- Claro, está livre - respondeu Mateo.
Clara sentou-se com um movimento gracioso, colocando sua bolsa sobre a mesa. Por um momento, ambos ficaram em silêncio, como se o mundo tivesse se reduzido ao pequeno espaço que compartilhavam. Finalmente, Clara quebrou o gelo.
- Não costumo fazer isso, sentar-me com desconhecidos - disse ela com uma risada nervosa. - Mas parecia um bom lugar para escapar do barulho.
- Fez bem - respondeu Mateo com uma voz calma. - Às vezes, um pouco de tranquilidade é tudo de que precisamos.
A conversa fluiu com surpreendente naturalidade. Começaram falando de coisas triviais: o clima, o café, a cidade. Mas, logo, as palavras começaram a ganhar profundidade. Clara mencionou que havia conhecido alguém que Mateo conhecia bem.
- Sabe? Conheci sua esposa - disse Clara de repente, abaixando a voz como se temesse invadir um terreno delicado.
Mateo levantou uma sobrancelha, surpreso.
- A Dana? Quando foi isso?
- Alguns dias atrás. Foi algo breve, mas o suficiente para entender que ela é uma mulher forte. Embora... parecesse carregar um peso grande.
Mateo suspirou, deixando a xícara sobre a mesa. Por um momento, pareceu debater-se entre falar ou guardar silêncio. Finalmente, optou pela honestidade.
- Dana é... incrível. Mas nosso relacionamento não funciona. Tentamos de tudo, mas parece que estamos sempre caminhando em direções opostas. Tenho pensado em terminar.
Clara o olhou fixamente, processando suas palavras. Não havia julgamento em seu olhar, apenas uma compreensão silenciosa.
- Deve ser difícil - disse ela finalmente. - Tomar uma decisão assim não é algo simples.
Mateo assentiu, agradecido pela empatia. Falar com Clara parecia estranhamente fácil, como se pudesse despir-se de todas as aparências e mostrar-se como realmente era.
- E você? - perguntou ele, mudando o foco. - O que te trouxe aqui? Não está trabalhando hoje?
Clara sorriu, embora sua expressão trouxesse uma mistura de melancolia e esperança.
- É meu dia de folga, mas não tenho para onde ir. Acho que também estou procurando clareza - confessou. - Às vezes, a gente precisa sair da rotina para encontrar respostas. Vou fazer um plantão esta noite, minha amiga pediu e aceitei cobrir o turno.
A conversa continuou até o sol começar a se pôr. Cada palavra, cada olhar compartilhado, ia construindo uma ponte entre eles. Clara e Mateo não sabiam, mas aquele encontro marcaria o início de algo que mudaria suas vidas para sempre.
Naquela noite, o hospital estava mais tranquilo que o habitual. As luzes dos corredores criavam um ambiente tênue, e o eco de passos distantes acompanhava a calma aparente. Mateo havia pedido a Dana que ficasse em casa sob o pretexto de verificar algo relacionado às contas bancárias, mas, na verdade, buscava outra desculpa para ver Clara. Havia algo na presença dela que o acalmava e inquietava ao mesmo tempo, um contraste que não podia ignorar.
Quando a encontrou na sala de descanso, ela estava absorta em um livro, com uma xícara de café fumegante entre as mãos. Seus cabelos presos em um coque desarrumado e o brilho quente das luzes faziam-na parecer terrivelmente humana e próxima. Ao notar sua presença, Clara levantou o olhar, e um sorriso espontâneo iluminou seu rosto.
- Não esperava te ver por aqui a essas horas - disse Clara, fechando o livro suavemente.
Mateo tentou responder com naturalidade, mas não conseguiu evitar o nervosismo que o percorria.
- Acho que precisava de uma desculpa para vir... embora, na verdade, só queria te ver.
Clara arqueou uma sobrancelha, divertida, mas também surpresa pela sinceridade de Mateo.
- Então essa era a verdadeira intenção? - perguntou, enquanto um leve rubor surgia em suas bochechas.
Ele riu, coçando a nuca com certa timidez enquanto segurava a muleta firmemente.
- Sou péssimo em inventar pretextos, não é?
A risada de ambos encheu a sala, rompendo a tensão inicial. Conversaram por minutos sobre trivialidades: os pacientes mais peculiares do dia, os cafés próximos ao hospital, e até mesmo sobre o livro que Clara estava lendo. Porém, sob a leveza das palavras, havia algo mais, um magnetismo palpável que os unia.
Num momento, Clara aproximou-se da janela, olhando para as luzes da cidade que piscavam ao longe. Mateo a seguiu, apoiando-se no batente. O silêncio entre eles não era desconfortável; parecia que as palavras não eram necessárias.
- Clara - começou ele, com um leve tremor na voz -, desde que te conheci... sinto que há algo em você que não consigo entender, mas que me atrai de uma forma que nunca senti antes.
Ela girou lentamente para olhá-lo. Seus olhos refletiam uma mistura de surpresa e emoção, e, por um momento, pareceu não saber o que dizer. Finalmente, sussurrou:
- Eu também sinto algo parecido. Mas não sei se é o momento...
Mateo assentiu com um sorriso que tentava ser tranquilizador.
- Não tenho certeza de nada ultimamente, mas com você... sinto que tudo faz sentido.
Clara o olhou, com o coração batendo rápido. Deu um passo em direção a ele, encurtando a distância, e Mateo levantou a mão para tocar suavemente seu rosto. Seus olhares se encontraram, e, por um instante, ambos hesitaram. Mas o momento os envolveu, e quando seus lábios se tocaram, todo o resto desapareceu.
O beijo foi lento, cheio de uma ternura contida que vinha crescendo desde o dia em que seus caminhos se cruzaram. Foi um instante breve, mas eterno, um pacto silencioso que ambos entenderam sem necessidade de palavras.
Quando se separaram, Mateo acariciou o cabelo de Clara, enquanto ela manteve os olhos fechados por mais alguns segundos, como se quisesse gravar o momento na memória. Ao abri-los, um sorriso tímido surgiu em seu rosto.
- Não sei o que vai acontecer depois disso, Mateo - disse ela, com um tom que misturava alegria e cautela.
- Nem eu, Clara. Mas, se tem algo que aprendi ultimamente, é que há momentos em que vale a pena arriscar tudo.
Ela o olhou e assentiu. Talvez tivessem um futuro incerto pela frente, mas, naquele instante, com as luzes da cidade como testemunha, apenas importava o que havia nascido entre eles.