- Clara, chegou na hora certa. Hoje você está escalada para o turno na Unidade de Cuidados Intermediários. Familiarize-se com os pacientes. Alguns são novas admissões e precisarão de uma avaliação completa.
Clara assentiu com profissionalismo, mas não conseguiu evitar o nó no estômago ao pensar na possibilidade de encontrar Mateo novamente. O que diria se o visse? Como o encararia sem que seus sentimentos transparecessem? Forçou-se a focar no trabalho enquanto revisava os prontuários dos pacientes designados.
Ao entrar no primeiro quarto, foi recebida por uma senhora idosa com um sorriso caloroso que tornou o ambiente mais leve. Clara dedicou-se à avaliação com cuidado, lembrando-se do motivo pelo qual escolheu essa profissão. Aos poucos, a tensão em seus ombros começou a desaparecer.
No entanto, sua calma desmoronou ao parar diante da porta do próximo paciente. O nome no registro era inconfundível: Mateo Torres. Seu coração disparou, e as palavras de Júlia ecoaram em sua mente. "Mantenha sempre a compostura, não importa a situação." Respirando fundo, preparou-se para entrar.
Quando abriu a porta, Mateo estava sentado na cama, folheando distraidamente uma revista. Ele ergueu os olhos ao ouvi-la entrar, e um sorriso brincalhão apareceu em seu rosto.
- Bom dia, Clara. Parece que o destino insiste em nos reunir - disse ele em um tom leve que escondia algo mais profundo.
Clara tentou ignorar o calor que subia por seu pescoço e concentrou-se em manter o profissionalismo.
- Bom dia, senhor Torres. Estou aqui para fazer um check-up de rotina - respondeu, ajustando o tom da voz para soar neutro.
Mateo observava cada movimento dela enquanto verificava seus sinais vitais, com uma expressão mais séria do que ela esperava. Após alguns momentos, ele quebrou o silêncio:
- Você está bem? Parece um pouco nervosa.
Clara parou, surpresa com a percepção dele. Era tão evidente o que sentia? Manteve a calma e ergueu os olhos para enfrentá-lo.
- Estou perfeitamente bem. Obrigada por perguntar.
Mateo estreitou os olhos, como se tentasse decifrar o que ela pensava. Mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a porta se abriu abruptamente, revelando uma mulher alta e elegante com uma expressão cheia de confiança. Ela usava um vestido caro e um perfume que imediatamente preencheu o ar.
- Mateo, querido, vim assim que pude - disse a mulher, atravessando o quarto com passos decididos e plantando um beijo na bochecha dele.
Clara sentiu como se o chão desaparecesse sob seus pés. A conexão que havia sentido com Mateo desmoronou como um castelo de cartas. Tentando manter a compostura, apressou-se a terminar seu trabalho.
- Está tudo em ordem. Voltarei mais tarde para monitorá-lo - disse rapidamente, evitando olhar para ambos enquanto deixava o quarto.
Caminhando pelo corredor, seus pensamentos eram um turbilhão. Quem era aquela mulher? O que ela significava para Mateo? Mas, mais importante, por que sentia como se algo dentro de si tivesse se partido? Encostou a testa na parede fria, tentando acalmar o redemoinho de emoções que a consumia.
No quarto, Mateo observava a porta por onde Clara havia saído, sua mente dividida entre a mulher que chegara e a que acabara de partir. Embora tentasse se convencer de que nada importante havia acontecido, não podia ignorar a sensação de perda que o invadia. Uma sensação que não fazia sentido... ou talvez fizesse.
O dia mal começava e já estava carregado de promessas, segredos e uma tensão que ninguém parecia disposto a reconhecer.
Na hora do almoço, o refeitório estava cheio de murmúrios, pratos batendo e o aroma de café fresco no ar. Dana, com a testa levemente franzida, procurava uma mesa vaga em meio ao burburinho. Assim que se sentou, notou uma figura conhecida entrando pela porta: Clara.
O instinto de Dana foi levantar a mão para chamá-la, mas algo na postura rígida da mulher a deteve. Clara parecia desconfortável, com os ombros tensos e os olhos vagando pelo local como se procurasse uma rota de fuga. Ainda assim, seus olhares se cruzaram por um instante.
Clara hesitou, um pé já em direção à saída, mas Dana não lhe deu tempo para decidir.
- Clara, por favor, sente-se comigo.
O tom não era um pedido, mas também não era uma ordem. Era uma mistura calculada de cordialidade e firmeza que deixou Clara sem opções. Ela suspirou, visivelmente desconfortável, e, após um momento de hesitação, cruzou o espaço entre elas com passos lentos.
- Não queria incomodá-la - disse Clara, ao sentar-se à frente de Dana. Suas mãos brincavam nervosamente com a alça da bolsa.
- Não está incomodando. Na verdade, queria falar com você - respondeu Dana, apoiando os cotovelos na mesa e fixando o olhar em Clara.
Clara desviou o olhar para a janela, evitando a intensidade de Dana. Seus lábios se apertaram numa linha fina, como se estivesse debatendo entre se levantar e ir embora ou ficar e enfrentar o inevitável.
- Sobre o que quer falar? - perguntou, finalmente, em um tom seco que denunciava sua resistência.
Dana sorriu suavemente, embora seu olhar carregasse uma mistura de determinação e curiosidade.
- Sobre você, sobre mim... e sobre o que parece que você está evitando.
- Não sei do que está falando. Sou nova neste trabalho e não gostaria...
- Só queria que fôssemos amigas. Estou muito sozinha, longe da minha família e com meu marido nesse estado.
- Eu gostaria, mas não durante meu horário de trabalho - disse Clara enquanto se levantava para sair.
O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de tudo o que nenhuma das duas estava disposta a dizer. Contudo, também foi o início de algo inevitável: uma conversa que prometia mudar tudo entre elas.