Quanto tempo dura o voo para a Itália? Mamãe e papai provavelmente já sabem que algo aconteceu e estão me procurando. Deus, espero que eles me encontrem logo.
- Preciso do seu nome, - diz o loirinho - meus sequestradores o chamavam de Guido.
Sim, eles não fazem ideia de quem eu sou. Não tenho certeza se isso é bom ou ruim.
- E eu preciso que você me deixe ir, - murmuro. - O que quer de mim?
- Eu, pessoalmente? Nada. Você terá que discutir o resto com meu
irmão.
- E onde está esse irmão?
Ele me ignora por um momento, enquanto o carro para. Depois, vira-se
para trás e pega o celular, tirando uma foto do meu rosto antes mesmo que eu possa protestar.
- Ele deve chegar em casa em algumas horas, - Guido finalmente responde. Seus olhos se movem entre os dois capangas com metade de um cérebro entre eles. - Levem-na para o porão. Dêem-lhe comida e água.
Vinny sai do carro, puxando-me atrás dele. Eu grito, tentando me livrar dele sem muita sorte. Hank agarra meu outro braço e ambos começam a me rebocar em direção à entrada da enorme casa de arenito. A única coisa que consigo captar antes de ser puxada para dentro é que a casa está localizada em uma encosta, com vista para o mar.
O interior é opulento, mas é difícil não notar esse luxo discreto. Não é espalhafatoso e chamativo, mas um conforto caseiro gravado em cada cômodo e comodidade por onde passamos. Os tetos são altos, entrecruzados com grossas vigas de madeira. Os detalhes em estuque nas paredes me lembram fotos da Architectural Digest ou de outras revistas de design de interiores. A luz do sol atravessa as enormes janelas francesas que se abrem para as águas cintilantes, banhando os móveis de madeira clara. Meus passos vacilam por um momento e não posso deixar de respirar fundo, apreciando a vista.
- Mexa-se! - Vinny late, puxando-me para longe da bela vista e para
a esquerda das portas principais, em direção às escadas que devem levar ao nível inferior.
Finco os calcanhares no chão, tentando resistir ou pelo menos retardar o bruto. Sinto dor nos pulsos quando ele puxa a corrente das algemas novamente, fazendo-me gritar quando quase me arrasta pelos degraus até à porta de madeira de aparência robusta na parte inferior.
- Pare de choramingar. - Ele abre a porta e me empurra para dentro
do quarto espaçoso, mas escuro e fresco. Um leve aroma de terra paira no ar.
Caio de joelhos e consigo apoiar as palmas das mãos no piso frio de
ladrilhos, evitando por pouco bater o rosto na superfície.
- E porque você foi uma vadia - sem comida ou água!
Eu me levanto e corro em direção à porta, mas ela se fecha pouco antes de eu chegar. O pânico que eu vinha tentando manter afastado abre caminho através da minha contenção, varrendo-me como uma tempestade. Agarro a maçaneta e a encontro trancada.
- Me deixem sair! - Bato na barreira com meus punhos. - Seus filhos da puta desprezíveis! Vocês vão pagar por isso! Deixem-me sair! - Minhas mãos doem com os golpes contínuos na madeira maciça e, mesmo sabendo que é em vão, continuo fazendo isso.
Não sei ao certo por quanto tempo continuo atacando a maldita porta do
porão. Quando cedi, a pouca luz que vinha das estreitas janelas horizontais cortadas no alto das paredes havia se transformado em um laranja escuro. Encosto minhas costas na porta e deixo o corpo deslizar para o chão.
Apesar de estarmos em grande parte no subsolo, a temperatura é relativamente confortável no cômodo, mas minhas pernas estão tremendo como se eu tivesse mergulhado no inverno. Meus braços também. Respiro fundo, tentando me acalmar, mas não dá certo. Em pouco tempo, todo o meu corpo é assolado por tremores como se eu estivesse com febre. Minha coragem se foi, e tudo o que quero fazer é me enrolar em uma bola e chorar.
Que diabos essas pessoas querem de mim? Me punir por invadir a maldita empresa deles? Eu nem sei qual é a empresa. Por que não me matar imediatamente? Por quê me arrastar até aqui, atravessando o oceano, só para me jogar em um porão? A menos que 'o irmão' queira me matar ele mesmo?
Outro arrepio passa por mim. Não se trata de um empresário comum, disso eu tenho certeza. CEOs de empresas não sequestram pessoas. Somente as pessoas do mundo do meu pai o fazem. E, até onde eu sei, a Sicília é comandada pela Cosa Nostra. A Bratva não tem problemas com nenhuma das facções da máfia italiana. Talvez eu devesse ter dito a eles quem eu sou, quem é meu pai. Agora, posso muito bem acabar morta antes de ter a chance de fazer isso.
Olho ao redor, procurando por algo.... Não tenho certeza do quê. Qualquer coisa. Há algumas caixas vazias em um canto. Uma cadeira velha no outro, com manchas escuras na madeira desgastada e no piso logo abaixo. Não quero nem pensar no que causou essas manchas. Outra cadeira próxima, que está em um estado um pouco melhor.
Meu foco se volta para as janelas. Talvez elas sejam minha saída? Essa esperança é frustrada assim que vejo barras ornamentadas na parte externa do vidro. Embora haja luminárias no teto, não vejo um interruptor em lugar algum. Deve estar do outro lado da porta.
Levanto-me e me aproximo de uma pequena pia perto da entrada e bebo
diretamente da torneira. Os dois idiotas me deram água e alguns biscoitos no avião, mas isso foi há horas. Meu estômago escolhe esse momento para se contorcer em uma cãibra. Quando foi minha última refeição completa? O almoço, antes de eles me pegarem? Há uma hora estou me sentindo tonta por causa da falta de comida e do desgaste. Toda a minha energia está esgotada e todos os músculos estão doendo como da última vez que fiquei gripada. Parece que meu corpo está se desligando lentamente e estou ficando sonolenta. Mas não vou me deixar desmaiar de jeito nenhum. Eu me afasto da parede e vou para o outro lado da sala.
A única outra coisa nesse espaço é uma prateleira enorme que cobre uma
parede inteira. Centenas de garrafas de vinho estão escondidas de lado dentro de seus cubículos. Fui trancada em uma maldita adega. Que rústico e, de alguma forma, completamente adequado à decoração em estilo campestre que vislumbrei no andar de cima. Aproximando-me do sortimento, pego uma das garrafas. O rótulo preto com letras prateadas proclama que se trata de um vinho tinto de trinta anos. Deve ser uma merda cara. Que pena.
Meus dedos podem estar trêmulos enquanto enrolo um canto da camisa em volta do gargalo da garrafa, mas minha força é grande. Dou um passo para o lado e bato a garrafa premium contra a parede. Os últimos resquícios da luz do sol carmesim caem sobre o recipiente meio quebrado deixado em minha mão, refletindo magnificamente nas bordas cristalinas. Meus lábios se contraem nos cantos. Tio Sergei ficaria orgulhoso. Apoiando um ombro na parede para suportar meu peso, eu me arrasto até ao canto mais distante do cômodo.
Tenho quase certeza de que esses canalhas pretendem me matar.
Mas não vou cair sem lutar.