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Dias se passaram, e em uma manhã de outono, o quarto de Evangeline foi invadido por empregadas apressadas, arrumando suas coisas em grandes malas de madeira. Ela se levantou abruptamente, tentando entender o que estava acontecendo. O caos tomou conta de todos os cantos enquanto peças de roupas eram cuidadosamente dobradas, acessórios embalados e objetos pessoais removidos com rapidez. Em menos de duas horas, o quarto onde Evangeline cresceu e colecionou memórias parecia completamente estranho, como se ela nunca tivesse estado ali.
Era como se sua existência naquele espaço tivesse sido apagada.
- Bom dia, jovem senhora... - uma voz firme e familiar ecoou no ambiente, interrompendo seus pensamentos por um breve instante.
- B-bom dia, senhora McKellen. O que está acontecendo? - perguntou Evangeline, com os olhos correndo pelo quarto agora irreconhecível, desprovido de qualquer traço de sua identidade.
- Bem... - iniciou a senhora McKellen, escolhendo as palavras com cuidado, hesitante.
- Sobre isso, é melhor que seja o senhor a lhe explicar, senhorita. Não tenho permissão para interferir em questões familiares - concluiu rapidamente, encerrando a conversa com frieza.
Antes que Evangeline pudesse questionar mais, a governanta criou distância entre elas, afastando-se com passos decididos até desaparecer pelo corredor, deixando-a sozinha novamente. Como de costume, Evangeline se viu imersa em dúvidas, presa na falta de respostas.
Logo, após Mariah ajudá-la a se vestir, foi conduzida para o andar inferior, onde sua família estava reunida ao redor da grande mesa de jantar. O ambiente era carregado com o desconforto familiar de sempre: seu pai fixava o olhar no prato à sua frente, a madrasta e a meia-irmã trocavam sorrisos satisfeitos, sem sequer olharem para Evangeline.
- Você está se mudando - declarou seu pai abruptamente, rasgando o silêncio como se empunhasse uma lâmina.
- Mudando? Eu não posso me mudar! Para onde eu iria? - exclamou Evangeline, perdendo a postura a cada palavra que pronunciava.
- Eu não pedi sua opinião, Evangeline! - rebateu ele, batendo o punho na mesa com força suficiente para fazer os talheres tremerem.
- Por quê? Por que eu? - insistiu Evangeline, sua voz repleta de impotência e decepção.
- Porque você é o motivo disso tudo! O motivo pelo qual me encontro nesta situação! Foi um grande erro permitir que sua mãe entrasse nesta casa. Agora, todos pagamos por isso - declarou amargamente, sem considerar o impacto de suas palavras sobre Evangeline.
Suas últimas frases atingiram Evangeline como um golpe. Antes que ela pudesse reagir, seus olhos começaram a escurecer, e a sala ao redor parecia distante. Sua mente se esforçava para absorver a situação quando ouviu, ao longe, a voz de seu pai gritar:
- Ítalo!
- Senhor? - respondeu uma voz masculina, surgindo rapidamente no salão.
- A senhorita está pronta. Leve-a! - ordenou Ambrose Montclair, firme.
O choque a deixou incapaz de questionar. Ainda assim, as palavras ecoaram em sua mente enquanto sentia o mundo ao seu redor desmoronar.
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Horas depois, o som dos cascos dos cavalos batendo contra o solo duro a despertou. O balanço ríspido da carruagem chacoalhava seu corpo de um lado para o outro. Evangeline abriu os olhos devagar, tentando se ajustar à posição no pequeno assento desconfortável. Sua cabeça latejava de dor, e suas roupas começavam a sujar-se com o desgaste da viagem. Instintivamente, moveu as persianas da janela, tentando reconhecer o caminho, mas tudo à sua volta era estranho.
As árvores secas, desprovidas de vida, projetavam sombras grotescas sobre o terreno cinzento. O ar estava pesado e frio, e nem mesmo a luz do sol conseguia penetrar as nuvens densas e opressivas.
- Que lugar é este? - sussurrou para si mesma, descartando a esperança de uma resposta.
De repente, a carruagem parou bruscamente, lançando Evangeline contra a parede interna. Soltou um gemido baixo de dor, enquanto a porta se abria violentamente, revelando o rosto rígido do homem que a acompanhava.
- Venha! - ordenou ele, agarrando-a com firmeza pelo braço e a puxando para fora.
- Não! Pare! Para onde estamos indo? Por favor, me deixe! - implorou, resistindo em vão contra a força dele.
- Escute, menina - rosnou ele, com os olhos escuros fixos nos dela. - Já está anoitecendo. Você está sangrando, e este não é um lugar para ficar ferida. Vamos dormir aqui e seguir viagem pela manhã.
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A noite passada na pousada era um verdadeiro pesadelo. O cheiro de umidade e decadência impregnava o pequeno quarto, misturado à algazarra dos bêbados que ocupavam o salão principal. Evangeline se encolheu em um canto, as lágrimas escorrendo silenciosas. Jamais imaginara que um dia estaria em um lugar tão longe de tudo que considerava familiar e seguro.
Ao amanhecer, o homem voltou ao quarto, segurando-a com ainda mais rudeza enquanto continuavam sua jornada. Evangeline já não tinha forças. Os dias se tornaram indistintos em sua mente, enquanto o cansaço, o frio e a fome consumiam cada parte de seu ser.
Até que, um dia, a carruagem parou. O que aconteceu depois era algo que Evangeline jamais esqueceria...