- Não, - ele grita e volta a mexer em seu aparelho, me ignorando completamente. Parece que ele ainda está remoendo o fato de eu ter batido nele com minha mochila.
O ronco baixo dos motores do avião compete com os sons de um jogo de futebol que vem do alto-falante do telefone dele. Aperto minhas mãos para evitar que tremam. Entrar em histeria não adiantaria absolutamente nada e provavelmente diminuiria ainda mais minhas chances de escapar. Preciso manter a calma. Ou, o mais calma possível, considerando minha situação atual.
É mais fácil falar do que fazer.
Meus olhos deslizam pelo interior elegante da aeronave. Em cada lado do corredor central, quatro grandes poltronas reclináveis dominam o espaço. Na parte da frente da cabine, dois sofás almofadados ficam de frente um para o outro. O interior é todo em couro bege imaculado e ricos detalhes em madeira. Já viajei várias vezes em aviões particulares, mas este é outro nível de extravagância.
No que diz respeito às condições para ser mantida contra sua vontade, essas poderiam ser muito piores, mas o ambiente agradável não diminui meu pânico crescente. O idiota número dois está esparramado no sofá do lado esquerdo, assistindo - entre todas as coisas - a um comercial de viagens na TV de tela grande instalada no anteparo.
Meu coração continua a bater em ritmo acelerado no peito, exatamente como fazia quando esses dois cretinos me tiraram da rua e me colocaram em sua van. Os bastardos não me disseram por que me visavam ou para onde estavam me levando. Dirigimos por algum tempo até chegarmos a um pequeno aeroporto particular nos arredores de Chicago. O avião já estava esperando na pista quando paramos.
Há quanto tempo estamos voando? Uma hora? Duas? Dez? Não tenho certeza, pois colocaram um pano com cheiro de ácido na minha boca e no meu nariz no momento em que colocamos os pés dentro deste avião. Acho que eu não deveria ter dado uma joelhada nas bolas do idiota amante de comerciais quando subi as escadas. Não posso dizer que ele tenha gostado.
Volto-me para o canalha sentado à minha frente. Ele ainda está fingindo estar absorto no jogo em seu telefone, mas tem me olhado de relance quando acha que não estou olhando. Maldito cretino.
- Escute, se você não me levar ao banheiro, vou fazer xixi aqui mesmo.
- Alargo minhas pernas o máximo que meus tornozelos amarrados permitem. - Mas não tenho certeza se o couro fino vai se sair bem.
- Cristo! - Ele salta de seu assento e agarra meu braço, puxando-me
para ficar de pé. - Hank, vou levar a maluca para o banheiro.
- Mantenha os olhos nas mãos dela dessa vez ou você acabará com outro hematoma, - Hank resmunga do sofá, movendo a mão para mexer no pau como se estivesse preocupado por tê-lo perdido.
- Não posso andar com minhas pernas amarradas, idiota! - Eu me arrebento enquanto o homem me arrasta pelo corredor estreito entre os assentos. - E preciso que você tire as algemas.
- Então pule. E não vou liberar suas mãos. - Ele agarra os elos entre meus pulsos e puxa.
Eu grito de dor. A pele dos meus pulsos já está machucada desde que ele me puxou para subir os últimos degraus da escada enquanto estávamos embarcando. Isso aconteceu depois que me aproximei das joias de seu amigo. Meus olhos estão cheios de lágrimas não derramadas, mas eu pisco rapidamente, mantendo as lágrimas à distância por pura vontade. Meio que me arrasto, meio que pulo entre as poltronas antes que a brutalidade do idiota me faça cair de cara no chão. Quando chegamos à parte de trás do avião, ele abre a porta do banheiro e me empurra para dentro.
- Tem cinco minutos, - ele rosna e fecha a porta.
Como o resto do jato, o banheiro é luxuoso. Não há pia de aço inoxidável e outros itens aqui; é tudo gabinete de madeira marrom-escura e estofamento de couro bege. Há até um pequeno banco almofadado no canto. A penteadeira de aparência elegante e o banheiro ficam no lado oposto. Preciso de quatro saltos para chegar até eles.
Cuido de meus afazeres o mais rápido que minhas mãos algemadas
permitem, depois olho em volta e tento acalmar meus nervos. Na verdade, isso não funciona. Tenho uma sensação de mal-estar na garganta, como se fosse vomitar a qualquer momento, e o interior desse banheiro luxuoso parece estar girando ao meu redor. Minhas mãos ainda estão tremendo, em parte por causa da dor, mas principalmente por causa do medo. Já passei por algumas situações estressantes na minha vida. Um tiroteio, quando eu tinha quatro anos. Dois pequenos incêndios quando nossa cozinheira acidentalmente colocou fogo na cozinha ao experimentar receitas francesas. Até mesmo uma tentativa de invasão em nossa casa quando meu pai estava em guerra com uma organização criminosa rival há alguns anos. Mas nenhum sequestro. Talvez eu devesse esperar por isso, já que meu pai é o líder da Bratva Chicago.
Quando fui agarrada na rua, em plena luz do dia, tive certeza de que tinha algo a ver com meu pai. O resgate da filha do pakhan pode render a alguém muito dinheiro - se o idiota viver o suficiente para ver isso, claro. Mas agora, não acho que se trata de ganhar dinheiro com o sequestro. Considerando o que vi até agora, quem quer que tenha me sequestrado deve ser muito rico. Isso é por causa de alguma rixa da máfia? Retaliação por algo que meu pai fez?
Bang!
- Já terminou? - diz uma voz irritada do outro lado da porta.
- Preciso de mais alguns minutos! - grito de volta enquanto me agacho para abrir o armário embaixo da pia. - Não é exatamente fácil desabotoar uma calça jeans com as mãos algemadas.
Ele late algo em resposta, mas eu não ouço, pois estou concentrada demais em vasculhar o conteúdo do armário. Papel higiênico. Toalhas. Sabonete extra. E... uma escova de dentes descartável.
- Posso trabalhar com isso, - sussurro.
Rasgo a embalagem plástica com os dentes e, de alguma forma, consigo enfiar a escova na manga. Em seguida, continuo a examinar o restante dos suprimentos.
Esponja. Mais toalhas. Camisinhas. É mesmo? Quem diabos transa em um avião? Sacudo a cabeça e continuo. Fio dentário. Mm-hmm.... Rasgo um braço de comprimento, enrolando as duas pontas ao redor dos dedos para deixá-lo esticado e, em seguida, separo-as o máximo que posso, testando sua resistência. Meu tio uma vez me mostrou como estrangular alguém usando um garrote e... o fio de merda se rompe na segunda puxada. É... isso não vai funcionar. Volto minha atenção para a prateleira inferior.
Material de limpeza, mas os frascos são grandes demais para serem escondidos. Luvas de plástico. E... um desodorante em spray. Masculino. Tamanho para viagem. Perfeito.
Pego o recipiente, me endireito e enfio o pequeno tubo no cós da minha calça jeans. A porta se abre no momento em que ajusto minha camisa grande para cobrir o estoque escondido.
- Já terminou? - pergunta o idiota. Acredito que Hank tenha se
referido a esse idiota como Vinny anteriormente.
- Sim. - Aperto o botão para dar descarga no vaso sanitário e lavo as
mãos enquanto o idiota impaciente me olha da porta. Idiota.
Sem outra opção, saio do banheiro. Durante todo o tempo, o desodorante oculto penetrou no meu quadril. Não tenho certeza do tipo de dano que posso causar com desodorante e uma escova de dentes, mas vamos ver. Preciso tentar escapar no momento em que aterrissarmos e encontrar um telefone, ou talvez nunca mais tenha outra chance.
Meu pai tem contatos em todos os EUA. Ele virá me buscar imediatamente. Ou, se não estivermos perto de Chicago, meu pai providenciará para que alguém me pegue e me leve para um lugar seguro até que ele chegue. E ele matará esses bastardos...
Saltar...
...de uma forma muito... Saltar.
...muito...
Saltar.
...dolorosa.
* * *
- Chegamos, - diz Vinny cerca de uma hora depois. - Vou soltar
suas pernas agora, mas se tentar aprontar alguma coisa de novo, vai se arrepender.
- Onde estamos? - Pergunto docilmente, decidindo que uma mudança
de tática é necessária. Talvez se acharem que eu parei de resistir, eles baixem a guarda?
O desgraçado ignora minha pergunta. Ele corta as amarras em volta dos
tornozelos, depois agarra meu braço e me levanta para ficar de pé. - Mexa-se.
Passo entre os assentos e desço as escadas estreitas do avião até à pista, com o idiota número um atrás de mim e o idiota dois liderando o caminho. O ar é fresco e o cheiro de salmoura é carregado pela leve brisa. Estamos perto da costa. Talvez da Flórida? Aqui é muito mais quente do que em Chicago.
O bastardo cujas bolas eu apresentei ao meu joelho - Hank - para no pé
da escada, olhando para a estrada de terra que se estende para fora da pista. Olho em volta, observando o que está ao meu redor. Não há uma alma sequer à vista e, além de um pequeno prédio ao lado, nenhuma outra estrutura. Este não é um aeroporto de verdade. É apenas um campo de pouso. Uma pista de pouso pavimentada. Grama. E colinas onduladas. Nunca estive na Flórida, mas acho que não é assim.
O grito estridente de um pássaro soa em algum lugar acima de mim, e eu inclino a cabeça para cima, focalizando a fonte. É uma gaivota. Aperto os olhos porque o sol está alto no céu. Meio-dia. Não pode ser meio-dia. Fui pega no final da tarde.
- Guido está atrasado, - diz Vinny quando se aproxima de Hank, com seu aperto firme em meu braço.
- Ele estará aqui em breve. - Hank dá de ombros e tira do bolso um
maço de cigarros.
Deixo de lado os pensamentos sobre a hora do dia e fixo meus olhos no isqueiro aceso na mão de Hank. Minha frequência cardíaca dispara, com a adrenalina correndo em minhas veias enquanto olho para a pequena chama. Essa é a minha chance. Mas preciso que meu braço esteja livre.
- Posso pegar um? - Eu pergunto. - Por favor?
Hank estreita os olhos para mim. - Quantos anos você tem? Treze?
Suprimo a vontade de dar uma joelhada nele novamente e, em vez disso, sorrio. Assim como minha mãe, posso ser mais baixa do que a maioria das mulheres, mas tenho certeza de que o imbecil consegue ver os seios cheios sob minha camiseta folgada.
- Vinte e três.
- Sim, claro, - Hank bufa, tirando um cigarro do maço e me oferecendo.
- Você se importa? - Afasto meu braço dos dedos apertados e parecidos com salsichas de Vinny.
Vinny grunhe, mas me solta.
Pego o cigarro oferecido e o coloco entre os lábios, lutando contra alguns
fios de cabelo que o vento leve está jogando em meu rosto. Mais do inconfundível ar do mar invade minhas narinas enquanto levo as mãos lentamente até ao cós da calça jeans. Hank acende seu Zippo novamente e o estende para mim.
Meus lábios se alargam em um sorriso açucarado. - Obrigada.
Inclino-me para trás e levanto a lata de desodorante à minha frente, pressionando o bocal. Por um segundo, um aroma masculino e fresco me envolve, mas, no instante seguinte, o spray atinge a chama e a deliciosa fragrância masculina se transforma no fedor de tecido queimado e pele carbonizada quando meu lançachamas improvisado atinge o alvo.
Hank ruge e tropeça para trás, afastando-se do fluxo de fogo. Nunca
esperei ter a oportunidade de experimentar esse truque específico que tio Sergei me mostrou, mas a vida é cheia de surpresas.
No entanto, o triunfo não dura muito tempo. Sinto uma dor no topo de minha cabeça quando Vinny agarra um punhado de meu cabelo. Eu grito. Lágrimas brotam em meus olhos e, por um breve momento, o desejo de simplesmente me render me domina. Não. Não está acontecendo. Deslizo a escova de dentes da manga para a palma da mão. Agarrando a extremidade com cerdas com minhas mãos algemadas, eu a golpeio, mirando no olho esquerdo do filho da puta.
O capanga é tão grande que meu golpe apenas roça sua pálpebra, deixando um arranhão em sua maçã do rosto. Mesmo assim, Vinny grita e seu controle sobre mim diminui. No momento em que estou livre, viro-me e fujo pela pista em direção à estrada de terra. É uma trilha estreita em vez de um caminho normal para veículos, ladeada por oliveiras de ambos os lados. Ainda grogue por causa da merda com que me espetaram e com as pernas vacilantes por ter ficado presa por muito tempo, correr é um desafio. Tropeço duas vezes, mas a adrenalina que corre em minha corrente sanguínea me faz continuar. Essa é provavelmente a única chance que terei de escapar.
Estou a meio caminho da pista de terra quando o ronco profundo de um
motor ecoa nas colinas ao redor. Uma nuvem de poeira se levanta entre as árvores e um carro surge na curva. O elegante veículo esportivo branco, que parece completamente fora de lugar nesse ambiente rural, se aproxima. Por uma fração de segundo, hesito, sem saber se a pessoa no carro é amiga ou inimiga, mas não tenho outra opção. Continuo correndo em direção a ele.
Dou apenas alguns passos antes que todo o ar saia de meus pulmões quando duas mãos me agarram por trás e me levantam.
- Sua vadia! - Vinny vocifera próximo ao meu ouvido.
- Socorro! - Eu grito enquanto chuto as pernas.
- Pare, porra!
- Nunca! - Eu me contorço para a esquerda e para a direita, tentando
me libertar, mas ele não vacila.
O carro branco para a poucos metros de nós. A porta do motorista se abre
e um homem loiro de vinte e poucos anos sai. Ele está usando jeans azul desbotado e uma camiseta branca simples.
- Por favor, me ajude, - eu me engasgo, olhando para o recémchegado.
Ele me dá uma olhada rápida e depois olha para Vinny. - O que é isso?
Sua voz é rouca e tem um leve sotaque, o que indica que não é um falante
nativo de inglês.
- O hacker. - A resposta rosnada vem logo atrás de mim.
Mas que diabos? Eu tinha certeza de que havia sido sequestrada por causa de quem é meu pai, e não por causa do meu pequeno hobby. Talvez esses caras nem saibam quem eu sou.
As sobrancelhas do cara de ganga atingem a linha do cabelo. Seus olhos verdes se voltam para mim, examinando-me da cabeça aos pés, depois voltam a subir e param no meu cabelo emaranhado.
- Que virada interessante de eventos. - Ele me olha fixamente. - Bem-vinda à Sicília, senhorita.