- Eles estão aqui, estão em todos os lugares.
Proclamou ele num tom frenético que ecoava a urgência de suas palavras, segurando meu braço com firmeza, sua voz carregada de medo e ressentimento.
- A farmacêutica ISLAND está envolvida com armas biológicas. No início, seu foco era apenas em medicamentos, vacinas e substâncias terapêuticas, mas acreditaram que uma arma biológica poderia render muito mais lucro.
Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. A farmacêutica ISLAND, um gigante da indústria, envolvida em armas biológicas? Era uma bomba. Uma bomba que, se confirmada, abalaria o mundo.
- Calma - eu disse, tentando manter a voz firme, apesar do meu próprio coração acelerado. - Me explique melhor. Como você sabe disso? O que tem nesse pendrive?
Ele respirou fundo, tentando controlar o tremor nas mãos.
- Eu trabalhei lá, Allison. No começo, era tudo dentro da lei, pesquisas para curar doenças, desenvolver novas vacinas... Mas depois, as coisas começaram a mudar. Novos projetos, financiamento secreto, eufemismos como "pesquisa de defesa". Eu percebi que não estávamos mais criando remédios, mas sim armas.
Ele olhou para o pendrive, como se estivesse segurando uma serpente venenosa.
- Aqui está quase tudo: documentos, e-mails, relatórios... Provas de que a ISLAND está desenvolvendo um vírus altamente contagioso e letal, com o objetivo de controlar populações. Eles querem criar a "doença perfeita", que cause pânico e dependência, para depois venderem a cura.
- E por que você está me contando isso? Por que arriscar sua vida? Perguntei, sentindo um nó na garganta.
Ele me encarou, seus olhos marejados. - Porque eu não consigo mais viver com essa culpa, Allison. Eu vi o que eles são capazes de fazer. Eu vi o potencial de destruição que essa arma tem. Eu preciso que o mundo saiba a verdade, antes que seja tarde demais.
Com um olhar cético, ele prosseguiu: - Assim, desenvolveram uma arma biológica e realizaram testes em pessoas que acreditavam estar participando de um novo programa de vacinação.
- Vacina? Mas contra que doença? Contra o quê? Perguntei, tomada por um misto de medo e incredulidade.
- Não tenho certeza. Mas isso parecia irrelevante; as pessoas estavam satisfeitas, recebendo dinheiro para participar dos testes. Logo, começaram a surgir corpos, dezenas enterrados como se fossem indigentes.
Um arrepio percorreu minha espinha. A incredulidade lutava com a crescente sensação de pavor. "Dinheiro? Eles pagaram para terem as cobaias? Isso é... monstruoso," pensei, assustada.
Ele assentiu, o olhar fixo em um ponto distante, como se revivesse as cenas em sua mente. - A ganância, minha cara, é uma doença tão devastadora quanto qualquer vírus. Prometeram um futuro melhor, uma vida mais fácil. E eles, desesperados, aceitaram. Não questionaram. Não investigaram.
- Mas... como ninguém percebeu? Médicos, enfermeiros, alguém tinha que saber! - exclamei, a voz embargada.
- Ah, perceberam. Alguns. Mas o poder é uma droga poderosa. Promessas de ascensão, ameaças veladas... o silêncio foi comprado a peso de ouro. E aqueles que se atreveram a falar... bem, desapareceram. Simplesmente desapareceram.
Ele fez uma pausa, um sorriso amargo curvando seus lábios. - A história está cheia de exemplos, não é mesmo?
- E a arma biológica? Qual era o efeito? O que ela causava? - perguntei, sentindo o estômago embrulhar.
Ele suspirou, um som cansado e desesperançoso. - Os sintomas variavam. Alguns apresentavam febre alta, delírios, convulsões. Outros, uma deterioração gradual, uma espécie de definhamento lento e doloroso. O mais assustador, no entanto, era a mudança no comportamento. Tornavam-se apáticos, desinteressados, como se a vida lhes fosse sugada lentamente.
- E o objetivo? Qual era o propósito de tudo isso? - insisti, precisando desesperadamente de uma resposta, por mais sombria que fosse.
Ele me encarou, seus olhos carregados de uma tristeza profunda. - O objetivo? - Poder, minha cara. Controle. A capacidade de manipular, de subjugar, de eliminar aqueles considerados "indesejáveis". Uma limpeza social, disfarçada de progresso científico.
Aquelas palavras ecoaram em minha mente, pesadas e implacáveis. A realidade que ele pintava era sombria e aterradora, um pesadelo que se infiltrava na tênue barreira entre a ficção e a verdade. O que eu faria com essa informação? Deveria acreditar nele? E, se acreditasse, como poderia lutar contra uma conspiração tão vasta e cruel? O medo, antes um sussurro, agora gritava dentro de mim. A jornada que acabava de começar seria longa e perigosa, mas eu sabia, no fundo do meu coração, que não podia simplesmente ignorar o que acabara de ouvir. O silêncio, afinal, era cúmplice. E eu me recusava a ser cúmplice.
Naquele momento, eu soube que aquela era a matéria de uma vida, ou seria uma vida pela matéria? Puxei meu braço e coloquei o pen drive dentro do bolso da frente da minha calça. Poucos instantes depois, a porta se escancarou; um homem armado avançou em nossa direção, proclamando um assalto.
Agarrado minha mochila e a puxando da cadeira, num piscar de olhos, um estrondo atingiu os meus ouvidos, causando-me um profundo zumbido ensurdecedor. No peito do meu informante, cujo nome ainda era um mistério para mim, uma grande mancha vermelha e pegajosa começou a se espalhar.
Diante de mim, seus olhos, agora sem foco e sem vida, estavam abertos, fitando-me, enquanto seu corpo flácido se inclinava para trás. Mesmo tomada pelo terror, pude ouvir gritos e o som de cadeiras sendo arrastadas, seguido por um segundo BANG. Meu corpo desajeitado caiu para frente sobre a mesa, e uma dor lancinante irrompeu em meu peito, acompanhada por uma sensação de queimação, enquanto uma escuridão total me engolia. Se aquilo era a morte, eu só desejava que tudo acabasse rapidamente. Minha garganta estava seca e ardente, e uma ânsia de vômito me invadiu.
Uma luz branca e difusa ofuscava minha visão, como se meus olhos estivessem se abrindo pela primeira vez em muito tempo. Aquilo não poderia ser o céu, mas também não era o inferno. Com um esforço para focar em algo ou alguém, uma mulher se aproximou, sua voz suave e acolhedora quebrando a névoa ao meu redor.
"Eu estava viva. De alguma forma, eu estava viva", pensei.
- Calma, minha querida, não se aflija, tudo ficará bem. Você está a salvo agora
- disse ela, tentando me tranquilizar.
- A salvo! A salvo de quê?
Naquele instante, minha memória parecia um borrão, e as lágrimas brotavam incontroláveis dos meus olhos. Um anjo ou um ceifador? Na verdade, não acreditava em nenhuma das duas opções; era o guardião das donzelas atrasadas. Alto, com grandes olhos escuros, cabelos negros como a noite e uma expressão que exalava perigo, ele se aproximou, dirigindo-se à enfermeira com gentileza:
- O que aconteceu? Ela está bem?
- Sim, ela está. Apenas precisa de um tempo para processar tudo. Já faz dias que ela estava inconsciente e acaba de sair da intubação. Mas o perigo já passou.
Como assim, dias inconsciente? Há quanto tempo eu estava ali? Minha mente girava em um turbilhão de perguntas. Por que ele estava ali? Por que me observava com tanta preocupação e curiosidade? E o que um completo estranho estava fazendo ao meu lado em um quarto de hospital?
Como se pudesse ler meus pensamentos, a enfermeira segurou minha mão e começou a me explicar o que havia acontecido. Ela me disse que aquele homem estava ali para me proteger, que ele era um guarda-costas e que sua missão era garantir minha segurança.
Com a mente sobrecarregada de informações e o auxílio de um sedativo potente intravenoso, logo voltei a adormecer.
Os dias se arrastaram, e aquelas manhãs no hospital estavam me deixando à beira da loucura. Assim que abria os olhos, ele era a primeira pessoa que eu avistava ao despertar e também a última antes de mergulhar no sono. Sempre muito profissional, suas palavras se resumiam a um simples "bom dia" e "boa noite".
Uau! Até agora, nada de novo. Vamos lá, pensei, decidida a quebrar o gelo.
- Você, por acaso, é um ciborgue?
Ele me lançou um olhar confuso, com as sobrancelhas franzidas, como se estivesse tentando decifrar meu questionamento.
- Desculpe, não quero parecer indelicada ou algo assim. É como se você estivesse sempre ali, sentado com uma postura impecável, vestindo seu terno preto perfeito. Com um sorriso encantador e sutil, ele se levantou e se aproximou de mim, respondendo à minha indagação.
- Meu nome é Ethan e estou a serviço do Peter, e não sou um ciborgue ou algo do tipo.
- Agora, Ethan, que tal me contar um pouco sobre você? Já sei que você não é um ciborgue, mas ainda restam muitas perguntas.
Ele sorriu, um sorriso genuíno que me deixou sem fôlego. - Estou aqui para protegê-la.
- Entendo... um protetor, então? Tipo um anjo da guarda contratado? - provoquei, sentindo um fio de ousadia percorrer minhas veias. Aquele tédio hospitalar estava me transformando em alguém que eu não reconhecia.
- Você está sempre presente, mas ainda não me contou quem arca com essa proteção.
Ele sorriu, um sorriso que iluminou seu rosto fazendo algo estranho acontecer no meu estômago.
- Srta. Allison, acredito que os anjos da guarda geralmente não usam ternos e não carregam armas. Ele disse afastando parte do terno, mostrando seu coldre.
- Armas? - Arregalei os olhos, genuinamente surpresa. Aquele homem era um mistério em camadas, como uma cebola. - Você está armado aqui dentro?
- É uma precaução necessária. Sua segurança é minha prioridade.
- Ah, entendi, a entrevista com a minha fonte. - Pensei comigo mesma, sem perceber que havia falado em voz alta.
- E como ele está? Ele está bem? - perguntei, mesmo temendo a resposta. Ele hesitou e, por um breve instante, vi uma sombra cruzar seus olhos.
- Isso não é importante agora. O importante é que você se recupere.
- Mas eu preciso saber! Estou presa aqui, sem saber o que aconteceu, ou por que um homem misterioso está me vigiando 24 horas por dia!
- Infelizmente, ele não sobreviveu ao atentado.
Ele respondeu, parecendo sensibilizado pela minha dor. É claro que aquilo nunca tinha sido realmente um assalto. Que tipo de assaltante se arriscaria a abordar duas pessoas em vez de ir direto ao caixa? Não sou do tipo que se veste sempre com roupas de grife; estava apenas com uma camiseta branca, uma jaqueta e calça jeans.
Minha mochila era tão antiga quanto os pares de silicone da Joyce, que, devido à sua falta de simetria, já ultrapassavam o tempo de uso permitido. Meu informante, se estivesse sentado em um banco de praça, facilmente poderia ser confundido com um andarilho. Naquele instante, lembrei-me do seu olhar angustiado; parecia que o medo era um companheiro constante em sua vida, e toda aquela dor e terror voltaram a me atingir, trazendo à tona memórias aterradoras.
As palavras de Ethan caíram como um balde de água fria. Meu informante estava morto? A entrevista... o atentado... tudo se encaixava agora com uma clareza brutal. As lágrimas voltaram a inundar meus olhos, mas, desta vez, eram lágrimas de luto, de culpa e de raiva. Aquele homem era mais que uma fonte; era uma prova, uma testemunha. E agora, ele se fora, vítima de uma conspiração que eu mal começava a desvendar.
"Não sobreviveu ao atentado..." A frase ecoava na minha mente, misturada com imagens fragmentadas daquela tarde: o cheiro acre da pólvora pairava no ar, denso e persistente como um fantasma. Era um aroma metálico e cortante que queimava as narinas, uma lembrança tangível da violência que havia acontecido. Misturava-se com o cheiro de sangue, criando um coquetel nauseante que grudava na garganta, o som dos tiros, o pânico...
- Preciso saber tudo - eu disse, a voz mais firme agora, apesar das lágrimas. - Quem fez isso? E por quê?
Ethan hesitou por um momento, como se estivesse pesando suas palavras.
- É complicado. Parece que ele estava envolvido em algo perigoso, algo que o colocou em conflito com pessoas poderosas. Ele estava prestes a revelar informações importantes, informações que alguém não queria que viessem à tona.
- Que tipo de informações? - pensei em voz alta, sem me dar conta.
- Informações que poderiam derrubar impérios - respondeu Ethan, com um tom grave. - E é por isso que estou aqui. Peter me contratou para protegê-la.
A revelação me deixou atordoada. Agora eu era um alvo?
Com as lágrimas escorrendo descontroladamente e um nó na garganta, ele me envolveu em um abraço, como se me conhecesse há eras, sabendo exatamente o que eu precisava. Permaneci em seu peito por um tempo, absorvendo seu perfume envolvente: uma mistura doce e amadeirada que não era comum, mas que parecia ser exclusivamente dele. Não sei dizer quanto tempo durou aquele abraço, mas sei que há muito não me sentia tão segura e protegida.
Os dias seguintes seguiram um ritmo semelhante. Ele continuava ali, silencioso e observador, respondendo apenas com o mínimo necessário. Eu tentava puxar assunto, fazer perguntas, mas ele sempre se esquivava, alegando que eu precisava descansar.
Apesar da frustração, comecei a me acostumar com sua presença. Era como ter uma sombra constante, uma presença silenciosa que me fazia sentir, paradoxalmente, segura e intrigada. Comecei a notar pequenos detalhes: a forma como seus olhos se suavizavam quando eu dormia, a maneira como ele ajustava o cobertor quando eu me mexia, a leve tensão em seus ombros quando alguém entrava no quarto. Em uma tarde, enquanto ele estava sentado em sua habitual cadeira, lendo um livro, eu o observava quando a porta se abriu.
- Olá, minha querida! Como está a minha paciente favorita hoje? - exclamou a enfermeira, radiante.
- Estou bem, obrigada!
- Que maravilha! Fico contente em ouvir isso, pois hoje você receberá alta, logo após o almoço. Eu estava animada com a notícia, mas também um pouco apreensiva.
Ali, sentia-me protegida; já em casa, não tinha tanta certeza se conseguiria manter essa sensação. Assim que minha enfermeira dedicada deixou sobre a cama um pacote com minhas roupas sujas, manchadas de sangue, ela me entregou a tão esperada alta, despediu-se e nos deixou a sós. Ethan, com seu olhar gentil, apanhou do chão uma sacola preta de papel e me entregou, dizendo: - Enquanto você descansava, comprei isso para você assim que soube da sua alta. Ao olhar dentro da sacola, vi um par de tênis, uma camiseta branca e um jeans preto, que eram exatamente a minha cara.
- Muito obrigada!
- Não por isso. Ainda não deu seu depoimento. Preciso te levar a uma delegacia; você vai relatar sua história e testemunhar contra a ISLAND FARMACÊUTICA.
- VOCÊ SABE DE TUDO ISSO? - eu exclamei, sem perceber, com uma voz aguda e descontrolada.
- Calma, o chefe da redação. O Peter esteve aqui e me contou sobre suas investigações e sua fonte.
Respirando fundo, voltei a me sentar na cama e, segurando minha mão, disse: - Fique tranquila, você vai dar seu depoimento. Passaremos na sua casa e te levarei para um lugar seguro.
- Tudo bem! Só preciso pegar algumas coisas.
Levantei, com as roupas em mãos, mas seus olhos insistentes não se desviaram de mim.
- Ethan, preciso me vestir.
Ele apenas se virou de costas. Derrotada pela teimosia daquele homem, agradeci com ironia.
- Muito obrigada! Privacidade é essencial.
Talvez eu não tenha sido irônica o suficiente, ou ele era mais sarcástico do que eu, pois simplesmente respondeu com um "à disposição".
Vesti-me rapidamente, sentindo o olhar de Ethan nas minhas costas, mesmo que ele estivesse virado. A camiseta era macia e o jeans, surpreendentemente, do tamanho certo. Era como se ele me conhecesse melhor do que eu mesma.
- Estou pronta - anunciei, ajeitando o cabelo com os dedos. Ethan virou-se, analisando-me de cima a baixo. Seus olhos pararam nos meus e um sorriso discreto curvou seus lábios.
- Você está ótima - disse ele, com uma sinceridade que me desarmou.
- Vamos?
Assim que finalizei a papelada do hospital, ele me conduziu até o elevador, com a mão na parte inferior das minhas costas. Seu toque em meu corpo provocou uma corrente elétrica que eu nunca havia sentido antes. Alto e imponente, com um olhar que penetrava a alma, Ethan me conduzia pelo estacionamento. Entramos em seu carro, um sedã negro com bancos de couro que exalavam seu perfume, proporcionando-me uma sensação de conforto. O silêncio era confortável, mas carregado de tensão.
- Para onde vamos primeiro? - perguntei, quebrando o silêncio.
- Para a delegacia. Você precisa depor.
Fomos até a delegacia, onde prestei meu depoimento. Eu ainda estava processando tudo: a investigação, a ISLAND FARMACÊUTICA, o perigo que me rondava e, principalmente, a presença constante de Ethan. E então seguiríamos rumo ao meu saudoso lar.
Chegamos ao meu apartamento e percebi que a porta estava entreaberta; a cena era de caos. O que restava era um cenário de destruição: livros rasgados, móveis estilhaçados, papéis espalhados, gavetas reviradas e a sensação de que um tornado havia passado por ali.
- Eles estiveram aqui - murmurei, sentindo um arrepio na espinha.
Ethan me segurou pelo braço. - Não toque em nada. Vamos pegar o que você precisa e sair daqui.
Ele empurrou a porta com firmeza, sacando a arma de seu coldre e me instruindo a ficar atrás dele. Com a arma em punho, ele fez uma busca meticulosa, assegurando-se de que não havia mais ninguém ali.
- Rápido, pegue o que precisar. Aqui não é seguro - disse ele com sua voz profunda.
- Claro, tudo bem! - respondi, enquanto minhas mãos tremiam.
Com pressa, peguei uma mochila e coloquei alguns itens pessoais.
- Pronto - disse eu, com a voz embargada.
Saímos do apartamento e Ethan encostou a porta. - Não se preocupe, a polícia vai investigar - disse ele, tentando me confortar.
Segurando minha mão, ele me levou ao elevador. A descida pareceu uma eternidade, cada rangido do cabo soando como um prenúncio de desgraça. Ethan mantinha o olhar fixo nos números que diminuíam, sua mandíbula travada em tensão. Eu, por outro lado, não conseguia desviar os olhos da arma em sua mão. Nunca tinha visto uma de perto, até o ataque que eu havia sofrido; agora eu via armas frequentemente.
Ao sairmos do prédio, o ar da noite me atingiu como um tapa. A rua, antes tão familiar, agora parecia ameaçadora, cada sombra escondendo um potencial perigo. Ethan me guiou rapidamente até o carro, estacionado discretamente a alguns metros de distância.
- Para onde estamos indo? - perguntei, depois de um tempo.
- Para um lugar onde você estará segura. Um lugar onde poderá aguardar até o dia do julgamento - respondeu ele, com um olhar determinado.
- E depois disso, vou descobrir quem está por trás de tudo isso e fazê-los pagar - afirmei, esforçando-me para parecer convincente.
No carro, o silêncio era palpável, quebrado apenas pelo ronco do motor. Ethan dirigia com uma concentração intensa, e as lágrimas escorriam silenciosamente até que o sono me envolveu. Acordei com a suavidade da mão de Ethan acariciando meu rosto.
- Desculpe. Não queria te assustar - sussurrou ele, com um olhar cansado.
- Que horas são? - perguntei, sentindo meu corpo dormente após tantas horas sentada.
- 21:00 em ponto - respondeu ele com um lindo sorriso, olhando para o relógio de seu pulso.
- Tudo bem! E onde estamos?
- Na minha casa. Venho aqui sempre que preciso escapar da loucura da cidade. É um lugar tranquilo e sereno, longe de tudo.
Ao olhar ao redor, percebi que só havia árvores: enormes árvores e nada mais. As únicas luzes ali eram os faróis do carro e a luz suave da lua. Não havia casas por perto, um verdadeiro santuário para a solidão. Apesar da distância de tudo, uma sensação de segurança me envolveu. Peguei minha mochila e a sacola com as roupas do restaurante e saí do carro. Retirando um chaveiro do bolso, Ethan destrancou a porta.
- Seja bem-vinda! Este será seu lar temporário.
Era uma charmosa casa de dois andares, completamente revestida de branco, com janelas e portas de estilo colonial em preto e um lindo piso de madeira, um verdadeiro oásis moderno e acolhedor em meio à natureza.
- Uau! É deslumbrante! Não parece nada com uma cabana de pescadores.
- Fico feliz que tenha gostado! Recentemente, fiz algumas reformas. Os quartos ficam no andar de cima; venha, vou te mostrar. Um quarto amplo, com uma enorme cama king size e edredons que pareciam fofos como algodão.
- Sinta-se à vontade, guarde suas coisas e desça. Vou preparar algo para a gente comer. Após guardar meus poucos pertences, senti um cheiro prazeroso vindo da cozinha.
- Parece delicioso! - disse eu enquanto ele cozinhava.
Sorrindo, ele respondeu:
- Sente-se, já vou nos servir.
Com obediência, acomodei-me em uma banqueta ao redor da ilha.
- O prato do dia é frittata com presunto de Parma. Bom apetite! - ele exclamou, sentando-se ao meu lado.
- Está delicioso, obrigada!
- Disponha!
Ele respondeu, exibindo um sorriso genuíno.
- Sério, está incrível! Depois de tantos dias no hospital, eu havia esquecido como a comida caseira pode ser tão saborosa.
Enquanto desfrutávamos da refeição, conversamos sobre sua bela casa, recém-reformada por ele, e descobri que aquele grande corpo definido havia sido esculpido por seu pesado trabalho braçal. Organizamos a cozinha e seguimos rumo aos quartos.
- Tome banho e descanse. Precisamos conversar pela manhã - disse, com um ar de preocupação.
- Tudo bem, boa noite!
Respondi, ainda preocupada com a destruição do meu apartamento.
Entrei no quarto, desfrutando de um momento de privacidade após dias dividindo o quarto de hospital com ele. Depois de um banho revigorante, percebi que não havia trazido pijama algum, o que, dadas as circunstâncias, era compreensível, já que a morte parecia estar sempre à espreita. Acabei dormindo apenas de calcinha e uma camiseta preta que encontrei no armário do meu quarto, que suspeitava ser do Ethan. A noite estava quente e abafada; o lençol era tudo o que eu precisava. A cama era tão aconchegante que não demorei a cair no sono.
Quando abri os olhos, lá estava eu novamente, no restaurante, frente àqueles olhos cansados e profundos.
A porta se escancarou, e um homem armado entrou, gritando e anunciando o assalto.
BANG!
Gritei. Não, por favor! As lágrimas escorriam pelo meu rosto.
BANG! O som ecoou ensurdecedor, abafando meus próprios gritos desesperados. Meus olhos, fixos nos do homem à minha frente, capturaram uma súbita compreensão, um lampejo de resignação. Ele sabia. Ele sempre soube.
O caos se instalou no restaurante. Clientes gritavam, se jogavam no chão, tentando se proteger. O assaltante, com a arma em punho, exigia dinheiro e celulares. Mas eu não conseguia desviar o olhar. Estava presa naqueles olhos cansados, na dor silenciosa que emanavam.
BANG! De repente, tudo aconteceu em câmera lenta: outro tiro e, em meu peito, uma dor lancinante. Alguém gritou. O pânico me paralisava. Eu queria correr, me esconder, mas meus pés estavam pregados ao chão. Um último grito, rasgando minha garganta, e logo me senti sendo puxada para longe do perigo iminente.
- Abra os olhos, isso não é real, abra os olhos.
A voz insistia, tentando me puxar para a realidade. Meus olhos lutavam para se adaptar à luz intensa; minha mente ainda estava emaranhada, tentando recordar onde eu realmente estava.
- Foi só um pesadelo, você está a salvo, estou aqui com você. Sim, era isso. Eu estava com ele, não no restaurante, com meu carrasco, mas sim sentada na cama ao lado de Ethan, que me envolvia em um abraço apertado, me protegendo com seu calor reconfortante. Apesar do calor que emanava dele, eu tremia de frio; minha camiseta, colada ao corpo e encharcada de suor, provocava ondas intensas de arrepio.
- Você está gelada. Ele pegou o edredom e se deitou ao meu lado, cobrindo-nos.
- Durma, vou ficar aqui com você esta noite.
Não que compartilhar a cama fosse algo comum ou habitual, mas ao lado dele eu me sentia segura, dia após dia.
Acordando e dormindo com ele no hospital, aquela situação para mim não foi constrangedora. Mesmo deitada sobre seu peito, demorei a dormir, e aquele fim de noite havia chegado; a luz do sol entrava pela janela, acompanhada do barulho dos pássaros cantando lá fora. Ethan ainda dormia quando decidi que me levantaria escondida dele, porque não estava vestida o suficiente. Ao me levantar, nas pontas dos pés, olhei ao redor à procura da minha toalha.
- Já de pé, tão cedo?
Sua voz rouca e sexy me tirou do foco anterior. Quando o olhei, ele estava me analisando de cima a baixo. Constrangida, me esforcei ao máximo para puxar para baixo a barra de sua camiseta, que, no momento, eu vestia.
- Então, é que, bem, eu...
E, mais uma vez, eu estava completamente gagá, me perguntando: como eu poderia descrever aquele ser? A resposta me veio à mente: conhece o Apolo? O deus da beleza, da poesia e da sabedoria, com sua aparência sem igual. Se ele estivesse entre nós, teria que batalhar pelo seu título, porque, olhando para Ethan naquele instante, tenho certeza de que o coitado do Apolo não teria chance alguma.
Como sempre, ele tinha o poder de me fazer esquecer até as coisas mais simples, como construir uma frase ou até mesmo pronunciar um simples "bom dia". Com aquele sorriso encantador, ele se levantou, se aproximou de mim e me deu um leve beijo nos lábios.
- Bom dia, garota-problema!
- É, bom dia!
- Você está bem? - perguntou ele, com um olhar curioso.
- Sim, estou. Ah, e a propósito, muito obrigada! Você sabe, por ter passado a noite comigo. Não, não é bem isso. Por ter dormido comigo. Bem, também não era isso que eu queria dizer.
Minha voz estridente alcançava um tom constrangedor, totalmente embaraçoso.
- Na verdade, era por ter me feito companhia.
- Não por isso - ele esboçou um sorriso.
Com um gesto delicado, ele afastou um dos meus cachos de cabelo atrás da orelha e sussurrou:
- Essa camisa te deixou maravilhosa.
- É, que bom!
Respondi, sentindo meu rosto arder de vergonha.
E assim, ele se despediu.
Uau, que resposta brilhante, Allison! Uma repórter que fica muda ou tropeça nas palavras toda vez que um homem fala com ela.
Só poderia ser o karma. Já tinha ouvido falar que o karma era uma vadia; o pior é que tinha que concordar.
Depois de um banho revigorante, desci determinada a preparar nosso café da manhã como forma de agradecer pela noite anterior, mesmo sabendo que, na verdade, já era hora do almoço.
Eu não era uma especialista na cozinha, mas torradas, panquecas e um bom café preto, isso sim, eram o meu forte. Ele entrou pela porta da frente, suado e vestido com um moletom.
- Que cheiro bom! - exclamou ele, com um sorriso no rosto.
- Preparei um café fresquinho.
Aproximando-me, entreguei-lhe uma caneca generosa, repleta do líquido fumegante. Como era de se esperar, de perto pude analisar melhor o conjunto da obra.
- Que maravilha! Estou morrendo de fome!
Eu também, pensei com ironia, perdida em meus pensamentos eróticos. Enquanto saboreamos o café, ele me questionou sobre o sonho da noite passada. Foi nesse momento que uma lembrança inesperada surgiu em minha mente, uma recordação que até então não havia se manifestado.