, estremecendo com a dor entre as minhas pernas. Eu olhei para mim mesma. Havia sangue nas minhas pernas e algo mais que fez meu estômago apertar bruscamente. Dorma começou a juntar os lençóis. Eles também estavam cobertos de sangue. - É melhor você ficar quieta sobre isso, - ela murmurou. - Seu tio é um homem importante e você é apenas uma traidora. Você tem sorte de não terem matado você também.
Esperei em silêncio enquanto ela ajeitava os lençóis e os colocava no chão. Então ela começou a puxar minhas roupas, ignorando minha vacilação, até que fiquei nua. Eu me sentia suja, sem valor e quebrada sob seus olhos cruéis.
Ela adicionou minha camisola ao monte de sangue no chão, em seguida, me ajudou a vestir um roupão de banho. - Vamos ao banheiro agora e, se alguém perguntar, você menstruou, certo?
Eu assenti. Não perguntei por quê. Não lutei.
Naquela noite, tio Durant entrou no meu quarto novamente, e novamente na noite seguinte, e novamente até que finalmente teve que voltar para Atlanta. Todas as manhãs, Dorma limpava os lençóis e a mim. Alguns dias depois que ele partiu, ela usava um colar caro. O preço pelo seu silêncio.
***
HOJE
Uma batida soou, me arrancando das lembranças dolorosas. Eu respirei fundo e desejei que minha voz estivesse forte. - Entre.
Tia Egidia abriu a porta, mas ela não entrou. Preocupação apertou sua boca. - Kiara, isso foi muito rude, - disse ela. Ela me olhou, em seguida, desviou o olhar, que novamente estava preenchido com uma pitada de culpa. - Você deveria estar honrada em ser dada a alguém importante. Com o seu passado, é uma benção. Seu casamento será um espetáculo. Isso trará honra ao seu nome.
E ao seu, - eu disse baixinho.
Ela endureceu e imediatamente me arrependi das minhas palavras. Eu não tinha o direito de criticá-la ou ao meu tio. - Enfrentamos muitos aborrecimentos porque a acolhemos. Você não pode nos culpar por estarmos felizes em ter encontrado um parceiro tão honrado para você.
- Já foi decidido? - Perguntei em voz baixa.
Ela franziu a testa. - Praticamente. Os Falcone insistem no parentesco com Luca para o casamento, naturalmente, então Félix sugeriu você. Luca gostaria de falar com você antes de fazer a oferta, o que não costuma ser feito, mas se ele insiste em seu consentimento, dificilmente podemos recusá-lo. Nós o convidamos e a sua esposa para jantar. - Seus olhos encontraram os meus, finalmente. - Você vai dizer que está honrada, Kiara, não vai? Esta é sua chance de resgatar sua família e você mesma. Talvez seus irmãos tenham permissão para se tornarem capitães se você se casar com alguém como Nino Falcone.
Minha garganta se fechou com força e meu olhar encontrou a cama novamente.
- Kiara, você vai dizer a ele que concorda, não vai? Seu tio já disse a Luca que você concordaria. Isso levantará rumores se você recusar.
Olhei de volta para minha tia, que parecia preocupada.
- Eu vou concordar, - eu sussurrei, porque o que mais havia a fazer?
***
Naquela noite, antes do jantar, Luca me puxou de lado para falar comigo sem minha tia e meu tio, o que os desagradou muito, deixando claro pela carranca em seus rostos.
- Eu não vou lhe forçar a se casar se você recusar, - disse ele. Sua presença me deixava nervosa.
- Farei vinte neste outono. Eu preciso casar.
Isso é verdade, - admitiu Luca. Seus olhos cinzentos me observavam como se ele achasse que poderia tirar qualquer verdade de mim apenas com seu olhar vigilante, mas eu aprendi a guardar meus segredos. - Mas você poderia se casar com outra pessoa.
Poderia, mas se eu me recusasse a casar com Nino Falcone, seria considerada ainda mais uma pária em nossos círculos. O tio Felix e a tia Egidia ficariam desapontados, e teriam ainda mais dificuldade em encontrar outra pessoa. E como eu justificaria minha recusa? Em nosso mundo, você se casava com o homem que seus pais escolhiam para você, não importa quão ruim fosse a escolha. - Quem se casaria com Nino Falcone em meu lugar?
- A maioria das minhas primas é prometida ou casada. Eu teria que escolher uma das filhas dos meus capitães. Algumas delas atingirão a maioridade neste ano e não estão comprometidas.
Outra garota dada aos monstros em Las Vegas. Uma garota mais inocente que eu. Uma menina que merece uma chance de felicidade, não importa o quão pequena fosse em nosso mundo.
Ninguém me protegeu há anos atrás, mas eu poderia poupar outra garota desse destino. - Eu vou casar com ele. Você não tem que escolher mais ninguém. - Minha voz não traía meu terror. Estava firme e determinada, e me forcei a encontrar o olhar de Luca pela primeira vez esta noite.
Luca olhou para mim por mais um momento, mas eu poderia dizer que ele aprovou minha decisão. Dever e honra eram os pilares do nosso mundo. Cada um de nós tinha que fazer o que era esperado. Teria feito ele e a Famiglia ficarem mal se não pudesse oferecer uma de suas primas para a Camorra. Essas eram as regras pelas quais vivíamos, e sua própria esposa lhe fora dada pela paz. Era assim que era feito, como sempre seria feito.
Depois do jantar, foi Aria quem se aproximou de mim. Ela sorriu gentilmente e tocou meu braço enquanto os homens bebiam seu uísque na sala de estar e tia Egidia preparava o café para nós. - Ninguém te culparia se você se recusasse, - disse Aria.
- Você se casou com Luca. Você fez o que era esperado, o que a honra ditou, e eu sei que o mesmo é esperado de mim, - eu disse com um sorriso.
Ela franziu a testa. - Sim, mas...
Não é como se aqui fosse minha casa. Mesmo que não tenha sido eu a quebrar o juramento, estou pagando pelo erro do meu pai. Eu quero seguir em frente. Esta é a minha chance de me redimir. Las Vegas pode ser um novo começo para mim.
Essas eram as palavras esperadas de mim, mas elas caíram pesadamente dos meus lábios porque sabia que meu casamento com Nino poderia destruir tudo. Minha reputação e qualquer chance de paz. E sob essas preocupações, havia um medo mais profundo e sombrio - um medo nascido no passado que assombrava meu presente e determinaria meu futuro.
***
NINO
- Isso foi muito arriscado e você sabe disso, Remo. Um dia você vai se matar, - eu disse quando Remo e eu sentamos em uma mesa no Sugar Trap. Eu sabia que ele estava começando a ficar cansado das minhas palestras, mas enquanto ele agisse impulsivamente, teria que ouvi-las.
Remo jogou os pés em cima da mesa, observando a stripper balançar seus quadris, seus seios saltando para cima e para baixo. A Sugar Trap estava deserta, exceto pelas mulheres se preparando para a noite.
- Quando isso acontecer, você estará aqui para governar a Camorra.
Eu fiz uma careta. Ele estava encarando isso muito levianamente. Ele nasceu o Capo. Ninguém poderia assustar as pessoas com a mesma facilidade e rapidez que Remo. Eu não queria me tornar Capo. Esse era o direito inato de Remo, não meu.
- Não me olhe desse jeito, Nino. Eu sei que você teria lidado com as coisas de maneira diferente.
- Qualquer um teria lidado com as coisas de maneira diferente.
- Funcionou. Luca pegou suas drogas e concordou em dar uma chance a essa união. E aposto que Aria participou do assunto. Ela quer
seu irmão de volta. Ela é uma mulher. Elas querem paz e amor. Elas gostam de se intrometer.
- Você não é um especialista no que diz respeito às mulheres. Quando foi a última vez que você falou mais de duas frases a uma mulher?
Remo tirou as pernas da mesa, se levantou e apontou para a stripper. - Eu quero fodê-la. Leve sua bunda para o vestiário. Estarei lá em dois minutos. É melhor você estar nua. - A mulher assentiu e correu para os vestiários. Remo levantou uma sobrancelha escura. - Viu? Quatro frases.
Eu suspirei e me levantei. - Isso não é falar, isso é comandar. Um monólogo, na melhor das hipóteses. Para que seja uma conversa real, ela tem que dizer algo em troca.
Remo sorriu. - Por que eu iria querer ouvir o que ela tem a dizer? Eu prefiro sua boca cheia com o meu pau. - Ele apontou para outra stripper que entrou no clube. - Por que você não pega essa? Em poucos meses, você será um homem casado. Sem mais boceta de stripper para você então. - Ele riu de sua própria piada, sabendo que os homens feitos podiam fazer o que quisessem, e bateu no meu ombro. - Vamos, relaxe um pouco antes de você ter que encontrar Luca amanhã.
Ele tinha um ponto. Encontrei o olhar da mulher e fiz sinal para ela. Eu tinha a fodido antes. - CJ, - eu disse, e seus olhos se arregalaram. Elas sempre se surpreendiam por eu lembrar seus nomes, mas nunca esqueci um nome ou qualquer outra coisa.
- Sim, Sr. Falcone? - Ela lambeu os lábios porque achou que era o que me excitava. Eu achava mais perturbador do que qualquer outra coisa. Se eu não tivesse a intenção de fodê-la, não teria chamado. Não havia sentido em tentar me excitar ainda mais. Remo já havia se dirigido para os vestiários. Eu agarrei seu pulso, levei-a para o banheiro, e a fodi contra o reservado. Ela gemeu, mas eu sabia que era falso. Ela estava molhada em volta do meu pau, mas definitivamente não tinha gozado. Seu corpo não exibia os sinais reveladores do orgasmo. Como uma prostituta, ela estava acostumada a fingir para fazer seus clientes felizes, mas eu odiava isso. Eu agarrei-a com mais força, estreitando os olhos e a fodi mais rápido. - Você sabe o que acontece com as pessoas que mentem para mim?
O medo brilhou em seu rosto. Estendi a mão entre nós, sacudi seu clitóris e, eventualmente, ela teve que se render a mim - como sempre faziam - e ela gozou. Eu há segui alguns instantes depois, saí de cima dela, joguei o preservativo no vaso sanitário e deixei-a ali de pé.
***
Luca e eu decidimos nos encontrar em Nashville. Era um campo neutro, que era a melhor opção para uma segunda reunião, considerando que ambos estaríamos sozinhos. Luca me avaliou enquanto eu andava até ele no estacionamento deserto de um complexo de cinema abandonado.
Estendi minha mão para ele apertar. Ele pegou e, para minha surpresa, não tentou esmagar minha mão como algumas pessoas faziam quando queriam intimidar. Talvez ele soubesse que não tinha esse efeito em mim.
- Nos encontramos de novo, - disse ele com os olhos apertados. - Da última vez nós não conseguimos conversar em particular. Foi você quem ameaçou minha esposa.
- Eu não a ameacei, - eu objetei. - Encontrei uma fraqueza em suas medidas de segurança, e Remo apontou isso para você para impedi-lo de matá-lo.
O olhar de Luca endureceu. - Você não vai ameaçar minha esposa nunca mais.
Talvez uma pessoa comum tivesse medo dele, mas eu o olhava friamente, meu pulso tão calmo como sempre. - Táticas de intimidação não funcionam comigo. Eu não tenho a predisposição para que tenham efeito sobre mim. Não tenho intenção de ameaçar sua esposa no futuro. Acho que uma trégua entre a Famiglia e a Camorra é a solução lógica para nosso problema com a Outfit, e para que as tréguas funcionem, teremos que concordar em não ameaçar ou matar uns aos outros por enquanto.
Luca me olhou por alguns segundos, um sorriso de escárnio no rosto. - Existe algum irmão Falcone são?
Qual é a sua definição de sanidade? - Perguntei. - A sociedade não considera nem você ou eu são. Somos psicopatas porque gostamos de matar. Ou está tentando me dizer que se sente culpado quando tortura e mata?
Luca deu de ombros. - Talvez nós sejamos psicopatas, mas você e Remo fazem a maioria dos psicopatas parecerem sensatos.
Eu sabia que Remo e eu éramos o resultado do mesmo catalisador. Animais adaptados ao seu ambiente, se quisessem sobreviver. Era um processo de evolução que às vezes acontecia em pequena escala dentro de um único ser. Remo virou-se para suas emoções, soltou-as e, como resultado, mal tinha controle sobre sua raiva.
Meu corpo havia sobrevivido se livrando completamente de emoções. Eu preferia minha adaptação à dele. Isso tornava a vida mais previsível.
Adamo não tinha nascido quando Remo e eu nos tornamos os homens que éramos hoje, e Savio tinha apenas três anos de idade, jovem demais para entender ou lembrar. Eles não compartilhavam as minhas predisposições e de Remo. - Eu sou perfeitamente capaz de agir de acordo com os padrões da sociedade, se eu quiser.
- E você quer se casar por trégua?
- É a única razão pela qual eu consideraria casar, - eu disse honestamente. - O casamento realmente não serve a outro propósito. Eu não preciso de companhia. Eu tenho isso em meus irmãos e Fabiano. E não preciso de casamento para aplacar meu desejo sexual. Há mulheres suficientes em Las Vegas para isso.
Luca soltou uma risada sombria. - Eu acredito em você.
- Tive a impressão de que você era a favor de um casamento entre nossas famílias.
- Eu não sou a favor, mas como você disse, é a escolha lógica. Tenho que pensar na Famiglia e na minha própria família. Não quero vocês, malditos Falcone, nas minhas costas. Prefiro que vocês façam o inferno da vida de Cavallaro. Eu tenho minhas mãos cheias com a Bratva. Não quero lidar com ele. O fato de vocês matarem Scuderi da maneira mais brutal que alguém poderia inventar é um bônus adicional.
Então está resolvido. Dado o histórico de sua família, seus capitães e subchefes são a favor da união, eu presumo.
- Eles seguem meu julgamento, mas os casamentos arranjados são muito populares na Famiglia, é claro.
Casamentos arranjados ainda eram populares mesmo entre a Camorra. - Você já escolheu uma mulher para mim?
A boca de Luca se apertou. - Não será uma surpresa se eu disser que a maioria dos meus Subchefes e Capitães não estão ansiosos para mandar uma de suas filhas para a Camorra. O nome Falcone tem uma certa reputação.
- Sou perfeitamente capaz de cumprir meus deveres como marido. Eu posso fornecer proteção, ser pai, e dinheiro também não é um problema.
Luca fez uma careta. - Eu não dou a mínima para isso. O que quero saber é se vou ter que atacar Vegas para salvar uma de minhas primas de você e seus irmãos.
- Você não terá motivos para salvar ninguém e, mesmo se tentasse, Las Vegas é forte demais para você. Mas garanto a você que minha esposa não sofrerá violência. - Fiz uma pausa. - E devo lembrá-lo de que é a sua família que defende a tradição de lençóis sangrentos e não a nossa? Isso força a mão de qualquer marido na noite de núpcias.
- Algumas tradições não podem ser anuladas.
- A questão permanece: você tem alguém em mente?
Luca assentiu. - Uma das minhas primas está na idade de casar. Seus guardiões sugeriram-na para a união. Ela não vai ficar triste por deixar a Famiglia.
Eu estreitei meus olhos. - Guardiões? O que há de errado com a garota?
- Nada. Ela é mais do que capaz de se tornar uma esposa, mas seu pai, meu tio, era um traidor, e muitas pessoas não a deixam esquecer isso. Ela cresceu com a nossa tia Egidia.
- Filha de um traidor para nós. Algumas pessoas podem considerar isso um insulto.
Seu irmão Remo será um deles?
Era sempre difícil dizer com Remo, mas ele não dava a mínima para a história da família. - Remo julga as pessoas por suas próprias ações, não pelos erros cometidos pelos pais. E ela ainda é sua prima.
Ele levou a mão para o bolso de trás e eu levantei minha mão para o meu coldre.
A tensão atravessou o corpo de Luca. - Telefone. - Ele puxou o celular, e depois de um momento virou para mim. Na tela havia uma imagem de uma jovem de olhos castanhos escuros e cabelos quase pretos, mas sua pele naturalmente morena era bastante pálida, o que sugeria que ela não saía de casa com muita frequência. - Esta é minha prima Kiara Vitiello. Dezenove. Uma mulher honrada. - O último foi dito com uma sugestão de advertência.
- Ela vai servir, - eu disse.
Luca colocou o celular de volta no bolso de trás. Ele assentiu uma vez e depois suspirou. - Então está resolvido.
***
Eu voltei tarde naquela noite para a nossa mansão. Remo estava acordado como de costume. Ele nunca dormia mais do que algumas horas. Ele se levantou do sofá no momento em que entrei na sala de jogos. Savio e Adamo estavam ocupados jogando videogame, algum tipo de corrida. Adamo estava na liderança; Assim como na vida real, ele sabia dirigir um carro.
- E? - Havia uma pitada de ansiedade na voz de Remo. Eu não tinha certeza se ele esperava que Luca não tivesse concordado depois da reunião de hoje para que pudéssemos atacar a Famiglia ou se realmente queria paz. Remo prosperava no caos e na violência.
- Ele sugeriu uma de suas primas, Kiara Vitiello.
- Se o sobrenome dela é Vitiello, o pai dela deve ser um dos tios traidores de Luca.
- Você está certo. Seu pai foi morto por trair Luca.
Então ele nos dá a filha de um traidor? - Remo perguntou em voz baixa.
- Não nos importamos com esse tipo de coisa.
Remo jogou uma de suas facas em uma das poltronas, e ela cravou no couro. Já havia outros buracos nela. - Mas a Famiglia faz. O idiota arrogante provavelmente quer mandar alguma mensagem com o casamento.
- Talvez Nino seja uma punição para ela, - refletiu Savio quando seu carro bateu contra uma parede, seus olhos castanhos brilhando com o que eu assumi ser diversão. Adamo não parecia se importar por ele ganhar o jogo. Ele pousou o controle e me olhou com um rosto que provavelmente deveria transmitir tédio.
- Às vezes eu acho que Nino é meu castigo também, - disse Remo. - Faz sentido Luca punir sua prima dando-a a Nino.
Eu tinha considerado essa opção também, mas Luca não era o tipo de punir uma mulher assim, especialmente uma mulher inocente. - Se não fosse por mim, você estaria morto há muito tempo.
Remo encolheu os ombros. - Talvez. Nunca saberemos.
- Então você vai mesmo se casar? - Perguntou Adamo. Seu cabelo tinha crescido muito e caia em seus olhos, então ele tinha que empurrá-lo para trás constantemente. Ao contrário de mim, ele nunca usou um rabo de cavalo ou penteou para trás.
- Eu vou.
- Mas você nem conheceu a mulher. E se você não puder suportá-la? - Perguntou Adamo.
Savio revirou os olhos. - Você poderia soar mais como um boceta? Você realmente precisa foder.
O rosto de Adamo ficou vermelho. - Cale-se.
- Vamos, você tem quase quatorze anos. Quando eu tinha a sua idade, já tinha fodido algumas garotas. - Savio olhou para Remo. - Tranque-o em uma sala com algumas prostitutas para que elas possam transar com ele.
Adamo empurrou o ombro de Savio. - Cale-se! Eu não preciso de suas prostitutas.
- Se você quer ser um verdadeiro Falcone, não pode ser um virgem maldito. É patético. Ou talvez você seja um bicha?
Adamo deu um pulo e se jogou em Savio. Ambos caíram no chão e começaram a se socar. Adamo ainda não tinha lutado na jaula como Savio, então não era sábio ele atacar.
Remo balançou a cabeça, mas não interviu. Eu me aproximei para ter uma visão melhor, caso as coisas ficassem muito difíceis. Savio havia conseguido a vantagem e montado em Adamo, socando-o com força uma vez, duas vezes, e depois levantou o braço para outro soco. Dei um passo à frente para detê-lo, mas Remo se jogou no sofá, aterrissou ao lado de Savio e o agarrou pelo colarinho antes de tirá-lo de Adamo e empurrá-lo para longe. Savio aterrissou no sofá, respirando com dificuldade e fazendo um movimento para se levantar.
- Você fica aí, - eu pedi. Seus olhos seguraram o desafio antes que ele assentisse e caísse contra o encosto.
Adamo estava esparramado de costas, rosto vermelho e lábios estourados. Ele se moveu, mas não fez nenhum movimento para levantar. Remo se inclinou sobre ele e estendeu a mão. Adamo não aceitou, apenas olhou. - Adamo, - disse Remo. - Não tente minha porra de paciência.
Adamo aceitou a mão de Remo e deixou que ele o colocasse de pé. Adamo estremeceu, depois com um último olhar para Savio, foi em direção às portas francesas e partiu.
- Porra, talvez ele realmente goste de garotos, - disse Savio, franzindo o rosto. Então seus olhos se arregalaram. Às vezes, quando estávamos negociando, ele conseguia agir como um homem, mas em momentos como esse, ficava óbvio que ele não faria dezessete anos por mais um mês. Na sua idade, Remo e eu já estávamos endurecidos há anos na rua. Eu não tinha certeza se já fomos adolescentes. - Você vai matá-lo, então?
Remo avançou em Savio. - Nós somos irmãos. Nós vamos ficar um ao lado do outro. Eu não me importo se Adamo gosta de cabras, patos ou homens. Ele é nosso irmão.
Sávio assentiu devagar. - Ele é chato pra caralho. Se foder um cara faz com que ele seja mais tolerável, eu posso viver com isso.
Remo bufou. Então se virou para mim. - Fale com ele. Você é o único que pode lidar com ele.
Fui para o jardim, seguindo o cheiro de fumaça, em direção a uma das espreguiçadeiras ao lado da piscina. Adamo estava debruçado, fumando um cigarro comum. Desde o último aviso de Remo, ele não tocou em nada mais forte. Eu estava curioso quanto tempo isso duraria. Eu arranquei a merda da mão dele e joguei na piscina. - Sem drogas.
- É um cigarro, não maconha ou heroína, - ele murmurou.
Eu puxei outra cadeira em direção a ele e me sentei na sua frente. - O que está acontecendo?
Ele olhou - Nada.
- Adamo, se você quer ser tratado como um adulto, você tem que agir como um. Agora me diga por que você está agindo desse jeito.
Seu olhar baixou para seus tênis. - Eu não quero foder uma prostituta ou qualquer uma das strippers que você traz para casa.
- Isso ficou óbvio quando você atacou Savio. O que eu te disse sobre lutar?
- Só ataque se tiver certeza de que pode vencer seu oponente.
- Você não pode vencer Savio. Ainda não.
- Eu nunca vou ser tão bom quanto vocês. Eu não gosto de machucar as pessoas tanto quanto vocês.
Eu tinha imaginado isso. Adamo nunca foi uma criança muito violenta. - Você é forte e um bom lutador. Você não precisa se machucar ou matar para ser bom nisso.
Ele engoliu em seco. - Eu não quero matar de novo.
Ele matou seu primeiro homem durante o ataque à Roger's Arena e, ao contrário de Remo, Savio e eu, seu primeiro assassinato assombrou-o. - Você vai se acostumar com isso.
- Talvez eu não queira me acostumar com isso, - ele murmurou. - Eu não sou como você.
- Você tem tempo, - eu disse. Não adiantava discutir isso agora. Ele ainda tinha cinco meses até completar quatorze anos; ele não seria iniciado até então. - Qual é o seu problema com as mulheres que nossos irmãos e eu trazemos para casa?
Ele endureceu e levantou a cabeça. - Eu não sou gay.
Eu o observei, mas seu rosto permaneceu nas sombras, tornando ainda mais difícil lê-lo. - Remo não iria punir você por isso. Somos irmãos, Adamo. Nada vai mudar isso.
Adamo mordeu o lábio e estremeceu.
- Vou ter que costurar isso.
Ele assentiu. - Eu não sou gay.
Inclinei a cabeça, mas ele continuou sem mais estímulos.
- Eu não quero uma prostituta porque elas nem gostam de você. Elas te fodem porque você é o chefe delas ou porque estão com medo. Não quero isso. Quero uma garota que goste de mim e que queira estar comigo.
- No nosso mundo é difícil encontrar isso.
- Porque você não está procurando. Fabiano encontrou Leona.
- Ele encontrou, mas passou por muitas mulheres antes disso.
Adamo encolheu os ombros. - Eu não quero ser forçado a dormir com uma prostituta.
- Remo não vai forçar você e nem eu vou.
- Sério?
- Sério. - Eu não conseguia entender o raciocínio de Adamo. Ele era um adolescente. Em algum momento, seu impulso sexual seria muito forte para esperar por alguém com quem ele se importasse, ainda mais por alguém que se importasse com ele. - Mas, Adamo, somos os Falcones. As pessoas sempre agem de forma diferente ao nosso redor. Encontrar alguém em quem confiar é difícil.
- Você não quer que sua futura esposa goste de você?
- A afeição não é necessária em um casamento. Eu não tenho expectativas assim.
- Mas e se ela quiser afeição? - Sua boca torceu com a palavra, e ele estremeceu novamente.
Eu dei a ele uma olhada e me levantei. - Você me conhece.
Adamo encolheu os ombros. - Eu meio que sinto muito por ela.
- Vamos. Deixe-me costurar seu lábio agora. - Talvez também sentisse pena de Kiara Vitiello se eu fosse capaz disso.