Capítulo 2 2

Pedro voltou para a vida de Davi. O que era para ser uma noite, duas, no máximo uma semana, se tornaram meses. E para facilitar a vida, Pedro conseguiu remanejar sua lotação para a mesma delegacia onde Davi trabalhava. O chefe de Davi havia pedido referências. Davi se rasgou em elogios. Olha lá, hein, disse o chefe. Vou cobrar o favor quando a hora chegar.

A hora chegou um par de meses depois. O chefe não aguentava mais ver Pedro rebolando no escritório e pedindo a todo mundo para o seguir nas redes sociais. Passou trabalhos pontuais na tentativa de mantê-lo ocupado. Pedro reclamava. E quanto mais o chefe exigia de Pedro, mais Davi se redobrava com papeladas que não eram da sua função. A falta de comprometimento, disse o chefe aos dois na sua sala, era gritante. Pedro virou as costas e saiu. Davi pediu mais uma chance e o chefe deu.

O caso Ximenes, disse. Estava arquivado há alguns anos e precisavam dar algum destino ao seu desaparecimento. A receita federal cobrava todo ano. As despesas com a pensão dos familiares precisava ser revista, atualizada. O chefe tinha em mente algo simples.

Davi explicou a Pedro o que precisavam fazer. Pedro viajaria para Santa Hortência refazer os passos de Ximenes. Ele era bom nisso. Viajou por todo lado, prendeu todo tipo de gente. Davi ficaria em Porto Alegre, buscando e entrevistando os familiares.

Pedro não gostou da ideia. Davi não precisava ser o menino dos recados. Ele mesmo ouviria o que o chefe pensa desse plano.

Pedro começou manso. Sabe como é, disse, acabei de me instalar na cidade.

Instalar, riu o chefe. Eu sei que você dorme no sofá desse aí, disse apontando para Davi que estava do lado de fora. Quando chegar em Santa Hortência, pergunte ao delegado da lá onde fica o hotel. O aluguel corre por nossa conta.

Pedro pediu a quarta ou quinta cerveja ao garçom. Sofá? Como ele sabia, perguntou. Davi confessou que talvez tenha mencionado algo sobre morarem juntos por um tempo. Mas jura não ter falado nada sobre o sofá. Pedro resmungou que desaparecimento e assassinato não eram mais a sua praia. Esvaziou a cerveja até o fim.

Davi carregou Pedro pelas escadas do prédio. A cada lance, Pedro reclamou que João era um ingrato. Nunca o havia carregado. Nem no momento que mais precisava dele, aquele egoísta filho da puta.

Davi acomodou Pedro no . Tirou seus sapatos e sua camisa suja de cerveja. Pedro abriu os olhos. Ainda estava bêbado e mesmo assim, o brilho castanho do olhar encantava Davi. Me beija, disse. Não, respondeu Davi. Você está bêbado. Me beija, repetiu, como nos velhos tempos.

Como nos velhos tempos, Davi beijou e se deixou levar pelo roce da barba e pelo hálito a álcool.

Quando Davi acordou, Pedro já havia partido.

            
            

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