O portão está aberto, sigo com o carro até parar onde alguns carros estão estacionados. Olho novamente o contrato, vendo se o endereço é realmente esse. Mesmo que o nome seja igual "Refúgio - Fuga do passado, esperança para o futuro." Interessante, acho que vou gostar desse lugar.
Pego minhas coisas, e saio da caminhonete. Tranco e olho ao redor, o lugar é imenso e lindo. Algumas pessoas circulam para lá e pra cá, mesmo de longe posso observar um lago enorme, com cavalos soltos do outro lado. Estou eufórica, viajar sozinha é uma novidade, mas acho que isso não vai ser ruim.
A casa é enorme, tem aqueles estilos antigos, como se tivesse saído de um romance do século dezenove. Caminho em direção a entrada, preciso entregar o contrato e saber como funciona ao certo. Contratos são muito burocráticos, não entendo muito.
- Olá! - Cumprimento a moça da recepção. - Eu sou a Mica... - Lembro que esse não é meu nome. - Solar. Fui uma das ganhadoras do sorteio.
- Ah, sim. Boa tarde, senhorita. Como foi sua viagem até aqui? Espero que boa. - Diz gentilmente. - Irei chamar a responsável por isso, volto já. - Assinto, me dirigindo ao sofá que tem para espera.
Só não demora muito, já que assim que sento, a mulher volta com a responsável que disse. É uma senhora, com cabelos loiros e branquinha, deve ter pouco mais de sessenta anos.
- Querida, que prazer conhecê-la. Parabéns por ganhar o sorteio, espero que aprecie a estadia. - Me levanto rapidamente, recebendo um abraço apertado e dois beijos estalados na bochecha. Que fofa. - Meu neto falou muito de você. - Abre um sorriso, acabo ficando constrangida. O que ele disse? - Pode me chamar de Eliza, sou a dona deste hotel.
- É um prazer conhecê-la também. - Sou sincera. - Já amei o lugar, mesmo que tenha visto apenas a entrada. O nome do lugar, faz tanto sentido para mim.
- Gostou mesmo? - Assinto. - Sempre tive certa dificuldade em lidar com passado e futuro, mas achei propício para o que pretendo fazer as pessoas sentirem aqui. Quero que seja uma fuga de tudo de ruim lá fora, que conserte e possa trazer paz aos corações tempestuosos.
- Então, estou no lugar certo.
- Bom, vamos que vou te apresentar o lugar. - A mulher engancha o braço ao meu. - Leve as coisas dela para o quarto que vai ficar. - Diz a menina que antes estava na recepção.
- Eu posso... - Não consigo falar.
- Vamos! - Começa a me puxar, mostrando que apesar da idade, consegue ser bem rápida. - Na verdade, vou pedir ao meu neto para te mostrar o lugar. Minhas pernas não aguentam andar em todo esse espaço. Não tenho mais vinte anos, aproveite, querida. É a melhor fase da vida, não desperdice com pensamentos ruins. - Olho para ela, que velhinha mais ardilosa.
- Não tem outra pessoa para me acompanhar? - Eu fui ousada ontem, não sei se hoje consigo me sair bem. Provavelmente, vou travar e ficar mais vermelha que um tomate.
- O que aquele garoto fez? Eu disse para ele ficar longe de problemas.
- Ele não fez... nada. - Me embolo ao falar.
- Então, qual o problema? - Pergunta, parando assim que saímos nos fundos do hotel.
Tem uma área enorme, algumas pessoas circulam, uns fazem piquenique e algumas crianças brincam, mas meu olhar foca no homem sem camisa, treinando. Tem uma árvore com um saco de areia pendurado, o desconhecido que me conheceu até bem demais ontem está vestindo somente um short larguinho de treino. Suas mãos tem algumas faixas pretas enroladas, e na cabeça uma faixa preta também, ele tá sempre usando. Ele dá socos e giros, que faz o pé acertar o alvo. Isso me faz sentir calor na mesma hora, não só eu estou assim, pois algumas meninas estão mais de perto assistindo de camarote o homem. Isso me incomoda um pouco. Aquieta o fogo, Mica, ele não é seu.
- Problema nenhum. - Consigo responder, acho que demorei uns dois minutos para fazer isso.
O homem para, colocando as mãos no quadril e começa a respirar fundo, a visão é esplêndida. Ele fica diferente assim, não parece tanto o homem de estilo contraditório.
- Lindo, não é? - Escuto a voz da senhora e me sinto envergonhada, como sou descarada. - Minha filha é bonita, mas o menino puxou o pai todinho.
- Eu estava olhando pras crianças brincando. - Tento fugir dessa situação.
- Tudo bem, querida. - Fica dando tapinhas em minha mão. - Não te culpo, na sua idade eu também adorava cobiçar os homens bonitos. - Acabo engasgando com a saliva. - Só não deu muito certo depois que me apaixonei perdidamente pelo pai da minha filha, mas você terá mais sorte que eu, tenho certeza.
Volto a olhar discretamente pro homem, ele parece sentir, pois olha em minha direção. Tento disfarçar ficando de costas rapidamente, como se estivesse apreciando os arredores. Quem sabe ele não me reconhece e continua em seu treino. Não dá certo meu pensamento, pois a vó dele começa a fazer gestos com a mão, chamando até nós.
- Bom, ele está vindo. - Choramingo com a fala da senhora. - Até mais tarde, espero que curta a estadia, que aproveite esse refúgio. É necessário.
A mulher vai embora, me deixando sozinha no meio desse lugar enorme e que não conheço quase ninguém. Fico olhando a porta que ela entrou, foi a mesma que saímos ainda a pouco.
- Você veio. - Levo um susto quando sinto alguém falar próximo ao meu cangote, acabo pulando e me virando pro dono da voz, com o coração acelerado.
- O que aconteceu? - Mal foco em seu abdômen definido quando está perto, me preocupo com o canto da boca levemente cortado e inchado, assim como o olho inchado que vai ficar bem roxo depois. - Isso não estava ai ontem.
- Boa tarde, moço que mesmo com o rosto quebrado continua bonito. Tudo bem? - Reviro os olhos, ele tem mania de fazer isso, querendo me educar na cara dura.
- Sim, eu vim. Não perderia uma viagem de graça. - Respondo sua fala inicial. - Boa tarde, como conseguiu ficar feio?
- Sabemos que é impossível eu ficar feio. - Acabo rindo. - Uma briga, nada demais. Tinha de ver o outro cara, saiu de maca.
- Sério?
- Não, claro que não. Ele é bom de briga. - Quero esconder minha cabeça embaixo da terra. Sacar algumas coisas é bem difícil para mim, costumo acreditar sempre. - Você fica bonita sem aquela expressão de que chorou durante o dia todo. Deve ter tido uma noite muito boa. - Implica.
- Céus, eu não mereço isso. - Dou as costas ao homem, voltando a entrar. Não quero que veja o quanto me desconcertou com o que disse e me deixou vermelha. Que descarado.
- Estou brincando, espera. - Paro, mas não me viro. Ele aparece em minha frente, agora sim foco em seu peito definido. É bem bonito, dá vontade de ficar tocando o tempo todo.
- A briga foi séria, hein. - Comento, notando que o homem está mancando.
- Fui pego desprevenido. Ele não saiu de maca, mas saiu bem machucado. - Diz, como se quisesse me mostrar que não é um perdedor. - Bom, só preciso tomar um banho, depois posso te mostrar todo o lugar.
- Pode me mostrar o quarto? - Pergunto, mas pelo sorriso que ele abre, noto que levou para outro lado. - Meu Deus! Não o seu quarto, o meu, o que irei ficar. Não dormi absolutamente nada depois que saiu e ainda vim direto, estou quase desmaiando de sono. - Me sinto no direito de explicar, para que não pense que sou uma safada. A ousadia de ontem já bastou por uma vida. - Pode me mostrar a propriedade depois.
- Você quem manda, Sol. Eu sou seu servo! - Faz uma reverência exagerada, resmungando de dor. Parece que a surra que levou foi bem dada, pois além das marcas aparentes e de estar mancando, solta uns gemidos de dor sempre que faz um movimento brusco. O homem está todo esculhambado, mas estava treinando. Doido.
- Obrigada! - Meu agradecimento faz ele parar, sem entender bem. - Por ontem. - Faz um som em entendimento. - Mesmo não me conhecendo bem, foi o único que lembrou e fez algo para me animar. Pode achar que não foi grande coisa, mas sua visita ontem me ajudou muito.
- Fico feliz em saber disso, mesmo que tenha caçoado do meu estilo antes.
- Foi sem querer! Você estava de meia e chinelo, no calor. - Digo indignada.
- Não faz ideia do quão confortável isso é. - Se defende, me fazendo rir enquanto seguimos para uma escada. - Terminou de fazer a lista? - Me olha e assinto. - Tenho até medo de perguntar o que escreveu, a primeira foi bem chocante
- Ei, não me lembra disso. - Cubro o rosto. - A mulher de ontem não existe mais.
- Que pena, eu gostei dela. - Paro de andar, mas ele continua subindo a escada. Sua declaração acabou me pegando de surpresa. Será que ele só gostou de mim pela ousadia? Por propor algo daquele jeito. Talvez, a Solar certinha não agrade ele. - Não vem? - Pergunta enquanto sobe. - Seu quarto está ao lado do meu.
- Você dorme aqui? - Acabo correndo para acompanhá-lo.
- Onde achou que eu ficava?
- Pensei que os donos ficassem em uma casa mais afastada, ou em outro lugar. - Respondo o que imaginei.
- Não, não. Antes minha avó morava aqui, mas achou grande demais e ai esta se aventurando nessa de hotel. A velha é durona, não tive como negar. Estamos vendo no que vai dar. - Da de ombros. - Abrimos as portas há pouco mais de um mês.
- Ah, sim. Aqui é lindo, tenho certeza que vai fazer muito sucesso.
- É o que esperamos. - Para diante de uma porta. - Seu quarto, milady. Estou aqui. - Aponta para a porta ao lado. - Qualquer coisa, é só entrar.
- Não seria "é só bater"?
- Ah, essa palavra me causa calafrios no momento. - Faz careta. - E já somos íntimos, não tem motivo para essas trivialidades. Certo? - Se aproxima, como um predador prestes a dar o bote.
- Até mais tarde! - Fujo do homem, entrando no quarto que ficarei e fechando a porta.
- Foi um prazer te ver, Sol! - Escuto a voz dele.
Eu, definitivamente, não conseguirei resistir a esse homem se continuar se comportando dessa maneira. Confesso que não passou pela minha mente que ele poderia morar aqui. Vai ser um martírio se ele usar esse charme em mim a todo momento. Farei o máximo para ficar longe, preciso me reconectar comigo e não me conectar a ele.